Olá !!!
Peço licença para socializar aspectos que estamos desenvolvendo em nosso trabalho no Núcleo de Estudos e Formação de Professores em Educação para a Paz e Convivências (Nep) da Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR.
O Nep é um núcleo que estuda e tem ações am escolas da rede pública de Ponta Grossa, Paraná. Como fundamento de nosso trabalho está Paulo Freire, tanto em seu pensamento educacional como em sua história de vida. O pensamento freireano nos aponta para a importância da abertura ao novo, disponilidade à mudança e a história sempre aberta à possibilidade. De Freire também trazemos as idéias do Ser-mais e do inédito-viável.
Estas e outras questões nos remetem ao entendimento que é necessário explicitarmos e construírmos uma idéia mais consistente de Educação para a Paz, ou seja, um movimento pedagógico que seja estruturado á artir dos grandes movimentos de cultura de paz, mas com relfexão, adequação, cuidado e especialmente com objetivos que contribuam para pensar as questões das convivências e violências nas escolas.
Aqui já temos um primeiro ponto, quando falamos em Educação para a Paz, fazemos um olhar mais ampliado sobre convivências e não somente focado na violência. As questões de mediação de conflitos, prevenção das violências, resiliência, entre outros, passam a fazer parte dessa constituição.
O que tentamos e temos nos dedicado muito é em pensar junto ao movimento internacional que é conhecido como pesquisa pela paz (peace research) que procura fazer da Paz um elemento concreto no pensamento das pessoas e não como aquela idéia romântica voltada às pombas brancas e harmonia entre as pessoas (sem excluí-las tb).
Nosso endereço é: www.uepg.br/nep
Logo vou contando mais e buscando olhares e percepções coletivas.
Atenciosamente
Prof. Nei Alberto Salles Filho (Nep/Uepg)
Comentários
Por
Nei Alberto Salles Filho
em 23 de Dezembro de 2009 às 21:05.
MAIS REFLEXÕES QUE REALIZAMOS NO NEP/UEPG
No Núcleo de Estudos e Formação de Professores em Educação para a Paz e Convivência, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR (NEP/UEPG), optamos, pelo próprio caminho das discussões sobre diversidade, conflito, diálogo, relações humanas e transformação social, aprofundar na relação do pensamento freireano com a Educação para a Paz. Um primeiro aspecto dessa aproximação é pela própria história de teoria de Freire, que é apresentada por Ana Maria Freire, explicando como se essa origem:
Paulo escutou o povo. Paulo praticou a reflexão. Para compor sua teoria do conhecimento, Paulo partiu de suas próprias experiências, associou sua razão lúcida com suas qualidades pessoais que provocava sua inteligência, interpretou cuidadosamente o contexto histórico brasileiro, estudou exaustivamente obras de educadores e filósofos. Assim, dos velhos conhecimentos criou um novo revolucionário porque viveu com o povo. Sofreu com ele. Jamais partiu de idéias abstratas, tiradas do bolso do colete ou da gaveta da escrivaninha. Escutar o outro, escutar o povo não é só ouvir os sons emitidos. É ouvir a voz de dor e das necessidades, recolhê-la, entendê-la, comparti-la e devolvê-la, sistematizada pela reflexão rigorosa e dialeticamente comprometida, ao povo. É ouvir, sentir, sofrer junto, entender, pensar e apresentar soluções de superação. Nunca prescrições, receitas ou "pacotes" prontos. Em suma, foi da dialética escutar x refletir x engajar-se, ou em outras palavras, da prática-teoria-prática que Paulo criou sua teoria pedagógica-política (2001, p.147).
O aspecto inicial que destacamos e tomamos como exemplo em Freire é própria trajetória na construção do seu pensamento educacional. Assim, a construção adequada de uma Educação para a Paz, requer um processo de estudo rigoroso e ao mesmo tempo abertura para ouvir o mundo, a vida e a si mesmo. Por isso, o NEP/UEPG concentra o trabalho da Educação para a Paz na formação continuada de professores, onde as questões do cotidiano escolar estão sempre presentes de forma marcante, com toda intensidade da vida do professor. As violências e convivências cotidianas nos oferecem diretamente a ação do professor em relação aos procedimentos que adota. Essa ação, tratada no NEP/UEPG pela reflexão teórica e pela explicitação dos valores pessoais pensados à luz de práticas pedagógicas, fazem com que o professor retorne para sua ação e que efetive alternativas para convivências não-violentas, mais humanas e pacíficas. O pressuposto da dialogicidade é fundamental, assim como os argumentos presentes em Freire como a consciência do inacabamento e, com isso, a história aberta para construção.
