Cevnautas, a Ciência-Hoje (Todo mundo assina e dá de presente a Ciência Hoje e Ciência Hoje das Crianças, da SBPC, publicações indispensáveis?) tem sempre uma seção de dicas para professores. Podemos bem utilizar essa da pseudociências pra questionar se engolimos e regurgitarmos sem crítica o produto midiático "Esporte é Saúde". Mais que uma ameaça, a dica nos ajuda a aprofundar e sistematizar o senso comum (papel da ciência), e mostrar as reais e pretensas riquezas e pobrezas do esporte. Lembrando: "Professor gosta de problema; quem vive de matar problema é o administrador" (larécio). Laércio

Antídoto contra pseudociências
Ciência Hoje - Publicado em 06/02/2014

Educadora recorre a sugestões de Carl Sagan para propor o ensino de ciências como método de raciocínio crítico. Desconfiar de ideias facilmente vendáveis é ferramenta básica de auxílio a professores.

Com o avanço da superstição, pessoas acreditam em técnicas espetaculares e curativas sem qualquer base científica, que, com frequência, estão associadas a prejuízos financeiros e de saúde. (foto: Tinpalace/ Sxc hu)

Não é de hoje a preocupação dos cientistas com as pseudociências – aquela panaceia de falsos conhecimentos que apenas aparentam usar os métodos da ciência, valem-se de uma linguagem que também se aproxima da científica, mas que, quando examinados à luz do rigor da evidência e da boa argumentação, caem por terra.

Ainda na década de 1990, o físico e astrônomo Carl Sagan, em seu agora já clássico livro O mundo assombrado pelos demônios – a ciência vista como uma vela no escuro (Companhia das Letras, 2006), alertava-nos para o risco que as pseudociências representavam e, sobretudo, para o fascínio que esses falsos (e enganadores) conhecimentos exerciam sobre as pessoas e sobre a mídia, em especial. A pseudociência, afirmou Sagan naquela oportunidade, “fervilha de credulidade”, “é mais fácil de ser inventada”, “mais fácil de apresentar ao público” e, sobretudo, eficiente, pois “fala às necessidades emocionais poderosas que a ciência frequentemente deixa de satisfazer”.
É mais do que urgente e necessário debater as pseudociências em aula, preparando-se – e aos alunos – para identificá-las e rebatê-las criticamente

De que pseudociências Sagan falava? Lugares míticos e desconhecidos, com seus atlantes, lemurianos e habitantes do interior da Terra; técnicas espetaculares e curativas, como extrair petróleo no ar, valer-se de raios terrestres, beber água milagrosa ou passar por cirurgias mediúnicas ou, ainda, de potenciais superpoderes desconhecidos, como atravessar paredes, contatar extraterrestres, fazer viagens astrais – apenas para ficar em alguns exemplos.

Era tempo de ‘Nova Era’, e o pensamento místico e esotérico, com o avanço da superstição, era o interlocutor privilegiado e a principal fonte de preocupação de Sagan nos anos 1990. O tempo certamente passou e, nessas últimas duas décadas, a pseudociência não desapareceu. Ao contrário, expandiu-se e assumiu novas faces, embora as antigas, como a astrologia, a quiromancia e a numerologia, também apontadas por Sagan, ainda se encontrem firmes e fortes.

São essas recentes faces da pseudociência o que nos interessa aqui, sobretudo pela necessidade de chamar a atenção dos professores de ciências para essas novas roupagens. E, nesse sentido, pouco mudou: é mais do que urgente e necessário debater as pseudociências em aula, preparando-se – e aos alunos – para identificá-las e rebatê-las criticamente. Afinal, como disse Sagan, “se alguém nunca ouviu falar de ciência (muito menos de como ela funciona), dificilmente pode ter consciência de estar abraçando a pseudociência”.
 
Por que a preocupação?

Em um excelente artigo publicado na revista Física na escola, em 2008,  o físico Marcelo Knobel, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), discute o avanço das pseudociências e como elas podem influenciar direta ou indiretamente nossas vidas.

Pense por um instante nas inúmeras crendices e lendas populares que circulam de boca em boca ou, sendo mais atual, pelas redes sociais. Certamente, a maioria delas envolve bizarrices, cujos efeitos são mínimos ou mesmo inócuos. Segundo Knobel, “não passam de objetos de ironia e diversão para uma camada da população mais instruída” e, quando muito, provocam “arranhões” na “já aparentemente consolidada imagem da ciência”. Ao lado dessas, no entanto, há “a pseudociência utilizada com má fé, destinada a usurpar o dinheiro da população” que “ingenuamente acredita em evidências casuais, rumores e anedotas”, pondera o autor.  

Os exemplos das ‘pseudociências de má fé’ são muitos e diversos, principalmente na área de saúde, e com frequência encontram-se diretamente relacionados a prejuízos financeiros ou danos físicos e mentais.

