"Prevenir" é sinônimo de "dispor com antecedência; preparar.chegar antes de; antecipar-se, dizer ou fazer antecipadamente ou antes que outro diga ou faça, avisar antecipadamente, impedir que se execute ou que aconteça; evitar. acautelar-se contra, dispor-se, precaver- se, preparar-se" [dicionario].
Com efeito, nós conhecemos muitas das causas ou motivos que levam esportistas a utilizar substâncias proibídas, muitas vezes de alto potencial ofensivo, em detrimento de sua saúde e, eventualmente, de questões de ordem ética. Logo, podemos nos antecipar e chegar antes que estas causas ou motivos se instalem e comecem a produzir conseqüências, efeitos indesejáveis.
Relata-se, a título de exemplo, que o doping - que acarreta problemas de saúde dos atletas, de desigualdade de oportunidades e de multiplos reflexos no plano social (o fenômeno da ’adição’ - condutas aditivas) - pode ter como causa/motivo a exigência da auto-superação, a subordinação da própria existência do esportista à hiper-valorização coletiva da "vitória", a compreensão deformada de valores esportivos atualmente em vigor, o dinheiro, a fama, a adicçao e outros distúrbios/disfunções bio-fisio-médico-psiquicos.
No momento em que uma destas causas/motivos se manifesta, o esportista corre um sério risco de tornar-se refém/prisioneiro livre de um sistema que ele crê, muitas vezes com razão, ser excluído quem não vence. Patrick Laure, psicólogo do esporte, chega mesmo a dizer que o fracasso do atleta confrontado a seus limites, à impossibilidade de atingir o topo enquanto outros chegam lá, é raramente levado em conta e não é objeto de um acompanhamento psicológico particular.
O término da carreira esportiva é vivido por certos atletas como uma espécie de morte. O exemplo mais recente é da tenista Justine Hénin que em entrevista ontem disse, emocionada e com alivio, que nestes ultimos 16 meses de “aposentadoria” se deu finalmente conta que nao sabia existir “fora” do esporte. Dá para se ter uma boa noção, então, daquilo que podemos fazer para a "prevenção" ao doping.
A maioria dos estudiosos parece concordar que não conseguiremos levar a incidência de casos de "doping" a 0%. Mas podemos chegar muito próximos disto, sem os efeitos negativos que pessoas que já vivenciaram o problema conhecem como poucos como este fato cai como uma verdadeira bomba de múltiplos reflexos negativos (que muito frequentemente não ficam adstritos ao mundo esportivo). Outros também conhecem esta bomba de efeito moral porque já vivenciaram problemas criados por especulações maldosas ou ignorantes.
Quase tudo isto, poderia ser evitado, penso, através de políticas públicas de enfoque preventivo (no sentido mais amplo que a palavra possa ter). Inclusive a utilização de substâncias e métodos atualmente em uso fora-de-competição e que visem à aumento do desempenho esportivo, diminuição da sensação de fatiga e dor e, por consequente, de incremento da carga de treinamento, entre outros.
Primeiramente, é fundamental ter em mente o recente estudo da Leeds Metropolitan University. Em seguida, enfrentar o problema (os sociologos da linha construtivistas dirao que a observaçao do fenomeno preexiste e condiciona a noçao de “problema do doping”), ponto a ponto, mais ou menos assim :
1) Diminuir sensivelmente a diferença de premiaçao entre participantes
2) Implantar acompanhamento médico, psicologico e sociologico longitudinal enquanto durar e apos a carreira esportiva do atleta.
3) Subvencionar formaçoes profissionalisantes com vistas à continuidade da carreira esportiva do atleta quando por qualquer razao decide interromper a participaçao nas competicoes.
4) Realizar estudo epidemiologico amplo relacionado à utilizaçao de substâncias e metodos de potencial aumento do desempenho esportivo.
5) Incentivar o intercâmbio dos profissionais das Ciências do Esporte (sao quase vinte areas do conhecimento aplicadas às atividades fisicas e esportes, segundo o ICSSPE) em prol da melhora do desempenho.
