Cevnautas,
Com o Markus Nahas começamos uma conversa sobre a Educação Física em escola de tempo integral. Com a pressão dos pais e escolas para ênfase nas disciplinas que caem nas provas do ENEM e vestibulares parece que a Educação Física tem cada vez menos espaço na escola de tempo parcial, e talvez tenha mais oportunidade na escola de tempo integral. Utilizei o artigo da Nova Escola deste mês: "Mais tempo na Escola, mas pra quê?" da jornalista Ana Ligia Schachetti. Convidamos o nosso Administrador Guilherme Pacheco, que chutou de primeira e autorizou continuar o debate aqui. Vamos participar? Laércio
"Laércio, Markus,
Agradeço o convite. Evidentemente tenho algumas palavras sobre o assunto. O artigo da Nova Escola se alinha com algumas posições mais recentes de que o aumento da jornada ou dos dias letivos não garante melhora na qualidade da educação. Por outro lado se reconhece a forte relação entre anos de estudos e renda.
Começo pelo último, mas relativizando. Em países muito ricos e de IDH muito elevado, como a Dinamarca, por exemplo, há programas de governo para que os jovens continuem estudando mais. Neste caso, e fazendo corte de tempo de poucas décadas atrás até hoje e ignorando o pós-guerra europeu, poderíamos afirmar que nos países ricos os jovens podem estudar mais. Desse modo, a educação seria efeito da riqueza e não a riqueza efeito da educação - pode ser um sofisma, mas serve para escaparmos da ingenuidade.
No Brasil se observa, há anos, e notadamente no Ensino Superior, que os estudantes fazem parte da secção mais alta da pirâmide sócio-econômica são os que ocupam as vagas nas melhores escolas e universidades públicas (e privadas também). Diga-se de passagem, nem sempre estudando muito mais horas do que os jovens das camadas populares. Este fenômeno, da elite sócio-econômica ocupar o maior número de vagas universitárias no Brasil, tem sido bastante atenuado com os programas de suporte como o PROUNI, as políticas de cotas, as políticas de PIBIC, o FIES, entre outras. Por outro lado, se costuma atribuir o avanço sócio-econômico de muitos países ao pesado investimento em educação, como se viu com os antes chamados tigres asiáticos. Mesmo considerando que os países do BRICS cresceram sem distribuir muito bem a educação, eu prefiro a posição de que o saber, o conhecimento, seja científico, tecnológico ou filosófico, tem relação direta com o desenvolvimento. Mesmo com as ressalvas citadas, há evidências suficientes para isto.
O segundo ponto, e ao meu ver mais importante, é a crítica que se vem fazendo às propostas de aumento das horas na escola. Seria preciso garantir que este aumento não se tornasse o mais do mesmo. Não tenho dúvidas que um projeto pedagógico ruim implantado por longo tempo, só vai tornar o resultado pior. O erro prolongado é mais nocivo, em tese, do o erro curto. Isto nos leva à posição de atribuir mais importância ao "o que fazer" e ao "como fazer" do que "por quanto tempo fazer". Prefiro crer que o último é subordinado aos dois primeiros.
Como disse certa vez o nosso mestre Nelson Marcelino, a escola brasileira é iluminista e metafísica. Metafísica por influência dos jesuítas e iluminista, como quase todas as escolas são e nós professores todos somos, por influência de Rousseau. Esta escola, da escolástica e do magister dixit, que submete o aluno à obediência e somente à repetição, foi e tem sido muito criticada, mas muito pouco mudada em nosso país. A escola integral, tema do artigo, deve ser ocupada com projetos relevantes e que possam realmente contribuir para a formação integral do aluno. Não há como discordar do encaminhamento de bom uso do tempo. As propostas de Anísio Teixeira e de seu seguidor Darcy Ribeiro, ali citado, têm sua origem em John Dewey, o grande educador norte-americano, às vezes somente reconhecido pelo lema "learnig by doing". Mas é exatamente nesta perspectiva do aluno ativo, que se justificaria o aumento da carga horária, seja em dias letivos, seja em horas por dia.