Nessa aproximação encontramos aspectos muito especiais da história de Paulo Freire que reforçam nossa opção:
Não foi por acaso nem por motivos outros, que Paulo foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz, em 1993. Foi por esta sua postura de coerência impregnada de generosidade, mansidão e respeito diante das diferenças étnicas, religiosas, políticas; por sua tolerância autêntica diante das diversidades de posturas e leituras de mundos culturais dos homens e mulheres no mundo; por seu comportamento de cuidado ético com as vidas; por sua luta incessante pela Paz através da sua compreensão de educação para a autonomia e libertação (FREIRE, 2006, p.388).
Outra vez o pensamento freireano traz aspectos necessários entre utopia e possibilidades concretas, na medida em que coloca homens e mulheres como protagonistas na construção de suas próprias histórias. Isso nos faz acreditar que uma Cultura de Não-violência ou Cultura de Paz, e ainda, uma Educação para a Paz, sejam questões viáveis de construção, e não apenas discurso vazio, ou oportunista, ou da "moda". Outra contribuição nesse sentido é apresentada por Ana Maria Freire:
[...] para Paulo a Paz não é um dado dado, um fato intrinsecamente humano comum a todos os povos, de quaisquer culturas. Precisamos desde a mais tenra idade formar as crianças na "Cultura da Paz", que necessita desvelar e não esconder, com criticidade ética, as práticas sociais injustas, incentivando a colaboração, a tolerância com o diferente, o espírito de justiça e da solidariedade (2006, p.391).
Compartilhando da afirmação, apontamos para uma das principais questões da discussão pedagógica da paz, que é sua estreita relação com o olhar crítico e profundo do tema. A paz não é uma condição natural, assim como não é a violência, ambas são processuais e construídas. Sendo assim, parece aceitável que se explicite um corpo de conhecimento que pense a paz, na educação e na formação de professores, como um conjunto de saberes, práticas e experiências passíveis de reflexão, análise e sistematização. Ainda nesse caminho, Freire diz, ao receber o Prêmio UNESCO da Educação para a Paz, no ano de 1986:
De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi sobretudo que a Paz é fundamental, indispensável, mas que a Paz implica lutar por ela. A Paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A Paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a Paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças o torna opaco e tenda a miopizar as suas vítimas (apud FREIRE, 2006, p.388).
Esta afirmação de Paulo Freire serve como o principal traço definidor de um trabalho na área de Educação para a Paz, que não deve limitar-se a abordagens reducionistas de qualquer ordem, seja ao considerar discussão sobre valores como ingênuas ou, ao se normatizar excessivamente a discussão em temas fechados como olhar apenas estatisticamente sobre as drogas ou violência doméstica, sem considerar contextos de vida e educação. Insistimos que mesmo ao não tendo escritos específicos sobre a paz, Paulo Freire, através de seu pensamento pedagógico aponta para inúmeros e diferentes aspectos relacionados ao campo que se desenvolve em torno da Educação para a Paz.
Reafirmamos que muitos aspectos da subjetividade relacionados às convivências humanas que são evidenciados pelos programas de valores humanos em educação, por exemplo, podem ser entendidos como limitados, se observados isoladamente. Discussões sociológicas e filosóficas sobre violências e paz, podem contribuir com olhares sobre o mundo e a sociedade, mas podem ser limitadas se não fizerem parte dela a dimensão da afetividade e das motivações pessoais intrínsecas ao ser humano.