6) Submeter o trafico e o porte injustificado de substancias e metodos a um enquadramento legal sério, justo (da pano pra manga a ideia de justica) e inflexivel.
7) Estabelecer politica publica DE ESTADO com enfase na prevençao através da sensibilizaçao de novas geraçoes, etc etc etc etc
Nao sou ingenuo a ponto de pensar que essas propostas sao definitivas, a perspectiva aqui é de reduçao de riscos.
Comentários
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Sabino Vieira Loguercio
em 23 de Setembro de 2009 às 21:38.
Concordo em grande parte com o texto e com as sugestões, mas penso que o mais importante é tirar o caráter punitivo do controle antidoping para evitar o verdadeiro genocídio moral, que não se apoia em nenhuma prova definida ou terminativa e sim em métodos bioquímicos que apenas representam indícios da utilização desta ou daquela substância. O organismo do ser humano é um labirinto que ainda está muito longe de ser conhecido pelos que se dedicam a estudá-lo, quanto mais pelos que pensam já o terem delineado devidamente.
Sabino
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Alvaro Ribeiro
em 24 de Setembro de 2009 às 01:22.
E na pratica, Dr Sabino; isso se traduziria a seu ver em quais açoes ? Abs,
Por
Sabino Vieira Loguercio
em 24 de Setembro de 2009 às 22:33.
Na prática, será preciso que os controladores deixem de lado a ideia de que o ser humano é um tubo. Como não é possível comprovar o doping - por todas as razões biológicas que não podem ser analisadas em sua abrangência nem mesmo num livro de três mil páginas - a solução é olhar o atleta como ele é, ou seja, como gente. E submetê-lo à permanente vigilância de uma ficha clínica, delineada por especialistas em áreas vitais. Se o que importa, alegadamente, é a saúde dos atletas, o primeiro passo é mudar a forma como foi concebido o controle antidoping, segundo o qual o atleta é, em princípio, um fora da lei e não uma pessoa com características próprias, que vão desde a genética até os hábitos alimentares ou peculiaridades étnicas, que fazem, por exemplo, com que os orientais não eliminem os esteroides anabólicos pela urina.
Vamos tomar, como exemplo de barbárie conceitual, o caso dessa atleta que foi punida pelo uso de isometepteno. Todos sabem que essa droga é usada por uma multidão de pessoas que sofrem de enxaqueca. Portanto, se alguém está fora de ação pelo acometimento desse distúrbio - que é absolutamente incapacitante para qualquer atividade - e buscar auxílio no isometepteno, estará tentando chegar às suas condições normais para o funcionamento de seu organismo e não o contrário.
A limpeza de conceitos deve atentar para a absoluta falta de critério que salta aos olhos nas listas elaboradas pelas entidades esportivas, a começar pela mais inquisidora: a WADA.
Neste ponto, meu caro Álvaro, para realizarmos uma avaliação percuciente, precisaríamos de um espaço bem maior e este você sabe onde encontrar.
Sabino
Por
Alvaro Ribeiro
em 25 de Setembro de 2009 às 00:42.
No caso da enxaqueca, ou de qualquer outra patologia, é preciso que fique claro que o atleta nao é proibido de utilizar nenhuma substância. A unica condiçao que se impoe é que se valha de uma TUE (Autorizaçao para Uso Terapêutico), ainda que a posteriori.
E’ importante reter neste ponto que mesmo que nao possuindo a AUT, o atleta pode e deve durante o procedimento disciplinar apresentar justificativas medicas relativas a seu estado de saude, em conformidade com principios gerais de garantia do direito à defesa. A vantagem da AUT, que custa dinheiro e envolve uma serie de acoes a priori por parte do atleta, é evitar a abertura do procedimento disciplinar. E’ muito Util para os profissionais do alto nivel, constituindo uma garantia essencial. PArameros biofisiologicos particulares ao atleta tambem podem ser comprovados durante o procedimento disciplinar.
O fato é que ha atletas, que sao muito mal assessorados, aconselhados etc. Ha tambem os que seriam capazes de tomar qualquer quantidade de analgesico sem fins terapeuticos, para suportar um carga de treinamento mais importante. Mas sao creio, minoria.
