psi - Laercio

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De: lino.castellani

   Pessoal
   O texto abaixo é longo, mas garanto que vale a pena deixar a elaboração de um artigo de lado por uns instantes para lê-lo.     Abraços
   Lino

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   5 de outubro 2009
   Ensino Superior
   Revista inglesa pergunta:  Os periódicos científicos ameaçam o avanço do conhecimento e a comunicação entre pesquisadores?
   Zoë Corbyn

   Esta reportagem foi publicada dia 13 de agosto de 2009 pela revista Times Higher Education e reproduzido graças à permissão dos editores.

   A repórter baseou seu texto em conversas que teve com um Prêmio Nobel   o biólogo John Sulston, com o editor-chefe da revista The Lancet   Richard Horton  , com a editora executiva da Nature   Maxine Clark  ; com editores de livros científicos, e com acadêmicos. O material compilado por ela inclui também, apresentada à parte, a palavra da Thomson Reuters, empresa de  inteligência de informação para negócios e profissionais , na autodefinição divulgada em seu site. A empresa detém, como parte de seu Instituto de Informação Científica, a Rede da Ciência   Web of Science  , que compila dados de 10 mil  periódicos de alto impacto  e permite o acesso a dados sobre citações de autores e artigos.

   Uma jovem cientista é ameaçada com uma ação por violar direitos autorais ao reproduzir em seu website um gráfico de uma revista científica. Enquanto isso, outro está amedrontado demais para divulgar no Twitter os resultados fascinantes de suas explorações na Antártica por medo de prejudicar suas chances de publicar na Nature.

   Em outro lugar, uma pesquisadora sabe que os resultados negativos de seu experimento são essencialmente inúteis -- quem os publicaria? E uma universidade, interessada em fortalecer sua reputação, decide quem vai selecionar com base nos periódicos em que os candidatos publicaram artigos.

   No mundo todo, da concessão de verbas à revisão por pares, publicação, reprodução e divulgação de resultados de pesquisa, a elite dos periódicos científicos exerce imensa influência e controle sobre praticamente todas as facetas da vida dos cientistas.

   "A hegemonia dos grandes periódicos tem enorme efeito sobre o tipo de ciência que as pessoas fazem, a forma com que elas a apresentam e sobre quem obtém financiamento", observa Peter Lawrence, pesquisador do Departamento de Zoologia da Universidade de Cambridge e cientista emérito do Laboratório de Biologia Molecular do Conselho de Pesquisa Médica [Medical Research Council, agência de financiamento à pesquisa britânica para a área médica. Nota da E.]

   "Todos são servos deles, e aqueles que não manipulam o sistema são os que sentem seu poder de maneira mais aguda."

   "O crédito acadêmico vem com a publicação em um punhado de periódicos realmente de prestígio que, com isso, exercem uma influência terrivelmente forte", nota Richard Smith, ex-editor do British Medical Journal, ex-presidente do BMJ Publishing Group, autor do livro The Trouble with Medical Journals [O Problema dos Periódicos Médicos], de 2006, e professor visitante da Faculdade de Medicina Warwick, da Universidade de Warwick.

   Esses guardiães do que é aceitável como ciência não se tornaram poderosos demais? O sistema de recompensas que se desenvolveu em torno deles é o melhor para a ciência -- e o que o futuro reserva?

   Desmontar o poder das revistas científicas, cujo faturamento global anual é de no mínimo US$ 5 bilhões [cerca de R$ 9 bilhões], é assunto complexo. Estima-se que existam 25 mil periódicos com revisão por pares, dos quais aproximadamente 15 mil abrangem as comunidades científica, técnica e médica.

   São esses -- sobretudo a elite dos títulos, entre eles Nature, Science, Cell e The Lancet -- que ocupam o centro do sistema de reconhecimento-e-recompensa para cientistas. Do progresso na carreira ao financiamento da pesquisa, a "riqueza" na academia é determinada pela produção de conhecimento científico registrado em revistas científicas com revisão por pares.

