Tomei conhecimento da defesa de tese de doutorado de Ana Rosa Jaqueira. Acontecerá mês que vem, na Universidade de Coimbra – sim!, naquela universidde portuguesa há uma Cátedra de Capoeira, com professores-doutores ministrando aulas e fazendo pesquisas sobre a nossa Capoeira… -; pois bem, pedi à Ana Rosa que me enviasse uma cópia; respondeu-me que ainda não fora feita a defesa da tese, mas que mandaria o resumo. O fez! publiquei aqui neste espaço http://colunas.imirante.com/leopoldovaz/2010/03/26/capoeira-na-universidade-tese-academica/, e repliquei no CEV Capoeira – www.cev.org.br/comunidade/capoeira, administrada pelo Sérgio Vieira, uma das maiores autoridades brasileiras, ex-presidente da FICA, pós-doutor…
Segue o comentário do Sérgio, com base no resumo publicado naquela Comunidade:
Por Sergio Luiz de Souza Vieira
Bom… Vamos lá…
1- É de se estranhar que a universidade de Coimbra tenha permitido que o esposo tenha sido orientador da pesquisadora. Isto transforma a exigível neutralidade cientifica em uma relação de interesse marital e provoca suspeitas em relação ao nível de qualidade do trabalho.
2- A FICA forneceu material para a pesquisadora, mas a triagem das fontes foi feita também pelo marido. Seria então uma tese com dupla autoria?
3- O casal apenas triou os documentos da extinta Confederação Brasileira de Pugilismo. Não fizeram a triagem nos documentos da CBC nem da FICA (quase duas toneladas de documentos). Também não houve entrevista dos gestores.
4- A tese teve como fundamentação o “processo civilizacional”, e não trouxe nenhum elemento novo. Seria a mesma coisa que experienciar a teoria da gravidade em diversas partes do mundo, ou seja, apenas uma constatação de algo já apresentado por outros, entre eles Norbet Elias.
5-Levaram em consideração somente o Decreto 3199 que foi publicado para unificar a legislação desportiva nacional. Ou seja, a institucionalização que já existia anos atrás não foi levada em consideração na pesquisa.
6- Antes de 1941 a Capoeira já estava institucionalizada como um desporto. Faltou uma pesquisa mais ampla nas fontes primárias.
7- Naquilo que se refere ao que ocorreu após 1992, a CBC jamais quis que a Capoeira se mantivesse como uma “luta”. Isto foi definido em várias assembléias e congressos técnicos. A luta foi abominada no âmbito desportivo. Houve uma clareza consensual em se resgatar o “jogo da Capoeira” em sintonia com o “fair play”. Deste modo jamais poderia ser uma “pseudomodalidade de luta”. Faltou, então, um trabalho conceitual na construção dos elementos, no sentido de se definir: luta, arte marcial, pseudoluta e jogo, afinal, peixe é peixe, boi é boi e peixe boi é peixe boi. São coisas distintas. Deste modo faltaram também pesquisas em fontes primárias.
Lamentável… Eu esperava muito mais…
Sergio Vieira – Pós-Ph.D.
Outro pesquisador, também em processo final de doutoramento, da área das artes marciais, já havia pedido informações para alimentar suas pesquisas. Mandei alguma coisa, de que dispunha, e outros endereços, onde pudesse buscar mais informações. Também trata do processo de esportivização da Capoeira. Outro pesquisador, seu amigo, também trata do mesmo tema, e acaba de apresentar seu trabalho final de doutorado. Breve teremos o material disponivel no sistema de teses e dissertações da USP…
Convidei-os para virem ao Maranhão, ambos, e à Ana Rosa e o Paulo Coelho, seu orientador, com o desafio de propor uma tema no nosso CONGRESSO DO CEV. Trata-se de Fábio Cárdias e do Julvan…
Ao que Fábio respondeu: [...] “a tese do Julvan ainda nao esta disponível, demora uns 3 meses pra cair na rede. Julvan nao deve participar, ele nao eh da capoeira tbém. meu tema eh teoria marcial e nao cabe minha colaboracao no tema esporte, pq eu trabalho com o conceito de q arte marcial eh arte marcial, esporte é esporte, arte marcial nao é esporte. mas eu iria como ouvinte mesmo, prestigiar e conhecer o grupo, obrigado.” (Fábio disse-me, em outro comunidaco,l que viria a São Luis pois tem parentes aqui; faria uma visita a eles e participaria do evento…).
