Precisamos avançar nos conceitos para legitimar a corporeidade como um campo de investigação transdisciplinar. O conceito de etnocorpografia é fundamental para compreendermos a etnocorporeidade. Como identificamos, descrevemos e interpretamos etnocorpografias no esporte? E na dança? E nas nossas vivências do cotidiano?

Comentários

Por Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 21 de Dezembro de 2009 às 23:30.

Minha Mestra:

Vou tentar, com base em trabalho de pesquisa que estou envolvido, na análise das pranchas de Rugendas, na busca da ancestralidade da Capoeira:

[...] a definição de Noronha, Oliveira Filho e Santos (2009), para o termo “iconografia”, como o processo de identificação, descrição, classificação e interpretação dos significados simbólicos dos fazeres, saberes e histórias de determinado grupo ou cultura e, ainda, as formas tangíveis desses significados – seus produtos, objetos, arquitetura e imagens – que também são camadas de cultura material.[1] 

“[...] a iconografia é vista como o conjunto de signos e códigos pictóricos encontrados nos artefatos, nas produções artísticas, nas expressões visuais de todo tipo, na cultura popular, na rua, nos saberes e fazeres típicos de um lugar ou cultura, o que podemos chamar de vernacular.” (p. 6)

Já Araújo e Jaqueira (2008) consideram a icnografia como:

 “[...] a reescrita da realidade, compreendendo todo um universo de sinais não verbais de manifestação figurativa que vão do desenho à fotografia” ou Iconografia é o ramo da História da Arte que trata do conteúdo temático ou significativo das obras de arte, enquanto algo de diferente da sua forma “[...]. [1]

Esses autores servem-se da metodologia de Erwin Panofsky[1] para compreender a luta-jogo da(s) Capoeira(s) por suas diversas formas de expressão e vieses, através do método de estudo etnográfico, da interpretação de imagens (objeto) para comparações e associações postas na história das relações sociais, conforme registra Lamartine Pereira da Costa na apresentação da obra dos autores[2].


Explicam:

“[...] abordagem de interpretação de imagens atribuídas diretamente ou mesmo indiretamente à luta/jogo da Capoeira, demanda de fatores distintos, onde destacamos a quase inexistência de análises imagéticas sobre a expressão referida, aliada ao fato de identificarmos na sua literatura específica, interpretações superficiais e pouco fundamentadas de algumas das iconografias que historicamente retratam a possível presença desta expressão corporal na sociedade brasileira dos séculos XIX e XX”. (ARAUJO e JAQUEIRA, 2008, p. 15).

 

OBJECTO DE INTERPRETAÇÃO

Conteúdo temático primário ou natural (factual; expressivo) constituindo o mundo dos motivos artísticos

Conteúdo temático secundário, constituindo o mundo das imagens, histórias e alegorias

Significado intrínseco ou conteúdo, que constitui o mundo dos valores

ACTO DE INTERPRETAÇÃO

Descrição pré-iconográfica (e análise pseudoformal)

Análise iconográfica , no sentido mais estrito da palavra

Interpretações iconográficas, em sentido mais profundo (Síntese iconográfica)

BAGAGEM PARA INTERPRETAÇÃO

Experiência prática (familiaridades com os objetos e as ações)

Conhecimento das fontes literárias (familiaridade com os temas e conceitos específicos)

Intuição sintética (familiaridade com as tendências essenciais do espírito humano condicionadas pela psicologia

Adaptação do Quadro Sinóptico de Panofsky sobre interpretação de imagens. Araújo e Jaqueira, 2008, p. 20



NORONHA, Raquel Gomes; OLIVEIRA FILHO, Hamilton Lima; A SANTOS, Camila Andrade dos (Organizadores). A CULTURA AFRO-MARANHENSE ATRAVÉS DE IMAGENS. São Luís: EDUFMA, 2009, p. 6.

ARAUJO, Paulo Coelho de. JAQUEIRA, Ana Rosa Fachardo. DO JOGO DAS IMAGENS ÀS IMAGENS DO JOGO – nuances de interpretação iconográfica sobre a Capoeira. Coimbra-Portugal: Centro de Estudos Biocinéticos, 2008.

DaCOSTA, Lamartine Pereira.  In Apresentação da obra de Araújo e Jaqueira (2008) obra citada, p. 9 a 12

Nota de “pé-de-página”, ARAUJO e JAQUEIRA, 2008, p. 15, obra citada.

 

Leopoldo

desde o Maranhão...

Por Katia Brandão Cavalcanti
em 22 de Dezembro de 2009 às 06:41.

Vamos tentar! Cada um com seu talento corpográfico. Como você conhece bem a capoeira será possível uma significativa contribuição para este tipo de estudo. A grande dificuldade para o avanço dos estudos transdisciplinares sobre o corpo e a corporeidade é o afastamento do pesquisador do seu campo vivencial. Precisamos conhecer bem algumas cicratizes corporais para buscar descrever e interpretar com apoio de saberes transdisciplinares. Tudo que se passa na nossa vida tem o seu registro no nosso corpo e na nossa corporeidade. Precisamos decifrar essas escritas corporais para além da fisiologia, da biomecânica, mas não podemos prescindir delas. O corpo é o lugar das nossas emocões, dos nossos afetos... Precisamos transcender certas limitações epistemológicas e metodológicas que nos aprisionam na superficialidade dos fenômenos humanos que pretendemos compreender. Penso que tendo a capoeira como companheira, você poderá nos fazer compreender emergências etnocorpográficas importantes. Um grande abraço, Katia

Por Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 22 de Dezembro de 2009 às 10:12.