Entretanto, para dar conta desse projeto, ou de outros igualmente bem intencionados, é preciso acima de tudo professores preparados. A fórmula é muito antiga: bons professores, bons resultados. Tratemos de formar professores que sejam capazes de tornar a nossa educação mais eficaz, pois são eles (ou devem ser) que formulam o projeto pedagógico e definem as finalidades e objetivos da escola liderando a comunidade; são eles que organizam a avaliação, são os professores que lideram outros professores, são professores na posição de gestores educacionais lideram a redistribuição de recursos e a aprovação de projetos, são os professores que, no fim das contas, dão as aulas. Poucas vezes nos lembrarmos que nós, os professores, também somos produtos dessa mesma escola que criticamos. Agrava-se a situação, na minha percepção ao menos, quando vejo que aqueles que têm o dom de ensinar e que têm cultura e erudição para bem disseminar o saber, buscam carreiras de maior prestígio e remuneração. Esses mesmos, mais tarde, quando atingem o patamar social desejado, vão dar aulas na PUC, na Santa Casa, na FGV ou em uma Universidade Pública, por vocação ou vaidade. Sorte de quem será aluno deles, azar daqueles jamais os aproveitarão como professores no Ensino Médio.
A questão da educação física depender do aumento das horas diárias na escola, fica para outra hora.
Cordiais saudações, agradeço a oportunidade
Guilherme"
Comentários
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Renato Sampaio Sadi
em 7 de Fevereiro de 2012 às 19:01.
Até 1996 (LDB) vigorava o tempo de 180 dias por ano. Depois veio os 200 dias. Melhorou alguma coisa? Não, de fato piorou. Então a quantidade é apenas um dos elementos que, se não for conjugada com a qualidade, não adianta nada. Contudo, não sou contra a escola de tempo integral, o que precisamos pensar profundamente é na qualidade do projeto pedagógico, na qualidade do professor, na qualidade dos espaços escolares, na qualidade do material. E a Educação Física? Na elevação da qualidade desta área, que implica em recursos diretos para o desenvolvimento de ’sub-áreas´, a saber: recreação, dança, futebóis, educação física escolar, pedagogia do esporte, iniciação esportiva, etc. Isso, necessariamente implica em um maior ´volume´ ou seja, em uma maior quantidade de horas (aqui não necessariamente anuais, pode ser um aumento de horas diárias) Na prática é preciso ter um espaço para as atividades de aprendizagem básica, para as atividades de introdução à ciência e ´`as ciências´, atividades culturais e esportivas. Isso resulta em uma escola de tempo ´semi-integral´ (por exemplo, em três dias da semana, a permanência do aluno (e do professor) o dia todo na escola e nos outros dois dias, apenas em um período (manhã ou tarde) Como se vê, estou condicionando esta estrutura à um sistema de ensino diferente, pois o que temos nos Estados e Municípios brasileiros, são sistemas de ensino que normalmente atuam com três ou mais períodos de estudo (manhã, tarde, noite) Então, esta é uma questão importante para uma educação (física) cheia de sentido. Renato Sampaio Sadi
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Guilherme Borges Pacheco Pereira
em 8 de Fevereiro de 2012 às 22:43.
Pessoal, Renato,
Dando segmento à discussão sobre ter ou não ter professores de EF nas séries iniciais da Escola. Falemos de escola e de curriculo.
A função da escola é transmissão de conhecimento. Pelo menos esta é uma tese com elevado grau de consenso. Tem consenso porque atravessou os tempos com pouca crítica e pouca mudança. A escola, nessa perspectiva, é o lugar do saber. Também é consensual que a escola forma a pessoa; seja como for, forma o súdito, o bispo e o fiel, o governante e o governado, o trabalhador revolucionário, o cidadão, seja com consciência for. Em resumo, o conhecimento forma o indivíduo para viver em sociedade (aceitando-a ou transformando-a). Spencer e Paulo Freire concordariam até aqui, mas só até aqui. Então vem o currículo. Discute-se quem formar, porque formar, como formar. O currículo é definitivamente uma luta política. Houve tempo em que predominavam no currículo a Filosofia e a Geometria. Hoje a Filosofia, e a Sociologia, tiveram que voltar à cena por força de lei. Quem (qual disciplina) tem mais cacife, e por quê, para garantir mais carga horária? Devemos nos perguntar por que a Matemática e a Física retiram, sem a menor cerimônia, a EF da grade do 3o. ano do Ensino Médio.
Não vou me estender, mas a primeira questão que nós temos que responder é "o que ensina a EF, que só a EF ensina?". Creio que no conjunto possível de respostas, veremos, antes de tudo, que a EF não é uma ciência como a Química ou a História. E nem assim tão instrumentalizadora como a Matemática e a Escrita/Leitura. Testemunhamos várias tentativas de legitimação da EF na escola, quase todas elas reivindicando estatuto de igualdade. Se não é instrumentalizadora, se não é ciência, o que é, o que faz? Chegamos a uma dismorfia onde observamos que existem até memso argumentos legitimadores diferentes para diferentes segmentos de ensino.