   O que importa é a extensão da produção, medida pelo número de trabalhos publicados, e seu impacto, medido pelo número de citações. Artigos em periódicos de primeira linha têm maiores chances de serem citados, de modo que a vida dos cientistas passa a se dirigir ao esforço de conseguir publicar nas grandes revistas, de maior fator de impacto e melhor desempenho em um complexo conjunto de estatísticas. O chamado Journal Impact Factor [Fator de Impacto de Periódicos] é calculado por meio do quociente entre o número de vezes em que os artigos de um periódico é citado em determinado ano e o número de itens considerados citáveis publicados pelo periódico nos dois anos anteriores. [Entre os "itens citáveis", a Thomson Reuters, editora que criou essa medida para avaliar suas próprias revistas científicas, inclui editoriais e cartas enviadas às publicações, não submetidos à revisão por pares. Nota da E.]

   Os cientistas têm como norma submeter o trabalho, primeiro, à apreciação do periódico de maior prestígio em que considerem existir a chance de aceitação, ainda que remota -- e ir descendo até ver o artigo selecionado. Os periódicos se tornam um meio para os fins acadêmicos.

   Jon Copley, professor de ecologia marinha na Escola de Ciência do Oceano e da Terra do National Oceanography Centre [Centro Nacional de Oceanografia], da Universidade de Southampton, é um cientista jovem e ambicioso sem ilusões sobre o que tem de fazer para chegar ao topo. "Publicar um ou dois trabalhos na Nature provavelmente faz uma carreira. Tem valor real... é assim que as pessoas se classificam", diz.

   Bibliometria e avaliação na Grã-Bretanha

   A pressão para publicar nos principais periódicos aumentou ainda mais com o recente anúncio do Higher Education Funding Council for England [Conselho de Financiamento da Educação Superior da Inglaterra, Hefce] de que dados de bibliometria -- número de citações de artigos, fator de impacto, etc. -- estarão disponíveis para uso dos comitês encarregados de avaliar a qualidade da produção acadêmica no âmbito do Research Excellence Framework [sistema de avaliação da qualidade da pesquisa no ensino superior da Grã-Bretanha introduzido em 2009. O governo britânico vem introduzindo avaliações de impacto para a pesquisa acadêmica, como Ensino Superior relatou em março de 2009. Nota da E.]. Enquanto os acadêmicos se empenharem em aumentar o número de suas citações, parece provável que o novo sistema servirá para intensificar a mentalidade de "publicar-ou-perecer".

   De certo ponto de vista, essa abordagem faz sentido -- e o Hefce é só o mais recente de uma longa lista de órgãos que definem carreiras e distribuem verbas a se basear na bibliometria. Os financiadores precisam de critérios para entregar recursos valiosos aos melhores; artigos que trazem avanços para o conhecimento têm maior probabilidade de serem citados pelos pesquisadores da área. Por que não tirar proveito da evidência proporcionada por essa métrica para ajudar a fazer um julgamento da qualidade mais objetivo e menos trabalhoso?

   No entanto, para alguns observadores isso é extremamente perturbador, e consolida um sistema de crédito distorcido, profundamente falho e que traz danos ao empreendimento científico.

   [A bibliometria] é o mal dos nossos tempos", diz Sir John Sulston, chairman do Instituto de Ciência, Ética e Inovação da Universidade de Manchester e ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 2002. Sulston também é membro de um comitê do Conselho Internacional de Ciência que preparou no ano passado uma declaração instando a uma ação coletiva para deter o uso acrítico dessas estatísticas.

   O cientista argumenta que o uso do número de citações é uma garantia frágil da superioridade de um artigo (a descoberta que valeu a ele o Nobel nunca foi publicada num periódico de primeira linha); ele acredita que o sistema pressiona os cientistas a agir de formas que afetam negativamente a produção científica -- por exemplo, sustentar que um trabalho é mais inovador do que realmente é; ou publicá-lo prematuramente; dividi-lo para publicar mais vezes; e, em situações extremas, até cometer fraude.

