JC e-mail 4110, de 05 de Outubro de 2010.
   
Chance de aprender, artigo de Alexandre Schneider e Fernando José de Almeida
    
"A reprovação anual pode expulsar do sistema de ensino milhares de crianças e jovens que terão nas ruas a sua nova escola"

Alexandre Schneider é secretário municipal de Educação de São Paulo; Fernando José de Almeida é diretor de Educação da TV Cultura, professor de pós-graduação em Educação e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo. Artigo publicado em "O Globo":

É uma covardia com a educação identificar a progressão continuada com aprovação automática.

Só o fazem aqueles que - com uma análise quase fascista das propostas inovadoras - colocam em vala comum os diferentes matizes dos graus e tempos da aprendizagem de grandes grupos sociais e de pessoas.

Aprovação automática não leva em conta nem o aluno, nem o trabalho do professor, nem o currículo da escola.

Ela supõe uma espécie de irresponsabilidade de todos os parceiros em algo que exige planejamento, avaliação, corresponsabilidades e prestação de contas públicas. Já a progressão continuada tem um princípio que é de realidade e de aprofundamento sobre o que seja o ato de aprender, de ensinar, de diagnosticar e de planejar as atividades escolares de conhecimento e de cidadania.

Crianças e jovens têm habilidades diferentes e ritmos diversos de aprendizagem.

Mas todos podem chegar lá. E chegam. Todos podem aprender, e aprendem. Às vezes, um semestre a mais ou um ano a mais é suficiente para se verificarem amplas mudanças. Seja no amadurecimento psicológico, seja para superar um problema familiar ou para adquirir segurança física; fatores que repercutem profundamente na eficácia da aprendizagem.

Reprovar - uma ou duas vezes - e obrigar o aluno a ficar com os sempre menores causa inadaptação. Provoca desinteresse por ter que ver tudo de novo, e de novo - ainda que os mais severos digam que ele não aprendeu porque era vagabundo.

Na indústria automobilística, uma engrenagem que não está dentro das normas vai de novo para a fundição.

Com o ser humano é diferente. Não se pode começar do zero como se nada tivesse acontecido de positivo na vida da criança naquele ano.

A reprovação anual pode expulsar do sistema de ensino milhares de crianças e jovens que terão nas ruas a sua nova escola. E nelas construirão suas novas companhias, linguagens e tarefas.

E o aprendizado capaz de torná-las cidadãos melhores pode acabar substituído pela "viração" e pelos vícios das ruas. Abandono e marginalidade serão o seu novo cotidiano.

Alguns podem pensar que a escola tem que premiar - classificando em ordem de resultados numéricos - os mais eficazes. É um equívoco. A escola é lugar de prazer de aprender o novo, aprender habilidades que dão às crianças e ao jovem lugar social e de cooperação.

Claro que competir é bom e a escola deve ter espaços para tal. Mas não nas notas ou na aprovação.

Os sistemas de progressão continuada - que são apenas ciclos mais longos do que os anuais - vêm sendo a forma mais eficaz e justa de estabelecer os prazos de reprovação ou corte decisivo para mudança de fase escolar.

Paulo Freire, quando secretário da educação do município de São Paulo (1989-91), propôs que fossem três ciclos: da 1ª à 3ª da 4ª à 6ª e da 7ª à 8ª E apenas no fim de cada um desses ciclos haveria exames que definiriam se o aluno seria ou não retido. Isso não significava a aprovação automática, mas a criação de um delicado sistema de acompanhamento do aluno.

Um bom ciclo de progressão continuada pressupõe o engajamento de professores e da comunidade escolar, o pleno funcionamento dos conselhos de classe para que cada aluno possa ter suas dificuldades analisadas, além de novas e diferentes medidas de revisão dos pontos críticos para superar as dificuldades. Inclui ainda a escolha adequada dos materiais didáticos e das metrificações do rendimento do aluno.

Outro componente essencial é a recuperação.

Recuperar não é fazer de novo, do mesmo modo, repetidamente, até o aluno aprender, como se a atividade fosse um simples "escreva cem vezes". O segredo pedagógico é que os professores e coordenadores dessas classes e desses alunos reinventem novas formas de trabalhar, já que as que foram usadas não surtiram efeito.

É preciso evoluir da autópsia para a biópsia. Punir uma criança ou um jovem com a repetência nada ensina. Melhor é avaliá-la permanentemente, entender suas dificuldades, corrigir rumos e assumir com ela o compromisso com o sucesso de sua aprendizagem.

(O Globo, 5/10)

Comentários

Por Guilherme de Arruda Carvalho Freitas
em 6 de Outubro de 2010 às 10:16.

O artigo é coerente e é o entendimento do sistema de progressão continuada... Existe um equívoco por parte dos sistemas de ensino, especialmente da Secretaria Estadual de São Paulo, em não fornecer espaços e tempos para que a ideia de progressão em ritmos diferenciados de aprendizado aconteça. Existe apenas a orientação pura e simples de aprovar quem está presente na escola porque essas mesmas unidades escolares não têm condição de oferecer um trabalho específico para os alunos que não tenham alcançado as metas previstas. São necessárias avaliações, estrutura, recursos humanos e valorização do que é feito, pois é um descaso o que se presencia no dia-a-dia de uma escola estadual aqui em SP.


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