A paz em si, não é a grande transcendência do ser humano, mas sim, é o caminho para relações humanas mais reais e qualificadas, mais éticas, solidárias, questionadoras, críticas, criativas, amorosas, entre tantas possibilidades. Resumindo, o caminho na busca pela paz é que se constitui na transcendência. Uma Educação para a Paz, através da perspectiva dos conflitos mediados e nas convivências não-violentas é, em si mesmo, a grande mudança que se espera, para que junto dela os conteúdos das diferentes áreas do conhecimento possam ser aprendidos, entendidos e utilizados para a preservação da vida e para o desenvolvimento humano sustentável. Nas palavras de Ana Maria Freire:
A Paz é singular por natureza, atinge o mais autêntico e mais radical do ser humano, para concretizar o Ser-Mais, como queria Paulo, e por isso lutou toda a sua vida. A Paz nos faz rir e sentirmo-nos mais gente. A Paz vem embrenhada da capacidade de dar vivência à vida democrática, socialmente a ser vivida por todos e todas sob a égide da tolerância. A Paz tem como objetivo a existência plena dos seres em geral, e mais especialmente dos seres humanos, mesmo com seus sentimentos e ações contraditórias, nutridas em nós humanos, pelos nossos mais ancestrais traços de agressividade puramente animal. É branca como a tranqüilidade, é biófila. É a expressão maior da tolerância, da colaboração da cumplicidade entre os seres vivos, daqueles que querem viver melhor. (2006, p. 390)
As palavras de Ana Maria Freire, inspiradas no pensamento freireano, que provocam pensar a boniteza a inteireza do ser humano, com sua subjetividade e objetividade e também com suas contradições, aparecem redimensionadas nas reflexões sobre a Educação para a Paz. Ao falar sobre as necessidades e estratégias da abordagem da Cultura da Paz nas escolas, Milani ressalta que seriam fundamentais para escolas e educadores voltados à construção de realidades menos violentas:
[...] afeto, respeito e diálogo; um ensino que incorpore a dimensão dos valores éticos e humanos; processos decisórios democráticos, com a efetiva participação dos alunos e de seus pais nos destinos da comunidade escolar; implementação de programas de capacitação continuada de professores; aproveitamento das oportunidades educativas para o aprendizado do respeito às diferenças e a resolução pacífica de conflitos; abandono de modelo vigente de competição e individualismo por outro, fundamentado na cooperação e no trabalho conjunto etc. (2003, p.39).
Logo, processos de desenvolvimento da Educação para a Paz, provocam mudanças, onde se percebe o ser humano mais pleno se sentido, como sustenta sempre Freire, em uma historicidade que se constrói na própria história, uma curiosidade que pode ser epistemológica, o desenvolvimento que se faz nas diferenças. Além disso, Paulo Freire sempre destaca a importância de ler e pensar o mundo para poder também dizer o mundo, ou seja, capacidade de autonomia pela capacidade de autoria de sua própria vida. Também um ser amoroso, político e produtor de cultura, interferindo sempre criadoramente nas suas condições concretas, na possibilidade de sua qualificação ou nas transformações necessárias para uma vida e mundo melhores.
Por
Nei Alberto Salles Filho
em 26 de Dezembro de 2009 às 13:47.
Cultura da Paz e Educação para a Paz
Embora conceitualmente várias questões mereçam destaque, optamos pelo entendimento básico Cultura da Paz, segundo a UNESCO:
A cultura da paz se constitui dos valores, atitudes e comportamentos que refletem o respeito à vida, à pessoa humana e à sua dignidade, aos direitos humanos, entendidos em seu conjunto, interdependentes e indissociáveis. Viver em uma cultura de paz, significa repudiar todas as formas de violência, especialmente a cotidiana, e promover os princípios da liberdade, justiça, solidariedade e tolerância, bem como estimular e compreensão entre os povos e as pessoas (apud MILANI, 2003, p.36).
