Sobre o País das Boquinhas

Pois bem... Vejam que interessante a leitura que Helio Schwartsman faz sobre o tema e notem as relações por ele estabelecidas com a lógica cartorial de nossa sociedade, por muitos (obviamente não por nós) defendida.

Abraços

Lino



Folha de São Paulo, quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
 
 

Tiradentes e as boquinhas

SÃO PAULO - Agora são duas tetranetas de Tiradentes que estão pleiteando uma pensãozinha, pelos serviços prestados por seu antepassado. Faz sentido. Se a filha do Hercílio Luz, que foi eleito governador de Santa Catarina no século 19, faz jus a R$ 15 mil, por que as descendentes do herói do século 18 não teriam direito a modestos R$ R$ 727?
Nesse ritmo, logo chegaremos ao Pero Vaz de Caminha. Chegaremos? Talvez seja mais exato dizer que foi dali que partimos. É sempre bom lembrar que o escrivão real termina sua Carta do Achamento do Brasil intercedendo diante de Sua Majestade por um genro.
Com tantos antecedentes, não é difícil explicar coisas como superpassaportes, superaposentadorias etc. Na verdade, é fácil e gostoso atacar políticos e seus apaniguados, mas será que nosso comportamento privado é muito melhor?
Tramitam no Congresso dezenas de projetos de "regulamentação profissional", ou seja, para tornar uma determinada atividade exclusiva para os que já a praticam e de preferência obrigatória para a população. Todo sindicato, no fundo, almeja tornar-se uma OAB.
Na indústria, a situação não é diferente. A troca das tomadas, por exemplo, foi um golpe de mestre. Numa única canetada os fabricantes de plugues e adaptadores criaram "ex nihilo" um novo mercado de quase 200 milhões de usuários.
No mesmo nível de genialidade só me lembro da regra que, alguns anos atrás, obrigou todos os motoristas a adquirir e a carregar um pedaço de gaze, um rolo de esparadrapo e um par de luvas de látex. Era para garantir atendimento médico em emergências viárias.
O Brasil se tornou uma espécie de país da boquinha. Indivíduos, categorias profissionais e empresas, em vez de firmar-se pela excelência de seu trabalho, serviços ou produtos, tentam sequestrar a autoridade do Estado para impor-se a todos e garantir "o seu".
É um jogo no qual os bem relacionados ganham e a maioria perde.

Comentários

Por José Aristides Carvalho de Mello
em 1 de Fevereiro de 2011 às 13:53.

Lino,

Excelente a leitura feita pelo Helio Schwartsman sobre a questão da "reserva de mercado" por decreto.

Há alguns anos, fui um defensor ferverozo do sistema CONFEF-CREFs. Meu registro (CREF 00674-G/SP) foi um dos 2.000 que deu direito à instalação da Regional São Paulo, conforme previa a legislação daqueles idos.

Eu acreditava que a regulamentação da profissão e consequnte fiscalização do exercício profissional serviriam para banir os "leigos" do nosso mercado, principalmente porque atuo na área de academias esportivas, setor até hoje infestado de profissionais que não cursaram a graduação da nossa área. Também acreditava que este seria o caminho da valorização profissional. Ledo engano...

A leitura de alguns dos seus textos e dos professores Celso João Ferretti e Hajime Nozaki, durante meu curso de mestrado, me fizeram refletir um pouco mais sobre o assunto.

Hoje percebo que os egressos das faculdades de Educação Física estão cada dia menos preparados para assumir seu papel no mercado de trabalho e, pior que isto, cada dia menos motivados para se qualificar e desenvolver suas competências profissionais.

Aponto dois fatores:

1) Formação nas universidades: As universidades/faculdades estão em processo de sucateamento; as salas de aulas estão cada vez mais abarrotadas; os docentes têm seu poder aquisitivo achatado, senão aviltado; o "pacto da ignorânica", onde o aluno só quer o canudo e o professor não quer dor de cabeça, atinge dimensões absurdas;

2) Valorização do negócio "academia esportiva": Os empresários do setor são os primeiros a desvalorizar seus negócios, a medida que acreditam que contratando profissionais mais baratos irão aumentar seus lucros; com esta prática, os salários ficam cada vez mais baixos, não se tornando atrativos para bons profissionais, que acabam migrando para outros negócios; os clientes facilmente percebem que a qualidade dos profissionais não é tão boa quanto esperavam e, portanto, não dão valor aos serviços prestados, negando-se a pagar valores mais altos; neste cenário, os lucros ficam achatados, não permitindo aos empresários que invistam mais em pessoal; os profissionais que se sujeitam a trabalhar por valores baixos são obrigados a cumprir jornadas semanais muito altas, ficando sem dinheiro nem tempo para buscar a formação continuada; consequentemente, não ocorre a valorização desejada para a profissão, pelo menos neste âmbito.

Ainda há diversos outros fatores não citados aqui. Esta é uma análise resumida, mas que acredito tocar em dois pontos cruciais para a valorização da nossa profissão. E é esta análise que me fez repensar a questão da inadequação da "reserva de mercado".

Minha tendência hoje é de acreditar que quem tem competência é que deve se estabelecer, como se acreditava antigamente. Espaço no mercado de trabalho garantido por decreto não funciona. Ao contrário, pode acabar "matando" o mercado.

Abraços,

Prof. Ms. Ari Mello

Por Lino Castellani Filho
em 2 de Fevereiro de 2011 às 14:53.

Prezado Ari

Temos hoje 959 cursos superiores de EF (dados do INEP [2009/10] analisados pelo Observatório do Esporte) distribuídos pelas universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades isoladas e institutos de educação superior, e não temos receio em afirmar que a formação de aproximadamente 80% deles está aquém do minimamente razoável. Não obstante não há caminhos mágicos a trilhar, se não o de buscar políticas educacionais que qualifiquem a educação (não só) superior brasileira. 

E de uma coisa temos certeza: Não será reservando mercado e assumindo posturas retrógradas em relação ao exercício profissional que encontraremos as soluções que desejamos.

Estamos de acordo nisso!

Abraços

Lino


Para comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.