   O sistema também cria o que ele caracteriza como "um trabalho monótono e ineficaz" de reapresentações à lista de periódicos. O processo ocupa um número muito maior de pareceristas do que seria preciso, reduz o tempo disponível para pesquisa, coloca uma carga mais pesada na revisão por pares e atrasa a comunicação de resultados importantes.

   O triste fim da história, diz ele, é a longa lista de nomes que aparece hoje em dia nos artigos -- ainda que poucos dos colaboradores mencionados possam ter dado mais que uma contribuição marginal. Esse método proporciona citações para muita gente, mas serve pouco ao empreendimento científico.

   Não são apenas cientistas, mas também editores de periódicos, que veem a crescente dependência da bibliometria como algo extremamente danoso -- pois seus títulos sofrem pressão cada vez maior para publicar certos artigos.

   Richard Horton, editor de The Lancet, descreve o aumento da importância das citações e dos fatores de impacto como "causador de divergências" e diz ser "ultrajante" a contagem de citações aparecer no recente Research Excellence Framework.

   "Se eu pudesse me livraria do fator de impacto amanhã. Eu o detesto. Não o inventei e não o pedi. Ele distorce totalmente a tomada de decisão e é uma influência muito, muito má para a ciência", diz.

   Destacando que os artigos da Lancet mais citados são os que relatam ensaios clínicos randomizados, realizados em países ricos, ele imagina que se a revista publicasse mais artigos da África seu fator de impacto diminuiria.

   "O incentivo é para eu cortar completamente partes do mundo que enfrentam os maiores desafios de saúde ... as citações criam uma cultura racista na tomada de decisão das revistas científicas e incorporam um sistema que só trata de nós [do mundo desenvolvido]."

   Peter Lawrence escreveu muito, na Nature e em outros lugares, sobre o que ele chama de "desmedida" da ciência. Sua visão é que a dependência em relação à bibliometria prejudica a ciência e criou uma geração de cientistas obcecados com o número de seus artigos publicados.

   "Como ocorreu com o feminismo nos anos 1970, é a conscientização que precisa aumentar. Muita gente percebe que o sistema está todo errado, mas não consegue ver um jeito de sair dele", afirma.

   Ele argumenta que embora a bibliometria torne os periódicos muito poderosos, não se pode culpá-los pela situação.

   Ao invés disso, ele aponta para o sistema -- inclusive as empresas de informação científica que exploram o mercado da bibliometria e "os burocratas que financiam a pesquisa se você publicar um artigo, mas não financiam se não publicar". Acima de tudo, culpa os cientistas que têm sido cúmplices ao dar poder substancial aos periódicos.

   Graham Taylor, diretor de edições educativas, acadêmicas e profissionais da Publishers Association [Associação de Editores], concorda.

   "Usam-se carimbos para o reconhecimento de qualidade, mas quem faz isso é a própria comunidade científica, não os periódicos."

   Peter Murray-Rust, professor do Departamento de Química em Cambridge, faz campanha por acesso aberto a conteúdos e dados científicos. Aceita a bibliometria como parte da ciência moderna, mas argumenta que o verdadeiro problema é o fato de os periódicos científicos pertencerem a empresas privadas, interessadas no lucro e não no avanço do conhecimento científico.

   "A educação superior tem de assumir o controle da bibliometria cientifica se quiser controlar seu próprio destino ... deve determinar o que é importante e o que não é", diz.

   Horton está de acordo. Por que, ele pergunta, a Thomson Reuters -- que produz e tem a patente do Fator de Impacto de Periódicos -- deveria ter tamanha influência sobre como se gasta dinheiro público?

   "Basicamente, o que existe é um sistema pertencente ao setor privado que distorce profundamente a utilização de recursos públicos. Se é para existir uma medida de qualidade, que ela pertença ao setor público."