Ainda segundo Milani o conceito de Cultura da Paz ainda está em construção, carecendo de debate e discussão “que equilibre especificidade e abrangência, consistência e fluidez, bem como aplicabilidade aos inúmeros contextos e realidades.” (MILANI, 2003, p.37). Se o conceito de Cultura da Paz está em construção, podemos dizer que a EP, ao mesmo tempo em que ainda faz sua estruturação de conhecimento, já traz muita discussão educacional que lhe dá suporte. Isso fica evidenciado ao analisarmos o que nos diz Milani:
No que se refere à escola, a abordagem da Cultura da Paz ressalta diversas necessidades e estratégias: uma relação educador-educando fundamentada no afeto, respeito e diálogo; um ensino que incorpore a dimensão dos valores éticos e humanos; processos decisórios democráticos, com a efetiva participação dos alunos e de seus pais nos destinos da comunidade escolar; implementação de programas de capacitação continuada de professores; aproveitamento das oportunidades educativas para o aprendizado do respeito às diferenças e a resolução pacífica de conflitos; abandono de modelo vigente de competição e individualismo por outro, fundamentado na cooperação e no trabalho conjunto, etc. (2003, p.39)
Podemos observar que, o proposto acima está em sintonia com grande parte da discussão educacional brasileira dos últimos anos. Uma educação com perspectiva crítica, dotada de maior possibilidade de autonomia, participação e onde os professores tenham formação de qualidade voltada para o desenvolvimento dos alunos e da sociedade. Nesse sentido, reconhecidamente, a formação continuada de professores tem avançado em quantidade e qualidade. Porém, também é verdade esse avanço está voltado mais para a discussão teórica e metodológica das áreas de conhecimento já constituídas e, em menor escala, para as questões relacionadas à violência, paz e conflitos. Parte disso decorre porque existe a percepção que as áreas específicas podem incluir os temas da violência e paz junto aos conteúdos já constituídos historicamente. Por outro lado, ainda não fica claro para muitos professores porque e como fazer isso em seu trabalho. Essa discussão sobre o papel da EP é expressa por Rabanni:
Inspirados nos trabalhos dos movimentos pela paz e em função da experiência histórica de suas regiões, os educadores pela paz tem se inclinado mais por uma paz que por outra. Em países marcados pela guerra, é evidente que o objetivo primordial tenha sido evitar novas tragédias e matanças. Em países economicamente menos desenvolvidos, a preocupação principal tem sido com a violência estrutural e a EP tem sido relacionada com uma educação para o desenvolvimento, a justiça e a igualdade de oportunidades. (2003, p.77)
Podemos dizer que a EP, na formação de professores, na realidade brasileira, tem a função de discutir violências, paz e conflitos numa perspectiva crítica, criativa e relacionada com a estrutura das relações humanas na vida pessoal e em sociedade.1
Nesse raciocínio, na medida em que fica mais clara a perspectiva da EP para a educação brasileira, Rabbani complementa:
A questão é o que a educação pode fazer para promover esse tipo de paz como justiça e desenvolvimento? O nosso argumento, retomando o que já vinha sendo discutido pelos teóricos da EP, é que não é suficiente informar sobre as injustiças e desigualdades para se criar uma atitude necessária para superar as injustiças sociais. Mas importante que o quê ensinamos é como ensinamos. (2003, P.77)
É possível acrescentar mais uma palavra ao pensamento de Rabanni, que seria o “porquê” ensinamos as questões da paz e violências. Acreditamos que a falta de clareza do professores sobre a EP pode ser o maior obstáculo para sua efetivação na escola. Por isso, insistimos na reflexão sobre o tema na formação de professores.
Saberes para a formação de professores em EP
Ao discutir sobre a EP, Tuvilla Rayo afirma que ela pode ser estudada em cada um de seus elementos, cujos resultados permitem formular objetivos educativos e projetar formas de atuação didática sempre pensando numa educação participativa e dialógica, que supera a idéia de uma paz ideal. Para o autor, a EP tem seu caminho no entendimento dos conflitos, que sempre vão implicar em escolhas e “participação, a comunicação de experiências ou o simples comportar-se em grupo, que requer discordar daquelas decisões consideradas injustas.” (2002, p.102). Tuvilla Rayo afirma que:
A aprendizagem da paz implica efetivamente a aquisição de um certo número de conhecimentos, de atitudes e valores que favoreçam a apreciação e compreensão do outro (das diferentes culturas, comunidades e povos); que comprometem o conhecimento e o respeito dos direitos de cada um e dos deveres e responsabilidades que deles se derivam; que suscitam, em resumo, um compromisso moral e cívico para participar ao mesmo tempo na construção de um mundo mais justo e solidário, que leve em conta o direito das gerações futuras de beneficiar-se de um patrimônio natural e cultural de qualidade. (2002, p.106)
O binômio discurso/intervenção é muito importante na EP. Por isso ao pensar na formação do professores deve ser proporcionado o equilíbrio entre reflexões e vivências, uma vez que o aprender a conviver convivendo também relevante.