Ao que respondi e tornei a fazer o desafio da presença de ambos:
Fábio, Julvan, Demais Comunitários, essa diversidade que gostaríamos de ter em nosso encontro. A discussão sobre o processo de desportivização e da regulamentação esportiva da capoeira. Todos sabemos da trajetória, e que Bimba utilizou-se das regras estabelecidas por Zuma, e depois Sinhozinho, para tornar a capoeira aceitável enquanto arte marcial – luta – descriminzalinado-a, na década de 30/40… e depois a sua inclusão na CBP até a formação das federações e CBC e a FICA… como se deu esse processo? a busca das semelhanças com as outras artes marciais possibilitará compreender melhor esse processo. Sabemos que esse processo passa pela prática de outras artes marciais – jiu-jutsu, judo, savate, e mesmo a greco-romana… como isso se deu? Esse é o encaminhamento… uma AQUÁRIO entre os das artes marciais e os das capoeiras…
Ao que replicou: [...] ” Concordo Leopoldo,
Espero ler a tese da colega brasileira pra poder aprofundar discussão. Essa diversidade é saudável, concordo.
O processo de discriminalização da capoeira sendo levada pro guarda chuva do esporte é histórica e muito respeitável. Mas Bimba e relacionados tem paralelos com o que fez Jigoro Kano do lado de lá (guardados os contextos), misturando dois estilos principais de jiujitsu, esportivizou, um caminho válido, e esporte é também um caminho, esportivo.
Mas arte marcial não é esporte, e nem é luta agonística tão só, para mim o judo é esporte e não arte marcial, menos ainda savate e luta greco-romana. Defendo isso numa teoria de artes marciais, havendo sim uma intersecção possível no pequeno aspecto competições. Mas é importante diferenciar arte marcial de luta (esportiva internacional ou nativa) e de esporte de combate. Isso também é possível e mostrarei na tese como, sem apelar pra idéia civilizatória de Elias/Dunning (precisam renovar essa teoria no cenário esportivo/olímpico atual), onde civilizar ou modernizar artes marciais não é sinônimo de esportivizar, elas podem se retroalimentar sob si mesmas e se atualizarem por si mesmas sem o apelo esportivo contemporâneo, espetacular, palco político e hegemônico.
Arte marcial é arte marcial (inclua ai os mesmos defeitos), possuem um plano teórico e pressupostos que sustentam isso.
Esporte é esporte, e um caminho a mais, são escolhas. Podemos aprofundar em outro momento, mas não chegaremos a mesma conclusão com certeza, são escolhas teóricas e de abordagem.
Fico feliz que haja espaço para os dois caminhos, mas claro que há dimensões políticas-econômicas que achatam uma ou outra, pra que lado sobrará?? Pro que corre menos investimento do COI, das políticas públicas de esporte, não havendo políticas públicas pras artes marciais nem mestres, isso ocorre no Japão hoje, com os koryu (em que pese muitos koryu se manterem fechados, caso de Maniwa ryu, mas não é o caso de kashimashin ryu ou Musoshinden ryu).
Faço eco ao lado mais fraco, mas *pra mim* muito mais profundo e por isso mais bonito! (não perfeito porque não somos, de qq forma o problema não é só de melhor formato (esporte ou não), o problema é o próprio homem!esportivizar não é civilizar! sociedade com um todo é sintomática). Aprofundo isso na pesquisa atual e talvez serei mais claro no texto final, onde a defesa da colega me interessa muito.”
Pois bem, a idéia do Congresso CEV é essa mesma. Criado o tema/assunto, achar os protagonistas certos e colocar os problemas na mesa e debater. Minha sugestão é que tenhamos os dois das artes marciais – Fábio e Julvan – e que não são capoeiras… – e os dois pesquisadores baianos-portugueses, com suas teses sobre a capoeira e a esportivização, ou não, frente a frente. Se o Sérgio puder se livrar das ulas nesse período, será bem vindo, e ainda podemos contar com o Falcão também doutor, e mestre-capoeira, lá de Santa Catarina; quem sabe um representante timbira, um local- doutor Tarcísio ou Mestre MarcoAurélio e, suprema glória, Mestre Patinho, talvez Mathias, outro doutor, se interesse em vir e discutir…).
Os debates e trocas de idéias ja começaram. Façamos nossos questionamentos e tragamos para a desconferencia no Maranhão.
Segue a Roda…
Do Blog do Leopoldo Vaz http://colunas.imirante.com/leopoldovaz/2010/03/27/capoeira-comentarios-a-tese-de-ana-rosa/
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