O que há de realmente relevante na EF Escolar que justifique a sua presença nos diferentes segmentos de ensino. E que diferença nós (professores de EF) fazemos?
Saudações,
Guilherme
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Edison Yamazaki
em 9 de Fevereiro de 2012 às 07:46.
A Educação Física tem tanto valor como a matemática, química ou história. Através dessas matérias chegam informações exteriores, de resultados ou de coisas que aconteceram. A Educação Física tem um valor diferente. Ele ajuda a formar o homem e alguns dos seus valores internos. A solidariedade, a perseverança, o equilíbrio emocional, a melhora da auto-estima, a força interior para reverter resultados negativos, a consciência de conhecer movimentos e ações corporais, e acima de tudo, uma noção do que é ter cidadania.
Já o professor de Educação Física possui uma força descomunal. Ele é o único que consegue deixar uma turma cheia de energia sentada por vários minutos em completo silêncio. É o único que consegue fazer com os alunos corram na chuva, no sol ou no frio, sem reclamar. É o único que é realmente admirado por suas habilidades e conhecimentos específicos. É o único que pode dá liberdade para rir alto, falar alto e ainda não dá lição de casa. Quer mais?
Agora, se a escola for em tempo integral, a Educação Física será ainda mais necessária porque a escola ficará mais prazerosa. O ambiente ficará mais leve. O alto astral será melhor. Isso sem falar que a possibilidade de descobrir talentos para o esporte aumentará. Agora, se existe infraestrutura para isso, não sei.
Sei que onde vivo, todas as escolas são em período integral desde o primário até o colegial. Depois de estudarem as "matérias clássicas", os alunos passam o resto do tempo no basquete, vôlei, handebol, tênis, natação, kendô, badmington, ginástica olímpica, futebol, atletismo, rugby, tênis de mesa, entre outros. Os alunos chegam nas casas sujos, cansados, mas felizes e melhores. Não existe segredo... em período integral a Educação Física será ainda mais necessária.
Abraços,
Por
Laercio Elias Pereira
em 11 de Fevereiro de 2012 às 08:24.
Pessoal,
Pra quem ainda não clicou na foto do Edison para ler a página dele no quem-é-quem registro que ele mora em Kyoto, no Japão. Obrigado pela confiança da participação, Edison. Seguimos. Laercio
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Guilherme Borges Pacheco Pereira
em 14 de Fevereiro de 2012 às 23:27.
Edson, demais colegas,
A EF não tem tanto valor quanto as outras disciplinas, ela tem OUTRO valor em relação à formação do indivíduo. Em minha modesta opinião, enquanto a EF ficar buscando estatuto de igualdade com as outras disicplinas, não encontrará o seu lugar na escola. De mãos dadas com a sua irmã Educação Artística, a EF vaga no limbo escolar. As hipóteses são muitas. A primeira o Edson já disparou, mas sem completar: enquanto as "outras disciplinas" poem para dentro, a EF (e a Ed Artística), põe para fora. Não vou me estender nessa minha tese, mas vou insistir em um ponto que tenho debatido ao longo de quase 20 anos: a EF é diferente, e deve se assumir como tal. Ali encontrará o seu lugar. Devemos abandonar (pelo menos por hora) a função da educação moral e da promoção da saúde para ver o que relamente sobra, pois essas duas demandas são de caráter geral e portanto impossíveis de serem atendidas somente pela EF.
Fico por aqui.
SDs
Guilherme
Por
Edison Yamazaki
em 17 de Abril de 2012 às 02:10.
Escrevo porque achei muito interessante o ponto de vista do Guilherme. Diferente de muitas coisas dentro das escolas, o que será que a Educação Física ensina, que só ela ensina? Ótimo tema para reflexão.
Acho também que devemos observar com carinho a influência que um profissional da EF exerce sobre o grupo. Observando o professor da EF, talvez possamos encontrar uma fração da resposta para sabermos o que a EF ensina, que só ela ensina.
Por
Guilherme Borges Pacheco Pereira
em 18 de Abril de 2012 às 10:52.
Edison,
também concordo com você, o professor de educação física pode ter grande ligação com o grupo de alunos, mas devemos perguntar por quê. Observando o professor de educação física podemos dizer que, na maioria das vezes ele se preocupa com o lúdico e isto o aproxima dos alunos. Veja que professores de outras disicplinas (as da sala de aula), quando utilizam meios lúdicos são muito queridos pelos alunos, ao contrário dos professores muito severos.
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