de    m.sergio <m.sergio@>
data    3 de junho de 2010 14:24
assunto    RE: MANUEL SERGIO no Blog do João Freire
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Quando a Assembléia Legislativa do Estado de S.Paulo me homenageou por ter criado, à minha maneira, a ciência da motricidade humana, compus o poema que hoje lhe dou a conhecer. Faça dele o que muito bem entender... se achar que ele tem algum valor estético.
Até sempre.
Manuel Sérgio

Terra da Vera Cruz
(À Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, com a admiração e gratidão sinceras do autor)
         
               Em momentos de pura embriaguez
               Foi assim que te “acharam”
               Os homens de Pedro Álvares Cabral
               Cada um deles português
               A falar em Abril de Portugal

               Terra da Vera Cruz
               Escreveram eles na areia
               Com quanta fé e espanto foram feitos
               E tudo o que os rodeia
               Renasce em lume vivo nos seus peitos

               Terra da Vera Cruz
               E Pedro Álvares Cabral absorto
               Admirava no azul que amanhecia
               A beleza sem fim do novo porto
               E o sonho que se cumpria

               Todo o mar embalava uma utopia
               Que as aves em músicos segredos
               Repetiam e davam cor e glória
               Voando sobre as águas e os rochedos
               Inundando de assombro a própria História

               Pero Vaz de Caminha
               Ergueu numa carta a El-Rei um cântico
               Onde tudo o que viu nada se perde
               E contou que deste lado do Atlântico
               Tudo parecia sensual e verde

               E tantos portugueses depois dele
               Em discursos solenes ou na escrita
               Com saudades tuas em carne viva
               Disseram a palavra nunca dita
               Que a dor de te deixar era excessiva

               “Não existe pecado
               Do lado de baixo do Equador”
               O Brasil é um corpo que se enleia
               E faz amor connosco por amor
               Recebendo por dar em maré-cheia

               Mas também se é precisa a liberdade
               O afecto é o outro lado da coragem
               E a ternura não teme a própria morte
               A Lei Áurea é a nítida imagem
               De um país destemido altivo e forte

               Da resistência indígena e popular
               Aos abusos cruéis da escravatura
               Nem os anos apagam a lembrança
               A dor toda de um povo é o que perdura
               Se o sangue vem dos braços de uma esperança

               E contra a ditadura militar
               Não fixaste o teu perfil exacto
               Com um heroismo que não se esquece
               E é hoje ainda um retrato
               Em que o sentido da luta se esclarece?

               Embora sempiterno já o fosses
               Com Guimarães Rosa e Machado de Assis
               Com Drummond de Andrade e Jorge Amado
               Com teus filhos cujo nome condiz
               Com a exclamação do Mundo ao seres “achado”

               Pois que és liberdade além de tudo
               O traço de Niemeyer fez Brasília
               Helder Câmara Chico Buarque e outros iguais
               Desfraldando as bandeiras da vigília
               Disseram “ditadura nunca mais”

               E Chico Mendes e o tropicalismo
               De Caetano Veloso e Gilberto Gil
               E os filmes de Glauber Rocha e Ruy Guerra
               Não têm cicatrizes e o perfil
               Das flores metálicas da mesma guerra?

               Terra da Vera Cruz
               Que teus filhos levantaram do solo
               Com um forte sabor de eternidade
               Pedra a pedra tijolo a tijolo
               Num esforço homérico que persuade

               Terra da Vera Cruz
               Onde vivem alguns meus companheiros
               Que sabem que estes meus versos meros restolhos
               Ganham lonjura são verdadeiros
               Porque foram molhados pelos meus olhos

               Brasil meu Brasil brasileiro
               Que te ofereces nas ondas de um desejo
               Às carícias de fraternas mãos
               Ou à força redonda daquele beijo
               Que se dá aos amantes que nos são irmãos

               Homens que tenham na boca uma fonte
               De límpidas promessas sem fronteiras
               Para contigo saberem recompor
               Tanto sonho inacabado quase em flor
                                              
               Brasil onde tu queiras
               O Mundo será melhor
                                                  Manuel Sérgio
                                                                                 São Paulo, 12 de Setembro de 2007    

Comentários

Por João Batista Freire
em 4 de Junho de 2010 às 09:34.

