Pessoal, a turma de editores costuma chamar de nova edição o que é appenas reimpressão. Não é o caso dessa 26ª Edição do "Educação Física Cuida do Corpo ... e mente". Mais: O Prof Medina comentou no blog dele sobre o que mudou na nova edição, além de nos oferecer uma história do livro que teve a primeira edição em 1982. Segue o texto e o endereço do Blog
PS: Sim, a nota é de maio do ano passado, mas estamos juntando munição pra aula aberta do João Freire sexta feira "O que é Educação Física", que vai ser na sexta feira:
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=10150622314717731&set=a.494125277730.275215.588962730&type=1
A Educação Física no século XXI: ainda em busca de sua(s) identidade(s)
”… velho é tudo aquilo que já não contribui para tornar a felicidade um direito de todos. À luz de um novo marco civilizatório, há que se superar o modelo produtivista-consumista e introduzir, no lugar do PIB (Produto Interno Bruto) a FIB (Felicidade Interna Bruta), fundada numa economia solidária.”
(Frei Betto)
O livro A Educação Física cuida do corpo… e “mente” foi concebido e escrito entre 1981 e 1982 e sua primeira edição publicada no início de 1983. Ele fazia parte da Coleção Krisis – O Pensamento Social em uma época de crise, dirigida e coordenada pelos ilustres professores João Francisco Regis de Morais e Carlos Rodrigues Brandão. Naquela época, lembro-me que muito me honrou, ainda bastante jovem, ver este singelo ensaio no meio de obras de diferentes áreas do conhecimento que tratavam de “questões sociais em uma época de crise” e de autoria de verdadeiros “craques da escrita”. Além do orgulho de estar no meio deste time, confesso que fiquei também surpreso, alguns meses depois do seu lançamento, quando informado pela Editora Papirus, através do seu saudoso e brilhante editor Milton Cornacchia, de que a primeira edição havia se esgotado. A surpresa continuou nos anos seguintes em face de seguidas reedições e reimpressões.
Hoje, passados quase três décadas, quando redigia o prefácio para a 25ª. edição, revista e ampliada, senti um misto de orgulho e de decepção. O orgulho evidentemente por conta do meu trabalho continuar, ao longo de tantos anos, sendo lido e recomendado não só por professores de Educação Física, como também por alunos que procuram embasar sua formação profissional através de uma visão crítica, humana e social de sua prática. Já a decepção se deve a constatação de que muitas das observações, críticas e denúncias feitas naquela época ainda se mostram bastante (eu diria demasiadamente) pertinentes. Questões suscitadas pela falta de qualidade do ensino (da educação como um todo), pelo reducionismo biológico de influência cartesiana e positivista, pela despolitização das práticas físicas e esportivas entre outras levantadas na época continuam vivas.
A Educação Física cuida do corpo… e “mente” teve – e penso que ainda tem – o mérito de propiciar ao leitor interessado na área, uma reflexão crítica sobre a sua prática. É bem verdade que hoje uma leitura criteriosa desta obra deve considerar o contexto histórico, sociocultural e político que o Brasil vivia no começo dos anos 1980, ainda sob influência do golpe militar instaurado em 1964 e as enormes limitações que se impunha a tudo que era dito e escrito publicamente à época em nosso país[1].
De qualquer forma o ensaio contribuiu naquele momento como ferramenta de luta principalmente contra o autoritarismo, o individualismo de natureza burguesa e a suposta neutralidade científica e política que envolvia a Educação Física no Brasil. Contribui também para desencadear uma crise[2] em vários sentidos no próprio ceio da Educação Física brasileira. Questionamentos sociológicos, antropológicos e filosóficos não podem mais ficar fora do debate em torno da teoria e prática (práxis) desta área profissional e do conhecimento. Afinal, são elementos indispensáveis para que a Educação Física continue buscando a sua identidade (ou seriam identidades?).
Quando discuti com a minha editora a proposta de uma reedição revista/atualizada e ampliada desta obra me vi diante de um dilema: valeria a pena mexer em ideias e conceitos que refletiam um momento (o meu, inclusive) histórico de uma época difícil de nossas instituições e de nossa sociedade? Reli atentamente o ensaio e, afora alguns ajustes e correções que permitem mais clareza ao texto, resolvi mantê-lo intacto! Mudá-lo ou alterar qualquer ideia ou conceito significaria mutilá-lo, ou na melhor das hipóteses escrever um novo livro.