Para Fernandez (2005) a EP pode abordar temas diversos e importantes que lhe conferem uma dimensão transversal. Desde o tratamento de problemas intrapessoais diante de certas situações, até questões sociais que resultem em conflitos e injustiças. O autor argumenta que nos últimos anos, três áreas estão se estruturando em relação à EP e que, em nosso entendimento, servem para pensar a formação de professores: a primeira é a educação para o desenvolvimento sociopessoal, que observa as relações interpessoais dentro e fora da escola, além da análise de como os indivíduos se relacionam com instituições, estruturas e a sociedade; o segundo é a educação para a cidadania relacionada à participação ativa e o desenvolvimento da liderança, do autocontrole e responsabilidade pelos próprios atos, com a capacidade de analisar e criticar acontecimentos sociais; a terceira dimensão é a educação cultural, observada na tolerância, solidariedade, diversidade e pluralidade. (2005, p.99-101)
Em relação às características do professor para a EP, Fernández destaca: a escuta ativa que pressupõe compreensão e cuidado ao escutar o outro; empatia, saber colocar-se no lugar do outro; assertividade, expressando sentimentos com respeito; autocontrole e auto-reflexão, conhecimento de si; negociação, busca de acordos equilibrados e conflitos resolvidos produtivamente; mediação, com predisposição a tratar pedagogicamente os conflitos; solução de problemas, procurando a solução para evitar conflitos maiores e a violência. (2005, p.103-104)
Mesmo com possíveis habilidades do professor, voltamos a lembrar de três palavras às quais nos remetemos nesse texto e que merecem atenção nessa configuração: violências, paz e conflitos, pois, da discussão delas emerge o principal suporte conceitual para a EP.
Tratando resumidamente podemos dizer que a paz é o contrário de violência (JARES, 2002) e que “qualquer análise da paz deveria estar vinculada a uma análise da violência”. (GALTUNG, 1985 apud JARES, 2002, p.124). Sobre a violência vale destacar que ela se desdobra em diferentes tipos: violência coletiva, com membros de grupos; violência institucional ou estatal, legitimadas no poder; violência estrutural, expressa nas desigualdades; violência cultural, relacionada à etnias e questões ambientais e a violência individual, não organizada, pessoal e direta que ocorrem de forma interpessoal. (CIIIP, 2002 baseado em GALTUNG, 1995)
Na complementação da questão acima, Jares aponta algumas dimensões da paz que merecem registro: a paz afeta diretamente a vida do ser humano; a paz se caracteriza pela ausência de violências e pela presença da justiça e igualdade; a paz está nos níveis interpessoal, intergrupal, nacional e internacional; a paz é um processo dinâmico. Nesse caminho aponta para uma idéia chave quando diz que a “paz nega a violência, não os conflitos, que fazem parte da vida.” (JARES, 2002, p.132).
Ao falar de conflitos Jares (2002) aponta para a inevitabilidade destes na vida em sociedade. Para ele os conflitos são situações individuais e ou coletivas onde pessoas ou grupos afirmam valores ou interesses diferentes e divergentes. Ainda diz que os conflitos são importantes na dimensão dialógica da vida, na compreensão de pontos de vista, na afirmação de posicionamentos e no crescimento individual e coletivo. Por fim, comenta que o conflito é uma das características definidoras da escola, por toda a sua pluralidade e que, portanto, a grande chave está no exercício e na resolução não violenta dos conflitos. Logo a EP está nessa lógica do entendimento das violências, na busca da compreensão das mesmas, na clareza dos conflitos geradores e com o processo pedagógico de mediação destes, culminando com a não-violência ou dito de outra forma, a paz construída coletivamente.
p.s. as mensagens são pequenos fragmantos de textos que temos escrito no NEP.. estão disponíveis em www.uepg.br/nep no link artigos.
Abraços
Nei
Por
Nei Alberto Salles Filho
em 31 de Dezembro de 2009 às 16:28.
Possibilidades da Educação para a paz na formação de professores : duas experiências de 2006 à 2008.
