Cevnautas da Dança, segue nota do Portal Todos pela Educação. Laercio

Ciranda de brincadeiras Por meio da dança criativa associada a objetos da natureza, professora de Educação Infantil ajuda as crianças a desenvolver a identidade e a autonomia

Pricilla Honorato

Doces reminiscências vêm à lembrança de quem adentra a Creche e Pré-Escola Central da Universidade de São Paulo (USP), campus Butantã. A constelação de desenhos, pinturas e artesanatos confeccionados em uma profusão de cores embaralham os sentidos dos adultos – mais ainda daqueles cuja imaginação enferrujou há muito – e alertam que ali é, definitivamente, um território infantil. Nesse ambiente lúdico, a professora Cristina Mara da Silva Corrêa, ou Cris Mara, leciona há 28 anos, ensinando gerações de crianças a descobrir os movimentos do corpo durante aulas semanais da chamada dança criativa – atividade em plena sintonia com o eixo identidade e autonomia, previsto no Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil.

Considerando a naturalidade com que os pequenos se divertem, Cris Mara deu asas à própria imaginação e trabalhou em 2011 com atividades cujos temas fossem os elementos da natureza – especialmente as pedras. Foi uma longa jornada de brincadeiras, descobertas, arte, diversão, dança e aprendizado traduzidos no projeto Da Solidez à Fluidez, um dos dez ganhadores do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10, de 2012, homenagem concedida anualmente pela Fundação Victor Civita (leia mais aqui).

Cris Mara, dona de uma trajetória acadêmica sempre envolvida com a dança, acredita que não é necessário ater-se aos passos bem demarcados para dançar, mas conhecer a si mesmo e explorar os próprios movimentos. Ela ressalta que a dança é um momento de liberdade – seja para as crianças, seja para os adultos. “Um sujeito que sempre andou calçado precisa botar o pé no chão, espalhar esse pé, sentir o peso contra a terra... o resto vai surgindo. Você brinca em roda, brinca em fila e vai pensando em explorar espaços”, sintetiza.

Fluido como a dança
A creche da USP trabalha anualmente com um tema integrador e um projeto de despedida. O primeiro faz o elo entre todos os funcionários e crianças da instituição, enquanto o segundo é desenvolvido com as turmas do último ano, que partirão para uma nova etapa escolar, o Ensino Fundamental. Em seu projeto, Cris Mara procurou um diálogo entre as brincadeiras com pedras e o tema gerador daquele ano, a água.

As primeiras brincadeiras do projeto surgiram no espaço de recreação ao ar livre da creche – o quintal. Enquanto brincavam espontaneamente pelo chão de terra, entre árvores, arbustos e brinquedos de madeira, as crianças se encantavam com pequenos achados como gravetos, pauzinhos e pedrinhas e com eles inventavam diversas brincadeiras. Como a imaginação das crianças não tem limites, rapidamente as pedras iam se transformando em tesouros, galhos em bonecos e gravetos em espadas: nada era inútil nas mãos da meninada.

Assim como a dança, fluida na essência, o projeto adquiriu formato por meio dos encontros com as crianças. Cris Mara foi costurando as atividades umas às outras de acordo com a percepção do perfil da turma. “Nós, professores, sabemos qual conteúdo é adequado a cada faixa etária, inclusive na dança, mas o modo como vou desenvolvê-lo tem que ter a ver com a cara do grupo, com aquilo que nas crianças eu enxergo”, declara.

Conheça seu corpo, conheça outros mundos
Não demorou muito para que o grupo de alunos de 6 anos, autointitulado “Caranguejos”, estivesse completamente envolvido em uma empolgante mistura de atividades artísticas e recreativas.

Depois de estimuladas com algumas conversas sobre brincadeiras com pedras, as crianças mergulharam em uma sequência de aventuras que incluíram exploração do corpo com pedrinhas e as consagradas brincadeiras que permearam a infância de muitas gerações, como “escravos de Jó” e “amarelinha”.

A professora incrementou os encontros semanais com outras atividades. Não poderia ter dado mais certo – afinal, por que ser só brincante quando se pode ser pesquisador, repórter e artista? Envolvendo os funcionários da creche, Cris Mara conseguiu diversificar o trabalho das crianças, enquanto os servidores relembravam a infância durante deliciosas conversas sobre brincadeiras infantis que envolviam pedrinhas. O resultado foi o aumento do repertório e a integração entre diferentes gerações.

As rodas de conversa foram gravadas e depois o grupo analisou o próprio desempenho e as informações coletadas no vídeo. “Com a câmera na mão eles se sentiram muito importantes. Sentiram-se repórteres”, conta a educadora.

Entre as “novas” brincadeiras com pedras, apuradas no bate-papo com os mais velhos, estavam as “cinco Marias” e o lançamento de pedrinhas no rio. Que movimentos estavam envolvidos nessas atividades, provocou Cris Mara. Seria possível reproduzi-los com outras partes do corpo? Dentro de pouco tempo, as crianças estavam saltando, pulando, rolando, imitando os coleguinhas e criando sequências de movimentos e de massagens com pedras.