Pois é, Kátia...

O çproblema da descrição dos movimentos e da lúdica reside nesse fato - não sou Capoeira! não pratico Capoeira! não se lhe conheço os movimentos e nem sei como identificar os golpes... daí precisar de ajuda de Mestres capoeiras - os capoeiras com mais experiencia - na identificação dos movimentos corporais... aí que parei a pesquisa, na busca da interpretação dos diversos golpes e sua descrição...

Fui buscar nos fundamentos da capoeira, nos seus diversos descritores - dos golpes - dentro da memoria e sua evolução histporiaca - isso, consigo fazer! - e dentro dessa linha de tempo, ver como os  movimentos evoluiram... começandom por Plácido de Abreu - 1894 - passandom por ODC (anomino,aapocrifo) 1904, Zuma e Coelho Neto (o escritor maranhense...) de 1928, Bimba (1938), Pastinha, até chegar-se à nomenclatura da FICA...

quais os golpes descritos no inicio? quais permaneceram? quais mantem os nomes? fotos, gravuras, desenhos, videos... esses os elementos de suporte para a análise...

Cito como exemplo, a fala de um autor, em lançamento de livro semana passada, que aprendera um golpe ’novo’ - a cocada, com o Velho Diniz, o mais antigo capoeira em atividade no Maranhao, hoje com 81 anos... pois bem, esse golpe novo - a cocada - já era descrito por Coelho Neto, em 1928...

Vou te mandar no particular o texticulo sobre a Carioca...

Leopoldo 

Por Katia Brandão Cavalcanti
em 22 de Dezembro de 2009 às 21:20.

Leopoldo,

Como fazer etnografias corporais? Se o pesquisador não estiver bem familiarizado com a estrutura e função de determinados movimentos fica muito difícil identificar e descrever unidades corpográficas. Para um cardiologista não será fácil analisar corpografias ortopédicas. Trazendo esta situação para à Educação Física, um pesquisador que tenha sido atleta ou técnico de um determinado esporte terá mais condições para investigar nesse campo específico. O problema é que as pesquisas e os pesquisadores têm se afastado do eixo corporal. Teorizações sem vivência não fazem muito sentido. Daí a necessidade de estarmos no campo fenomenológico de observação convivendo com a sabedoria dos mestres da vida...

Por Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 23 de Dezembro de 2009 às 11:16.

Kátia,

tenho me dedicado à pesquisa histórica, desde que me integrei ao grupo de pesquisadores-associados do Atlas do Esporte no Brasil; estou trabalhando no Atlas do esporte no Maranhão. a Capoeira apareceu... e o que tenho feito é levantar a memória - proposta do Atlas - da educação física, dos esportes e do lazer... dentro dessa proposta, surgiu a de verificart o surgimento da Capoeira, através do estudo de icnografias, a partir de Rugendas... e sua correlação com outros movimentos e lúdica de outros povos, a partir das migrações forçadas - tráfico de escravos - que se deu ao longo da história das navegações e deescobrimentos - especialmente Portugal e Espanha... observa-se que desde 1400 se dá esse ’movimento’ em direção à Africa/america, contorno do Cabo das Tormentas/Boa esperança e a chegada à Malasia, India, China, Japão... e o seu retorno, com as migrações forçadas... temos uma movimentação de ’peças’ nos diversos territórios e a integração dessas populações... até o Brasil/Maranhão... quais são esses movimentos que aparecem dentre esses povos?  - etno diz respeito à?? e a grafia?

Pois é, pelo fato de não praticar o jogo/luta/arte, tenho dificuldades na identificação - nominação! - dos golpes, especuialnmente naquilo que me propus - dentro de uma linha de tempo, e a aceitação de nomes dados às coisas... esse é o meu campo... dai precisar recorrer à outra ponta, aos Mestres, na identificação de tal movimento com o seu nome e descrição.

Emblemática a apresenção da ’cocada’ por Mestre Diniz, como se fosse golpe novo - pelo menos Roberto diz que aprendeu golpe novo... mas que já é descrito e conhecid0o desde o inicio dos 1900 e ainda, aparece desde os 1700 em gravuras... esse o resgate do movimento - etnografia? não sei, será? não seria nome novo para uma prártica velha? afinal, já existe a icnografia... e trata,pelo que poude deprender, da mesma coisa que voce está propondo:

o processo de identificação, descrição, classificação e interpretação dos significados simbólicos dos fazeres, saberes e histórias de determinado grupo ou cultura e, ainda, as formas tangíveis desses significados – seus produtos, objetos, arquitetura e imagens – que também são camadas de cultura material.[1] 

Leopoldo

Por Katia Brandão Cavalcanti
em 23 de Dezembro de 2009 às 12:18.

Penso que uma etnofenomenologia seria bastante adequada para estudarmos essas vivências do ponto de vista da transdisciplinaridade. Conjugar diferentes abordagens de pesquisa não é uma coisa fácil, mas a nossa especificidade corporal não pode ser neglicenciada nessas pesquisas. Desde a minha formação em Educação Física na década de 70, sempre valorizei a análise de movimento para as abordagens criativas em Educação. É preciso conhecer muito profundamente essas trajetórias físicas, históricas, estéticas, autobiográficas, energéticas, entre outras... Há muito "faz de conta" na pesquisa em Educação e Educação Física. Temos que produzir conhecimento que contribuam para a resolução de problemas humanos importantes. Ainda acredito que seja possível...


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