Considerando as questões levantadas, argumentamos que os saberes necessários sobre a EP são de extrema relevância aos educadores das escolas brasileiras. Tratamos em particular da formação continuada pela necessidade do tema para os professores, que cotidianamente se deparam com situações de conflitos e violências sem saber como encaminhá-los e, muitas vezes inconscientemente, agindo de forma a agravá-los.
Para contribuir no contexto apresentado, descrevemos em linhas gerais, propostas de formação continuada de professores em EP desenvolvidas em dois espaços, com características locais particulares, mas com possibilidades comuns. Um deles é Núcleo de Estudos e Formação de Professores em Educação para a Paz e Convivência, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná1. O outro é o Observatório de Violências nas Escolas – Núcleo de Itararé, nas Faculdades Integradas de Itararé, São Paulo2.
Um aspecto considerado relevante nessa formação continuada é pensar a própria personalidade do indivíduo, seja na esfera da vida privada como na profissão docente. Trata-se de fazer com que o professor perceba que além de analisar e refletir sobre um conjunto de conhecimentos teóricos e práticos, é importante buscar novos olhares sobre si mesmo. Acreditamos que esse olhar sobre si é fundamental para desmistificar os próprios conceitos ou preconceitos sobre concepções pessoais e profissionais sobre violências, paz e conflitos.
Pensamos como Martins que “o temperamento não predetermina os indivíduos” (2007, p.97) significando que o fato da pessoa/professor ser mais “tranqüilo” ou “mais explosivo”, objetivamente não é determinante para o envolvimento com a EP. Martins afirma ainda que “traços de caráter condicionam-se pelas atitudes do indivíduo, mas essas atitudes são, por sua vez, condicionadas pelas relações sociais.” (p.97)
Se a formação continuada de professores em EP vai discutir sobre violências e conflitos, abordar relações humanas e discutir o papel social da educação, isso não pode estar desconectado da vida do professor como cidadão, pai, mãe, família, vizinho, amigo. Portanto trata-se de buscar o currículo oculto na formação do professor, que é sua própria vida e suas percepções sobre a paz. No limite podemos dizer que a percepção do professor sobre as violências e conflitos domésticos, sociais e relacionais é o aspecto basilar sobre sua forma de olhar as violências em sua prática docente. Nessa base é que se apóiam os conhecimentos teóricos e práticos da EP. Portanto, sem essa revisão sobre sua própria vida, (como exercício) podemos supor que toda a discussão posterior pode ser frágil ou “bancária”, como diria Paulo Freire.
Nesse sentido, três aspectos são relevantes na metodologia do curso. O primeiro é o caráter dialógico:
Esse é o método educacional que leva à conscientização sobre violência e ação para a paz, sem que os alunos e professores caiam na armadilha de reproduzir a violência estrutural. O diálogo educa sobre os problemas sociais a partir de distintas perspectivas. Integrando todas as reflexões, ele possibilita um conhecimento real sobre determinado problema e uma conseqüente ação efetiva para sua transformação. (RABBANI, 2003, p.75)
Como foi dito, não há outra forma de pensar a formação sem que questões subjetivas sejam colocadas em relação direta com a dimensão objetiva e construtiva sobre a educação e a EP, onde valores éticos e morais, pensamento social e percepções individuais são intimamente relacionados com teoria e práticas específicas na construção de outras formas de conhecimento e ação.
Também pelo caminho da subjetividade, o segundo aspecto na formação deve incorporar o trabalho vivencial de qualidade, ampliando a idéia de técnicas ou dinâmicas de grupo, para a noção de vivências, envolvendo práticas corporais, jogos cooperativos, música, danças circulares, entre outras. Segundo Hannas e Pereira, vivências “são atividades que permitem aos participantes envolver-se por inteiro, observar a própria reação, extrair insights para autoconhecimento, valores construtivos”. (2001, p.24) Por esse caminho, as autoras dizem que o propósito das vivências é facilitar a aprendizagem de valores, atitudes e comportamentos de maneira lúdica, mesclando elementos verbais e não-verbais. Estes dois elementos, a ludicidade e não-verbalização, figuram certamente como aspectos importantes agregados à discussão conceitual necessária e complexa sobre violências, paz e conflitos.