Ninguem obriga um ser humano a se tornar atleta, muito menos de alto nivel. Mas quando isto acontece é normal que ele tenha que se submeter a uma serie de exigencias da Federacao a que esta filiado, COI CIP etc. (vale um outro debate este tema).
Concordo, entao que o ponto em questao aqui é o aperfeicoamento da gestao dos resultados aparentemente "positivos".
Por
Sabino Vieira Loguercio
em 25 de Setembro de 2009 às 12:06.
1.º - Justificativas podem ser forjadas, o que não aconteceria se houvesse uma ficha clínica permanente.
2.º - Já houve casos em que a justificativa não teve nenhum valor. Um jogador gaúcho, tempos atrás, sofria de disritmia cerebral e tomava barbitúrico. Isso constava na ficha dele e todos conheciam sua "situação clínica". Mesmo assim, ao ser encontrada a substância na urina, ele foi punido sem perdão (se bem me lembro, na ápoca, a punição era a perda de pontos para os clubes). No conhecido caso da Maurren Maggi, o depoimento de sua médica dermatologista de que, após uma depilação, receitara o Novaderm (um creme dermatológico de uso comum) não teve nenhum valor, pois a atleta levou dois anos de suspensão. Alegar que isso devia ter sido comunicado antes não pode ser uma justificativa de punição, pois nem ela nem a médica poderiam supor que o Clostebol seria detectado no exame toxicológico antidoping, ainda mais que essa substância não existia no Brasil em sua forma injetável. Mais grave ainda foi que, embora absolvida no Brasil, os órgãos internacionais puniram-na sem contemplação, de modo infame e inquisitorial.
3.º - O assessoramento aos profissionais deve ser providenciado pelas próprias entidades promotoras e controladoras de eventos esportivos e o custo não pode ficar por conta dos atletas e sim a cargo dos patrocinadores ou do poder público de seu país. Se essa responsabilidade ficar com o atleta, ele corre o risco de ser, aí sim, mal assessorado.
4.º - Os pontos mais importantes são a falta absoluta de critério na elaboração da lista de substâncias e a ânsia punitiva que toma por referência os exames toxicológicos, os quais, obviamente, jamais constituirão prova cabal do delito, a não ser por decreto, exatamente como é feito, há quarenta anos, através dos métodos arbitrários de controle, destituídos de qualquer valor científico e ético.
5.º - Se alguém fica proibido de tomar analgésico porque está com dor ou de ingerir algum outro medicamento para se recuperar da estafa, voltamos àquele ponto em que a pessoa passa a ser objeto e fica privada de todas as prerrogativas que sua condição humana lhe confere.
Sabino
Por
Alvaro Ribeiro
em 30 de Setembro de 2009 às 14:03.
Sabino, colegas
os pontos de vista que temos em comum sobre a prevençao sao, penso, mais importantes que eventuais divergencias.
Convém, entretanto ter em mente que a natureza do doping mudou. Hoje, o ato de se dopar nao é mais, salvo raras exceçoes, um ato isolado do atleta praticado no dia da competicao. Tratam-se de praticas / métodos sistematicos, organizados no seio das equipes que utilizam os avanços da medicina e da farmacologia com objetivos bem claros e precisos. Por exemplo, os diureticos, corrija-me se estiver errado, que nada tem de potencial melhora do desempenho, estao sendo cada vez mais utilizados como disfarce.
A crescente comercializacao do esporte tem feito com que vultosas somas sejam aportadas a titulo de patrocinio, engendrando pressao suplementar por resultados, multiplicacao de competicoes e, consequentemente, diminuicao do tempo de recuperacao e da duraçao da carreira dos atletas. Ha inumeras outras causas mas este debate aqui nao comportaria de modo proficuo um sujeito tao vasto. Questao de metodo. Assim, eu nao devo fechar os olhos para essa realidade. Devo analisar o esporte atual como ele se apresenta, nao como eu gostaria que ele fosse.