   Embora Horton não culpe as empresas privadas -- elas simplesmente identificaram uma oportunidade de negócio --, ele acredita que os editores deveriam "resistir ao impulso em direção a um sistema causador de divisões tão profundas .

   Infelizmente, dizem observadores, não há incentivo para que as pessoas dentro do sistema queiram mudá-lo. Os cientistas que aprenderam o "jogo complicado" de conseguir a publicação de seus trabalhos nos principais periódicos relutam em deixá-lo por medo de saírem perdendo, observa Smith.

   Da mesma forma, muitas sociedades científicas -- das quais seria de se esperar que se manifestassem sobre os problemas do sistema -- administram editoras científicas de grande faturamento; para elas, pressionar por melhorias seria ir contra seus interesses.

   Com isso, a bandeira das mudanças sobra para órgãos de financiamento como o Wellcome Trust e o National Institutes of Health, nos EUA.

   "Desapareceu a distinção entre uma sociedade científica e uma editora científica, e isso, para mim, é muito grave", afirma Murray-Rust. "Precisamos desesperadamente de sociedades científicas que sejam independentes."

   Não irrite o editor!

   Além da questão de como os periódicos conquistaram seu poder, está a questão do uso -- ou mau uso -- que fazem dele. Se a experiência de Lawrence for um exemplo, os cientistas não estão satisfeitos. Ele acusa os periódicos de elite de tratá-los como "suplicantes num tribunal medieval".

   "O que fazem os grandes periódicos? Rejeitam 90% dos artigos recebidos sem análise. Só isso já faz com que os autores se sintam um pouco como se estivessem em uma loteria ... eles frequentemente demoram muito para decidir; podem ser muito ríspidos conosco, fazendo com que nos sintamos como se não tivéssemos direitos ou não estivéssemos sendo tratados com o devido respeito", diz.

   O problema, explica ele, é a grande expectativa em relação à aceitação dos artigos. Ela faz com que os pesquisadores vivam com medo constante de "irritar o editor". As conferências científicas se tornam rituais elaborados para cortejá-los, pois os cientistas tentam demonstrar liderança sobre uma área cientifica para que seus artigos sejam apreciados quando forem enviados. "Todo o nosso destino está nas mãos da revista cientifica", afirma Lawrence.

   Membros da academia destacam outras preocupações em relação ao controle que os periódicos exercem. Murray-Rust coloca-os no banco dos réus pelas restrições que impõem aos direitos autorais -- descreve-os como um "grande obstáculo" para o progresso.

   Como exemplo, ele aponta o fato de que o uso de ferramentas tecnológicas para obtenção e tabulação automática de informações de periódicos online -- chamado data mining -- vem sendo "cada vez mais expressamente proibido" pela maioria das editoras com publicações por assinatura (embora a Nature tenha mudado recentemente sua política para permitir algo desse tipo de pesquisa).

   "Na verdade, você está impedido de usar técnicas modernas para aprimorar sua ciência ... isso nos fez retroceder dez anos no uso de informações científicas", diz Murray-Rust.

   As principais universidades, se trabalhassem juntas, poderiam forçar a reforma das leis de direitos autorais, acredita Murray-Rust, mas diante da falta de ação ele acha que uma resposta melhor seria um movimento de "desobediência civil em escala maciça".

   Ele imagina os cientistas concentrando-se em uma ou duas áreas, como medicina ou mudança climática, nas quais há fortes razões morais para que seja permitida a reprodução das informações científicas publicadas em periódicos -- e "postando tudo" em seus sites.

   "As editoras teriam muita dificuldade em achar quem as acompanhasse" nas queixas em relação a isso, acrescenta.

   A preocupação de Horton é a forma com que os periódicos controlam a mídia. Ele é altamente crítico em relação à prática das revistas científicas de apresentar a jornalistas artigos importantes de determinada edição antes da data de circulação, sob embargo -- quer dizer, com o compromisso de não divulgação imediata de seu conteúdo. Alardear ciência como um "grande acontecimento" distorce a real natureza dessa empreitada, que é o acúmulo gradual de conhecimento e compreensão, constata.