Quando eu era menino, dizia-me a professora de português que saudade era um idiotismo da língua portuguesa, não existe em nenhuma outra língua. De fato, nossos vazios, nossas ausências sentidas de uma certa maneira, são vazios que se construíram quando um povo foi construído, quando um povo fez-se, quando os brasileiros nos fizemos assim brasileiros, um caldo de biologia e cultura onde se misturaram ingredientes da África, da Europa, especialmente de Portugal, e daqui mesmo, daqueles povos que já habitavam o novo mundo e que chamamos de índios. Se temos saudade, podemos vê-la nascendo no lirismo português, esse lirismo que umedece nossas entranhas e transborda pelos olhos. Se temos saudade é porque os portugueses, os índios e os negros nos fizeram assim, como tão bem está posto nos versos do grande amigo dos brasileiros, o poeta Manuel Sérgio, por quem sinto saudade permanente. A falta parece que doi, mas a saudade consola.

Por José Aristides Carvalho de Mello
em 8 de Junho de 2010 às 14:29.

 “Nostalgia é um sentimento que surge a partir da sensação de não poder mais reviver certos momentos da vida. O interessante sobre a nostalgia é que ela aumenta ao entrar em contato com sua causa e não diminui como o sentimento da saudade. Exemplo: se alguém sente saudades ou falta de um conhecido, este sentimento cessa ao se reencontrar a pessoa. Com a nostalgia é exatamente o oposto: ao reencontrar um amigo com quem se gostava de brincar, este sentimento nostálgico irá se alimentar e não diminuir como a saudade”. (texto retirado do site Wikipedia – A Enciclopédia Livre –  http://pt.wikipedia.org/wiki/Nostalgia)

Sabe bem o Prof. Manuel Sérgio que nunca serão nostálgicos seus sentimentos pelo Brasil, pois sempre estaremos aqui de braços abertos para recebê-lo e consolar sua saudade.

Por Manuel Sérgio
em 12 de Junho de 2010 às 18:18.

Meus queridos Amigos

Vivo, de facto, num drama: quando estou em Portugal morro de saudades do Brasil; quando estou no Brasil morro de saudades de Portugal. Conheci no Brasil algumas das pessoas mais admiráveis que a vida me deixou contemplar; pessoas que são meus irmãos pela visão que têm da Vida, da Sociedade e da História; pessoas que me ensinaram a entender e a amar o Brasil. Elas correm-me nas veias, como o sangue. Agora, que uma crise agónica percorre a sociedade de mercado, dá-me vontade de fugir para o Brasi que, segundo me dizem (e eu estive aí, em Fevereiro p.p.) está a libertar-se de muitas das taras do capitalismo. Vamos ver até onde chega a vossa higienização política, pois o câncer tem aí muitas metástases. De qualquer forma, o vosso País percorre a estrada que o levará, dentro em breve, a superpotência, o que me dá um prazer enorme, já que me sinto cansado de superpotências sem as pascalianas "razões do coração", em que o meu querido Brasil é fértil.

Um abraço fraterno e saudoso do vosso

Manuel Sérgio

Por João Batista Freire
em 13 de Junho de 2010 às 18:09.

O Prof. Manuel Sérgio nunca veio ao Brasil sem deixar um pedaço de si como herança para nós, os brasileiros. Não sei se lhe devemos algo, mas que devemos ser gratos, isso devemos. Se eu fosse governo, o Prof. Manuel Sérgio receberia o título de cidadão brasileiro especial. E se eu fosse reitor de alguma universidade, ele receberia o título de Doutor Honoris Causa. Mas como eu sou só eu mesmo, concedo-lhe hospedagem permanente em minha casa, com direito a pizzas e vinhos, além dos amigos que tocam violão.


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