A novidade ficou por conta do acréscimo em forma de anexos de 3 curtos, porém consistentes e instigantes ensaios que serviram para atualizar o debate em torno das questões que afetam a Educação Física nos tempos atuais. São três abordagens distintas que, como diria o meu amigo e pensador Vitor Marinho de Oliveira, trazem no seu bojo concepções de consenso e concepções de conflito.
Àqueles que se interessam pelo assunto e mesmo àqueles que já leram alguma edição anterior, vão encontrar nesta versão visões atualizadas da Educação Física, através destes 3 novos ensaios. O primeiro deles escrito pelo Valter Bracht, reconhecido pesquisador e pensador da EF que generosamente concordou em publicar o ensaio ao qual chamou de A Educação Física brasileira e a crise da década de 80: entre a solidez e a liquidez, contendo estimulantes e controversas questões de nosso tempo. O segundo desenvolvido pelo Marcelo Hungaro, professor crítico, engajado e estudioso das lutas sociais e que faz uma análise da Educação Física numa perspectiva marxista. E finalmente o prof. Rogério dos Anjos, introduzindo as ideias, no meu modo de ver ainda pouco discutidas criticamente entre nós, do brilhante Prof. Dr. Manuel Sérgio, em torno da chamada Ciência da Motricidade Humana.
Enfim a nova edição e versão de A Educação Física cuida do corpo… e “mente” se propõe a oferecer mais munição para o debate em torno das questões desta área do conhecimento de forma radical, rigorosa e de conjunto que é em última instância o papel da reflexão verdadeiramente crítica. Reflexões que inspiradas na experiência e na prática podem retornar a elas no sentido de transformá-las.
A mensagem do livro “A Educação Física cuida do corpo… e ‘mente’ ”
No início da década de 1980, quando este ensaio crítico foi escrito, era moderno dizer que a educação física não cuidava só do corpo, mas também da mente. A ideia foi desenvolver argumentos que demonstrassem que esta área do conhecimento humano só teria um sentido verdadeiramente transformador se incorporasse às suas dimensões corporais e mentais ou psicológicas, a dimensão social. Nesta direção é que escrevi A Educação Física cuida do corpo… e “mente”.
(João Paulo S. Medina)
Que educação física é essa que cuida do corpo e “mente”?
Há décadas se discute sobre o papel da Educação Física (EF) e seus conceitos. Entretanto, há ainda uma dificuldade em explicar o que realmente significa esta área do conhecimento humano, pois nem ela própria tem se justificado. Afinal, quando falamos em EF pensamos logo em corpos sarados, suados e dispostos somente a malhar, numa dimensão individualista e alienada. Embora haja núcleos de exceção, isto ainda tem acontecido com muita frequência. O número de jovens que tem buscado este curso é ascendente e é ainda grande a porcentagem dos que se inspiram na ideia do “corpo perfeito”, ao invés de buscar uma compreensão mais crítica e histórica deste corpo. Não são poucos os que ao depararem com a função social e o sentido verdadeiramente transformador da EF se frustram, se limitam ou até resistem a aceitar este papel.
O fato é que em pleno século XXI permanece a crise de identidade da EF. A crise reivindicada e instalada a partir do momento em que foram questionados seus pressupostos, particularmente na década de 1980, ainda não foi suficiente para identificar a área dentro do peso ou valor que deveria ter na construção de uma sociedade mais justa, democrática e participativa.
A escola, onde os professores alienados se excluem e se calam diante das reuniões decisivas por não saberem opinar e fazer inter-relações com os demais professores, é um dos exemplos que demonstram a tese do atual estágio em que se encontra a EF. Os próprios professores, em grande parcela, não conseguem identificar o verdadeiro significado da EF. São manipulados e manipuladores, prendendo-se às velhas questões fragmentadas e, portanto descontextualizadas do movimento de construção da cidadania.
Mas afinal, onde está a tal crise? Quem será o mediador ou a mediadora, capaz de trazer juntamente com a crise, os elementos para a verdadeira transformação social. Existe realmente esta hipótese? Ou será ela uma utopia?