O terceiro aspecto observado para a formação de professores em EP é a necessidade da incorporação do conceito de resiliência. A necessidade desse conceito decorre da abertura e suporte às questões mais subjetivas também provocadas durante o processo. Ao provocarmos que os professores reconheçam o papel de sua vida pessoal no seu trabalho docente, também é necessário que haja um suporte para que haja o processamento de todo esse universo multidimensional que envolve, vida e trabalho. Por isso, apoiados em Tavares vemos que resiliência é:
[...] capacidade de responder de forma mais resistente aos desafios e dificuldades, de reagir com flexibilidade e capacidade de recuperação diante desses e situações desfavoráveis, tendo uma atitude otimista, positiva e perseverante e mantendo um equilíbrio dinâmico, durante a após os embates – uma característica de personalidade que, ativada e desenvolvida, possibilita o sujeito superar-se e às pressões de seu mundo, desenvolver um autoconceito realista , autoconfiança e um senso de autoproteção que não desconsidera a abertura ao novo, à mudança, ao outro e à realidade subjacente [...] (2000, p.29)
O conceito de resiliência tem grande importância no processo, na medida em que faz com que os professores percebam a necessidade de maior protagonismo nas ações pedagógicas, entendendo que não obstante às dificuldades nas questões relacionadas à violência e paz, existem conhecimentos e possibilidades reais de intervenção e transformação.
Considerando os possíveis pilares metodológicos, a estrutura do curso de formação continuada em EP, nos dois projetos citados, passam por 3:
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Olhares sobre a Educação contemporânea: diversidade e possibilidade, com aproximação de temas: complexidade, teoria crítica da educação, transversalidade, abordagem holística, educação integral, inteligências múltiplas, educação ambiental.
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História e desenvolvimento da EP, passando pelas contribuições de Montessori, Dewey, Freinet, Piaget (ente outros), os movimentos internacionais - ONU, UNESCO - e focando na discussão da Investigação para a paz.
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Conhecimento sobre a EP, assentada na idéia de paz como resolução não-violenta dos conflitos.
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Conhecimento sobre violências: dados, tipos e classificação.
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Conhecimento sobre conflito: tipos, causas e mediação de conflitos entre diversos atores da instituição educacional.
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Pedagogia dos valores humanos: analisando programa de Educação em Valores Humanos (Educare) e o programa Vivendo Valores em Educação – (Vive).
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Afetividade e relações interpessoais: discussão e vivência com dinâmicas de grupo e jogos cooperativos.
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Planejamento e pesquisa: organização da intervenção no cotidiano escolar com proposta de EP, buscando a sistematização dos dados observados e trabalhados.
Em relação ao projeto de intervenção, os professores têm autonomia para relacionar com propostas já em desenvolvimento nas escolas (como projetos de valores, meio ambiente, etc), sistematizando-as, ou ainda problematizar o cotidiano buscando temas geradores (investigação temática). No processo de sistematização das ações, a sugestão é discutir com os professores (durante a formação) sobre aspectos da pedagogia problematizadora freireana, que tem como ponto de partida a experiência concreta dos alunos, nesse caso em relação às questões de violências, paz e conflitos nas relações humanas e sociais. Nesse sentido existe uma aproximação – ainda em construção – com Investigação-Ação Educacional 4, que Angulo define:
Ao investigarem suas práticas, os professores podem explicar o que se encontra “escondido” – no que se refere ä ideologia, aos valores, às concepções de Educação, sociedade, ciência, desta forma podem, intencionalmente, por meio de mudanças nos currículos, modificar tais concepções e, por extensão, contribuir para transformar a sociedade. (apud GRABAUSKA, 2001, p.19)
A partir do estabelecimento dessa proposta, pretende-se oferecer aos professores um processo inicial de discussão e análise sobre temas fundamentais na construção do corpo de conhecimento relativo à EP. Nesse caso, além de percepção como profissional da educação também existe a intenção de uma auto-reflexão sobre sua própria vida, aos valores pessoais e suas concepções que inevitavelmente são o currículo oculto na significação de seu fazer como educador. Junto a isso, na intervenção com os alunos, no desenvolvimento da proposta, espera-se que a discussão, análise e vivências realizadas no curso, contribuam para ampliar os olhares para as temáticas e efetivamente concretizar as pequenas grandes mudanças no cotidiano escolar.