Além dessa, há outra notícia ruim: os efeitos negativos começam a aparecer também na área de educação, com o avanço de ‘neuromitos’, ‘neurobobagens’ ou ‘neurolixo’ (o nome depende do grau de agressividade de quem faz a crítica) e de diferentes propostas de como usar, por exemplo, os conhecimentos produzidos pelas neurociências para “turbinar seu cérebro” ou tornar “seu filho um Einstein”.

capa livroEncontra-se uma boa revisão do impacto da pseudociência na área da saúde e sobre seu avanço mais recente na educação no livro Ciência picareta (Bad science, no original em inglês), de autoria de Bel Goldacre, publicado aqui no ano passado (Civilização Brasileira, 2013).

No livro, Goldacre, médico e colunista do jornal britânico The Guardian, esmiúça os bastidores e os interesses escusos por trás de propostas aparentemente científicas que envolvem, por exemplo, a venda de produtos naturais apresentados como remédios (óleo de peixe e de prímula ou sementes de nozes, pistache, quinoa, amaranto, linhaça, gergelim, por exemplo); cosméticos revolucionários (como hidrantes, anti-rugas e antienvelhecimento) ou dietas mirabolantes (como desintoxicantes e antioxidantes). Mais grave ainda, argumenta o autor, é a irresponsabilidade que acompanha a disseminação de várias dessas ideias pseudocientíficas ou não embasadas por uma boa ciência, relacionadas, por exemplo, à suposta cura da Aids ou à causa do autismo.
 
Comercialização do óbvio

Como destaca Goldacre, não existe problema em apelos por uma alimentação saudável ou mesmo pelo maior consumo de frutas, legumes ou sementes. O problema está – defende o autor – no que chama de “comercialização do óbvio” (ou em cobrar por informações evidentes vestidas com novas roupagens) ou, ainda, em valer-se de “golpes retóricos” ou de “erros básicos” na produção de pesquisas consideradas científicas, para gerar pseudossoluções rentáveis, sob a forma de pílulas e dietas da moda para problemas que, muitas vezes, são reais e fatais.  
Goldacre: "Não há um real interesse em ensinar a pensar de maneira científica, nem em ensinar a distinguir os princípios básicos de uma boa ciência"

Como exemplifica e detalha Goldacre em seu livro e em sua página na internet, milhares de pessoas morreram (e morrem, ainda) de Aids na África, em grande parte por causa de uma campanha deliberada contra o uso de antirretrovirais e a favor do uso de produtos naturais (multivitaminas), que, supostamente, preveniam e curavam a síndrome. De forma semelhante, centenas de crianças em todo o mundo estão deixando de receber a vacina tríplice viral, por causa da disseminação de dados de pesquisa parciais e mal produzidos que deram margem a interpretações de que a vacina poderia provocar autismo.  

Entre as causas da atual situação, encontra-se, segundo o autor, a ignorância da população e da imprensa, em especial, sobre o quesito ‘como a ciência funciona’. Para Goldacre, não há um real interesse em ensinar a pensar de maneira científica, nem em ensinar a distinguir os princípios básicos de uma boa ciência que norteiam o processo de obtenção e de interpretação de evidências, o que dá margem a que sejamos, todos, manipulados. Some-se a esse despreparo geral em termos de educação científica o interesse por parte da mídia em divulgar apenas o que é espetacular ou bizarro, abrindo espaço para o avanço das pseudociências, de acordo com ele.

Carl Sagan também alertou e cobrou professores de ciências e jornalistas que cobriam a área quanto às suas responsabilidades em relação às pseudociências. “Se comunicarmos apenas as descobertas e os produtos da ciência – por mais úteis e inspiradores que possam ser – sem ensinar o seu método crítico, como a pessoa média poderá distinguir entre ciência e pseudociência?” E ele mesmo ofereceu a resposta: “Se continuarmos com essa postura, ciência e pseudociência sempre serão confundidas e parecerão afirmativas sem fundamento”.

A quem interessa esse estado de confusão? Certamente, a quem com ele procura lucrar. Vale, portanto, o alerta aos professores. A ciência – como afirmava Sagan – “é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar”. Conhecer e praticar o método e a forma de raciocínio crítico da ciência, “por mais enfadonho e ranzinza que pareça”, é muito mais importante do que apenas divulgar as descobertas realizadas por ela.
 
Dicas de ensino

Ficam aqui registradas, portanto, algumas ferramentas básicas indicadas por Carl Sagan para serem ensinadas desde cedo às crianças e indispensáveis ao nosso ‘kit’ pessoal de detecção da pseudociência: 1) esteja disposto a acolher fatos novos, mesmo que eles não se ajustem às suas preconcepções; 2) guarde hipóteses alternativas em sua mente, para ver qual se adapta melhor à realidade; 3) examine cética e rigorosamente as novas ideias e desconfie dos argumentos de autoridade.

Sobretudo em tempos de maior disseminação de informações e da amplitude que estas ganham nas redes sociais, essa última dica – desconfiar dos argumentos de autoridade – torna-se especialmente importante. Afinal, como disse Sagan, a “ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento”, mas é “o melhor que temos” e, atualmente, simular os métodos e a linguagem da ciência e passar-se por “especialista” ou “cientista” têm sido um recurso frequente para se disseminar (e vender) pseudociência.

Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

FONTE com fotos e links: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/02/antidoto-contra-pseudociencias

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