Em uma visita programada ao Paço das Artes da USP, as crianças acrescentaram ao aprendizado as impressões sobre a exposição "Assim é, se lhe parece". E continuaram a explorar o tema em outras fontes, como o livro “Abrindo caminhos”, de Ana Maria Machado.
Inspirados nas trajetórias dos personagens Chris (Cristóvão Colombo), Carlos (Carlos Drummond) e Tom (Tom Jobim), a sala da turma transformou-se em florestas, rios e montanhas, um novo mundo cheio de aventuras e obstáculos, que as crianças deveriam atravessar enquanto se divertiam.

“Dançar é exposição do corpo”
Nas etapas finais, todas as experimentações deram corpo à coreografia da “Solidez à Fluidez”. Com base no ditado popular “Água mole em pedra dura. Tanto bate até que fura”, a turma brincou com imagens do horizonte marinho e dançaram tentando reproduzir as águas em seus momentos. Já a canção “Pedrinha Miudinha” embalou brincadeiras de roda. E o gelo levou todos a brincar sobre o fluir do movimento no espaço – derreter e desmoronar, rolar como uma pedra de gelo ou fluir como a água.

Espetáculo
Dançar é compartilhar e não haveria outro modo de demonstrar toda jornada até ali traçada, senão por meio de uma apresentação. Após uma coleção de experiências, diversas sensações sobre seus corpos e muita diversão, as crianças estavam prontas para compor sua própria coreografia e dividi-la com os pais, o que ocorreu em um evento realizado no final do ano passado. “Em uma atividade de dança você tem o momento de criação, de experimentação e tem o momento em que você compartilha isso. Porque dançar é exposição do corpo”, define Cris Mara.

Segundo a professora, as crianças escolheram em conjunto os momentos da aprendizagem de que mais gostaram para criar o espetáculo. Ela acrescenta que ninguém sentiu vergonha. “Toda criança brinca de roda, de pega-pega. É preciso extrair daí os movimentos de dança. Você tem que dizer que ela vai fazer do jeito dela, que vai criar sua própria dança. Não há motivos para timidez.”

Olhando retrospectivamente, para Cris Mara, o mais fascinante foi a transformação de linguagens. “Esse é o desafio. Como eu transformo um jogo de pedrinhas em um movimento de dança? Algo sólido, como as pedras, em algo fluído? Como traduzir isso para a linguagem do corpo?”, reflete a professora.

Para as crianças, o projeto foi uma eterna brincadeira. Eles foram autores de todo processo desde a pesquisa até a ampliação dos gestos. Os elementos da dança popular brasileira foram mesclados aos de dança contemporânea, mas sem preocupação com a teoria.

“O brincante deve entender o conceito da dança. Onde é que se dança? De onde ela veio? Qual a história dela? Quem são os brincantes? A técnica é pequena, ela vem naturalmente quando eu entendo esse conceito maior”, explica Cris Mara.

Nasce a dançarina
Criada no interior de São Paulo, em Fernandópolis, a relação com a arte deu-se ainda na infância de Cris Mara. Eram outros tempos. Nada de brincadeiras em quadras de condomínios ou tempo preenchido com atividades programadas como inglês, balé e judô. O espaço eram as ruas, as árvores, o quintal de chão de terra batida, o muro do vizinho, o riacho e qualquer lugar aonde a imaginação e seus pés a conduzissem. O tempo não era um algoz, ele parecia infinito. “Lava as mãos e vem comer!” era o sinal de que a brincadeira havia de ser interrompida, mas só naquele dia.

“Contei muita história em cima de pé de manga”, relembra a professora. Mas é ao falar do circo que os olhos de Cris Mara brilham e que, entre devaneios, a criança de outrora espia o mundo. “O que eu tinha de arte na minha vida? O circo. Aquele cirquinho de interior. Eu assistia a todos os espetáculos – aos mesmos espetáculos várias vezes. Um circo que tinha teatro, dança, tinha a coisa da poesia muito presente. O trapezista, as dançarinas... era esse o meu universo e eu sonhava em um dia ser artista de circo”.

Foi durante as apresentações naquele pequeno picadeiro que Cris Mara sentiu o coração bater forte pela dança. A jovem Cris Mara fez o curso de magistério e formou-se professora, mas a paixão pela dança nunca foi esquecida. Após alguns anos trabalhando como educadora, já na capital paulista, decidiu unir as duas atividades que amava e embarcou na graduação em dança, tornando-se uma professora especializada em Arte e Educação.

Cris Mara não se tornou artista de circo, mas uma artista capaz da mais fina alquimia educativa: transformar brincadeira em dança e dança em brincadeira, onde cabem todos. “Todo mundo é capaz de dançar, o adulto ou a criança. Ninguém tem que fazer o mesmo movimento, cada um tem que fazer o seu movimento.”

Veja um vídeo sobre o projeto de Cris Mara clicando aqui.

FONTE: http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/noticias/25116/ciranda-de-brincadeiras/

Comentários

Por Sandra Aparecida Zotovici
em 9 de Janeiro de 2013 às 15:18.

Pessoal,

Esse trabalho é maravilhoso, pois envolve o lúdico, o movimento, a sociabilização, o resgate cultural e cotidiano por meio da dança. Precisamos de educadores que tenham essa capacidade de transformar, criar e inovar as aulas de dança.


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