Retomando Paulo Freire, sabemos que ninguém educa e muito menos conscientiza ninguém, mas sim, fazemos isto juntos, mediados pelo mundo e pela vida. Nesse sentido, pensar na formação continuada de professores em EP é muito mais que pensar em fórmulas salvadoras para a paz universal ou nacional, mas sim um exercício constante de atenção, pensamento e modos de viver, na vida e na educação. Um compromisso de cidadania ativa!
1 O Núcleo é um desdobramento do Projeto de Pesquisa Configurando Elementos Teóricos e Práticos da Educação para a Paz (2004-2006) que mobilizou a produção de conhecimento na área e iniciou o processo de socialização deste através de palestras, seminários e do I Encontro Paranaense de Educação para a Paz, em julho de 2005. Hoje, o núcleo estrutura suas ações em: divulgação das informações sobre a EP, parceria com escolas e centros de educação infantil da rede municipal de ensino de Ponta Grossa, na formação continuada de professores.
2 O Observatório é uma parceria com a Universidade Católica de Brasília e faz parte da Rede de Observatório-Brasil, desde julho de 2006. Promove formação continuada de professores das redes municipal e estadual de Itararé e alguns municípios da micro-região. O Evento Prevenção de Violências na escolas: por uma cultura da paz em Itararé, realizado em novembro de 2007, apresentou propostas desenvolvidas pelos professores que participaram dos cursos de formação.
3 Os cursos têm entre 40 e 60 horas, com momentos teóricos e oficinas pedagógicas presenciais. Ao longo do processo é desenvolvido um projeto de intervenção na unidade escolar do professor. Lembramos que os temas propostos servem como parâmetros para reflexão dos professores sobre a EP em sua ação.
4 A investigação-ação, deriva da discussão e crítica em relação à pesquisa-ação, discutindo aspectos levantados por Thiollent. No Brasil, incorpora a discussão sobre problematização em Paulo Freire.
Por
Nei Alberto Salles Filho
em 11 de Janeiro de 2010 às 22:06.
Olá educadoras e educadores!
O ano de 2010 representa um momento fundamental para nosso trabalho com a EDUCAÇÃO PARA A PAZ.
Estamos no último ano da "Década Internacional pela Cultura de Paz e Não-violência para as Crianças do Mundo, 2001 – 2010" (ONU-UNESCO)
É hora de avaliar quanto as questões relativas à promoção da Cultura de Paz cresceram e tomaram corpo ao longo da década.
Especialmente, reconhecer que embora avançamos muito, ainda temos muitas coisas para sistematizar, organizar e trabalhar com muita disposição para a não-violência!!!
Como se diz por aí: ESTAMOS NA ÁREA!
E como disse Paulo Freire: "A Paz implica lutar por ela"
Visitem e conheçam a comunidade Educação para a Paz e entrem em nossa família!!!!
Abraço a tod@s!!!!
Nei
p.s visitem nosso trabalho em www.uepg.br/nep
Por
Adalberto Alves de Sousa
em 21 de Janeiro de 2010 às 22:35.
ADALBERTO ALVES DE SOUSA
adalbertosousa20082yahoo.com
caro professor nei eu sou aluno de garduação de pedagogia em brasilia já no 5º semestre,
gostei das suas colocações.
eu gostaria de orientações sobre ( trabalhos de conclusão de curso(tcc).
Por
Nei Alberto Salles Filho
em 22 de Janeiro de 2010 às 09:40.
Olá Adalberto e colegas
Em Brasília, vc pode encontrar o grupo da UCB (www.catedra.ucb.br) da Cátedra da Unesco para Infância e Juventude, que tem um ótimo trabalho nas questões de violências escolares. Temos contato com a Cátedra para algumas ações comuns.
A diferença do trabalho do NEP, visite a página www.uepg.br/nep é a discussão mais aprofundada sobre Educação para a Paz e Convivências, pois partimos da discussão mais preventiva, ou seja, como, á partido das práticas pedagógicas, podemos melhorar as convivências - através de diálogo, mediação de conflitos, pedagogia de valores - que permitam relações humanas mais saudáveis e horizontais. Temos o email do núcleo que é nep@uepg.br , mantenha contato.
Atenciosamente
Nei
Para comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.