   Outra queixa de membros da academia: os periódicos estabeleceram os termos e as condições em que os cientistas podem discutir seus trabalhos entre si, com a imprensa e com o público -- antes de submetê-los a apreciação, depois que foram submetidos e após terem sido aceitos. Jon Copley compreende por que as publicações consideram esse controle adequado e é partidário dele, mas diz que há áreas cinzentas, como o uso do Twitter, por exemplo, que precisam ser clarificadas.

   Open Access

   De acordo com Smith, umas das consequências mais lamentáveis do poder dos periódicos de elite é que eles impedem o avanço em direção ao acesso aberto -- open access --, o modelo alternativo no qual a leitura dos artigos é aberta ao público e os custos de publicação e das críticas por pares (que são significativos, todas as partes concordam) são pagos por financiadores.

   Quase todos os periódicos de prestígio continuam a depender de assinaturas; portanto, pesquisas feitas com financiamento público ficam, para todos os efeitos, em lugar fechado, observa ele. Dado seu status elevado e o fato de que suas editoras estão se dando bem no sistema atual, há pouco estímulo para que seus proprietários proponham -- e o que dirá aceitem -- mudanças.

   Maxine Clarke, editora executiva da Nature, afirma que o acesso aberto não funcionaria para a revista, que, segundo ela, investe "muitos recursos" em seus processos.

   Smith e Horton questionam se os periódicos realmente acrescentam muito ao empreendimento científico, embora as editoras argumentem que o processo ordenado de autenticação, disseminação e arquivamento que eles proporcionam seja inestimável.

   "Os periódicos se tornaram parte de uma vasta indústria na qual não fica sempre claro com quê estamos retribuindo", diz Horton. "Qual é a qualidade da revisão por pares? Qual é a qualidade da edição? Qual a rapidez e com quanta eficácia eles fazem a ciência chegar ao domínio público? Temos de fazer algumas perguntas muito difíceis."

   Smith diz: "Os periódicos enriquecem às custas da ciência sem, em minha opinião, agregar muito valor." As editoras, afirma, ficam com os trabalhos dos cientistas, fazem com que outros cientistas os analisem gratuitamente, e a seguir vendem o produto de volta para as instituições dos cientistas por meio de assinaturas.

   Horton acredita que a verdadeira crise diante dos periódicos, sobretudo dos principais títulos da área de saúde, é a definição de seu "propósito". Enquanto os periódicos fundados há cerca de 300 anos tinham uma missão explícita, "usar o conhecimento para mudar a sociedade para melhor", os de hoje "perderam sua bússola moral", declara ele.

   "Temos um setor no qual a maioria dos periódicos existe para perpetuar um sistema de recompensas acadêmicas voltado para dentro, e não há nenhuma indicação clara de que isso tenha algo a ver com ciência."

   Ele argumenta que, se a situação perdurar, os periódicos vão "morrer -- merecidamente. Honestamente, se os periódicos forem isso -- uma linha de produção para a comunidade científica --, não serão mais necessários na era da internet, basta um grande banco de dados."

   Recomendações

   Então, quais são as recomendações de quem defende mudanças? Horton acredita que, para sobreviver, os periódicos precisam redescobrir seu propósito e sua ética originais. Ele argumenta que eles têm, sim, dois papéis importantes a desempenhar -- estabelecer uma forte agenda pública em relação ao que importa em ciência e comunicar de volta à comunidade científica as preocupações do público. "O desempenho deles em ambos os papéis, no momento, é muito ruim", afirma.

   Lawrence quer um ombudsman, para dar aos cientistas que se sentirem tratados injustamente nas mãos dos periódicos uma instância à qual possam recorrer. Além disso, recomenda à comunidade científica que assuma uma posição contrária à bibliometria e lute pela volta a decisões que valorizem os trabalhos por si, não pela revista em que foram publicados.