Claro, todo organismo reage de modo unico a ingestao de drogas, quaisquer que sejam. Igualmente, a administraçao de resultados positivos tal como se apresenta hoje precisa ser aperfeiçoada. Chega de escandalos. Da mesma maneira, os criterios de inclusao de substancias e metodos na "Lista Proibida" deve ser repensado; O sistema antidoping atual nao é bom pra ninguem. Mas é melhor que nada. Alias, costumava dizer que o esporte tal como eu gostaria que ele fosse tornaria inutil a existencia deste comunidade e de sua predecessora, a lista. Mas nao é o caso.
Devemos ter sempre em mente algumas premissas da participacao de atletas em competicoes. Sao regras que a menos que sejam modificadas devem ser cumpridas. Seria a alternativa neste momento modifica’-las ? E’ possivel :
1) Atletas consentem informadamente - aqui tambem corrijam-me se estiver errado - em se submeter às condiçoes de admissao da Federaçao Internacional relacionada ao seu esporte. Alias, para participar dos JO, os atletas devem assinar uma declaraçao [1].
2) As F.I. por sua vez, estabelecem condiçoes de admissao em conformidade com a Carta Olimpica.
3) A Carta Olimpica estabelece que o Codigo Mundial Antidoping é obrigatorio para o conjunto do Movimento Olimpico.
4) ver Codigo Mundial Antidoping (cf infra)
5) Atletas PODEM UTILIZAR substancias / metodos que constam na Lista de Proibiçoes, INCLUSIVE ANALGESICOS. Mas deve faze_lo atraves de uma Autorizaçao de Uso para fins Terapeuticos AUT/TUE, mesmo "a posteriori". Os casos relatados, quero crer, tratam-se de exceçoes.
6) No recebimento da "denuncia" deve prevalecer o principio "In Dubio pro societate", como no Direito Penal.
7) No julgamento DEVE prevalecer o principio "In Dubio pro reu".
8) O conflito entre o principio da Presunçao de Inocencia e o adagio "In dubio pro societate (esportiva)" (na duvida, em favor da sociedade) é, logo, apenas aparente.
Para finalizar, três perguntas para os proximos debates :
A) O que fazer por exemplo com atleta do tiro com arco que, sem prescriçao medica, consciente e comprovadamente ingere um Beta bloqueador ?
B) Como explicar e prevenir o caso de um atleta que apos 21 dias de continuo esforço chega ao final da competicao com o mesmo hematocrito, sabendo-se que ele nao apresenta nenhum quadro patologico que justifique o fato ?
C) Como prevenir no futuro casos recentes como o do atletismo brasileiro ?
Abs, Alvaro
[1] O teor da declaraçao é mais ou menos este :
Compreendendo que qualidade de participante dos JO eu participo de uma manifestaçao extraoridinaria revestida de importancia internacional e historica duravel e tendo em conta a admissao da minha participaçao, eu aceito ser filmado, especialmente pela televisao, fotografado, identificado ou registrado de qualquer outro modo durante os jogos nas condiçoes e para os fins autorizados atualmente ou no futuro pelo COI relacionados à promoçao dos JO e do Movimento Olimpico.
Eu aceito da mesma forma respeitar a Carta Olimpica atualmente em vigor, particularmente no que diz respeito às condiçoes de admissao, meios de informaçao e à identificaçao do fabricante de roupas e equipamentos esportivos utilizados durante os JO.
Eu aceito igualmente que todo diferendo resultante ou relacionado à minha participaçao nos JO seja submetido ao Tribunal Arbitral do Esporte, em conformidade com o Codigo Arbitral em materia de esporte.
Eu aceito também respeitar o Codigo Mundial Antidoping e o Codigo de Etica do COI.
Todas as regras e disposiçoes correspondentes e aplicaveis foram trazidas ao meu conhecimento pelo Comite Olimpico Nacional e/ou por minha Federaçao Nacional ou Interncional.
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Documentos de referencia :
Codigo Mundial Antidoping
http://www.wada-ama.org/rtecontent/document/code_v2009_Sp.pdf
Carta Olimpica
http://multimedia.olympic.org/pdf/fr_report_122.pdf
Codigo Arbitral do Esporte
http://www.tas-cas.org/arbitragereglement
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