   "Nada substitui a leitura de artigos, e precisamos de ações coletivas de cientistas em favor da qualidade e não da quantidade", diz Sulston.

   Os cientistas devem usar a trilha que o acesso aberto vem lentamente abrindo para levar as coisas mais à frente, propõe Smith. Se os periódicos com acesso aberto caírem na armadilha da bibliometria, a resposta não será só optar pelo acesso aberto, mas, ao longo do processo, escolher uma abordagem menos direcionada pela importância percebida dos trabalhos, afirma.

   Smith é membro do conselho da Public Library of Science (PLoS), editora de periódicos com acesso aberto que publica a PLoS One -- periódico de acesso aberto e que segue uma filosofia de revisão mínima por pares.

   "Usamos a revisão por pares para dizer que as conclusões estão fundamentadas no método e nos dados, mas não perdemos muito tempo analisando se o artigo é original ou importante", explica. Esse modelo "começa a reinventar o sistema todo", argumenta.

   "A filosofia é ’vamos colocar isto e deixar o mundo decidir’ ... Desse jeito os periódicos têm muito menos poder nas mãos e a visão do mundo é menos distorcida."

   Outros enxergam uma nuvem mais ameaçadora no horizonte do setor de publicações científicas: uma revolução da internet na qual os cientistas se autopublicarão na rede.

   Um número pequeno mas crescente de cientistas está simplesmente ignorando os periódicos e colocando seus trabalhos em páginas da Web e blogs, onde não há limite de tamanho, onde dados brutos podem ser facilmente publicados e a revisão por pares pode ser feita por intermédio de discussões e comentários.

   Rejecta Mathematica é um novo periódico de acesso aberto que publica somente artigos de matemática rejeitados por periódicos com revisão por pares. Seus editores afirmam que artigos rejeitados anteriormente ainda podem ter valor.

   Michael Nielsen, médico, escritor e defensor de conteúdos gratuitos, articula a ameaça da Web num artigo intitulado "Is Scientific Publishing About To Be Disrupted?" [O Sistema de Publicação Científica Está Prestes a Ser Desmontado?], publicado em 2009 em seu site, www.michaelnielsen.org.

   Seu argumento é que a atividade de publicação científica está no início de uma grande perturbação. Assim como os jornais enfrentam o desafio dos bloggers, os periódicos também podem aguardar por turbulências consideráveis.

   "As editoras científicas deveriam estar aterrorizadas com o fato de que alguns dos melhores cientistas do mundo ... passam centenas de horas por ano criando conteúdo de pesquisa original para seus blogs, conteúdo que em muitos casos seria difícil ou impossível publicar num periódico convencional. O que vemos aqui é uma expansão espetacular do alcance do blog como meio. Comparados a isso, os periódicos estão paralisados."

   Para as editoras, no entanto, a noção de que os periódicos podem ser substituídos por bloggers é quase odiosa. Taylor está preocupado com a ausência da revisão por pares. "Blogs e wikis são uma espécie de nuvem de conhecimento, enquanto os periódicos são os tijolos no grande muro do conhecimento", afirma.

   Certamente ninguém faz apostas sobre o que o futuro reserva.

   Maxine Clarke não descarta a noção de que a rede vai levar ao colapso do sistema atual, embora não saiba precisar o que vai substituí-lo. Ela diz que só aposta na probabilidade de a Nature, que tem feito experiências na Web mais do que a maior parte dos periódicos de sua estatura, vir a fazer parte do que está à frente.

   Murray-Rust diz ser um fato "extraordinário" que os cientistas tenham inventado a rede mundial de computadores, e ela não ter transformado a ciência como aconteceu com as finanças, as viagens ou o comércio.

   "Sou radical. O sistema vai desabar, mas não sei exatamente como", diz. Mesmo assim, "umas poucas pessoas determinadas, na área certa e com ferramentas modernas, podem mudar inteiramente o modo como as coisas são feitas", conclui. (Tradução: Bias Arrudão)

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