Velhas questões exigem novas respostas. É preciso adentrar neste campo tão especial e desvendar os mistérios e caminhos a percorrer para que possamos alcançar uma EF que seja também instrumento de luta e que busque incessantemente esta transformação do ser humano, comprometida com o aspectos bio-psico-socioculturais. A EF não pode continuar conhecida apenas como produtora de pessoas saradas, incapazes de pensar, e nem tão pouco por uma concepção fragmentada e fragmentadora, mas que seja reconhecida pelo seu valor em desenvolver o ser humano em sua totalidade. É preciso, sobretudo, reconhecer que o homem é um ser incompleto, carente, carregado de mistérios e contradições e a partir daí buscar a transcendência não só em termos individuais como também coletivos.
Somente nesta perspectiva é que a EF pode exercer sua influência com o objetivo de estimular o processo de transformação de uma sociedade que temos para uma sociedade que queremos. E é também neste sentido que o profissional de EF pode tornar suas ações, dentro dos diferentes processos pedagógicos, verdadeiramente transformadoras.
Para entender os conceitos básicos expressos no ensaio
Consciência – estado pelo qual o corpo percebe a própria existência e tudo o mais que existe. Neste sentido a consciência está gravada no corpo.
Educação – passa pela decodificação dos signos sociais impressos no nosso corpo.
Níveis de consciência, segundo Paulo Freire:
a) Intransitiva
b) Transitiva Ingênua
c) Transitiva Crítica
Consciência Intransitiva
É a que caracteriza os indivíduos incapazes de percepções além das que lhes são biologicamente vitais. Vivem praticamente sintonizados no atendimento de suas necessidades de sobrevivência. O conhecimento da realidade é reduzido às necessidades biológicas vitais.
O portador deste nível de consciência pode ser considerado como um “ser no mundo” plenamente “possuído pelo mundo”.
Consciência Ingênua
Os portadores desta modalidade de consciência são capazes de ultrapassar os seus limites vegetativos ou biológicos. Restringem-se, entretanto, às interpretações simplistas dos problemas que os afligem. Suas argumentações são inconsistentes. Acreditam em tudo que ouvem, leem ou veem, muitas vezes tendendo ao fanatismo.
São também “dominados pelo mundo”. Não conseguem explicar a realidade. Seguem prescrições que não entendem.
Consciência Crítica
É característica dos indivíduos capazes de transcender amplamente a superficialidade dos fenômenos. Procuram buscar as causas destes fenômenos. Eliminam as influências dos preconceitos. Percebem claramente os fatos que os condicionam em suas relações existenciais, tornando capazes de transformá-los.
O portador deste nível de consciência pode ser considerado um “ser no mundo” e um agente de transformações.
A Educação Física segundo os níveis de consciência
1) Educação Física Convencional
Concepção apoiada na visão de senso comum.
Visão dualista ou pluralista: corpo x mente x alma.
EF como uma “educação do físico”.
Os aspectos biológicos ou anátomo-fisiológicos predominam.
Preocupação com os aspectos físicos da saúde ou do rendimento motor.
Conceito de Educação Física para esta concepção: “conjunto de conhecimentos e atividades específicas que visam o aprimoramento físico das pessoas”.
Os aspectos psicológicos e sociais aqui ocupam um papel periférico, secundário ou mesmo irrelevante. Há ainda os que argumentam que esses aspectos intelectuais, morais, espirituais e sociais devam ficar a cargo de outras instâncias da educação.
Os profissionais adeptos desta concepção (e portadores do nível de consciência intransitiva) não são capazes de percepções além das que lhes são biologicamente vitais. Esses profissionais são totalmente envolvidos pelos seus contextos existenciais ou pelo meio em que vivem. São objetos e não sujeitos de sua própria história.
2) Educação Física Modernizadora
Significado mais ampliado em relação à Educação Física Convencional.
Mantém a visão dualista / pluralista: corpo x mente x alma.
Evolui da “educação do físico” para a “educação através do físico”.
Aspectos biológicos ou anátomo-fisiológicos são acrescidos dos aspectos psicológicos, emocionais e às vezes espirituais.
Entretanto, vê a educação muito numa perspectiva individualista.
Para esta concepção a ginástica, o esporte, os jogos, a dança são meios de educação.
No aspecto social, entende que os indivíduos devam moldar-se às funções e exigências que a sociedade lhes impõe.
Conceito de Educação Física para esta concepção: “EF é a disciplina que através do movimento, cuida do corpo e da mente. Ou a área do conhecimento humano que fundamentada pela interseção de diversas ciências e por meio de movimentos específicos, visa desenvolver o rendimento motor e a saúde (*) dos indivíduos”.
Apesar de certa evolução em relação à concepção convencional, não se pode dizer que os adeptos desta concepção sejam donos do seu próprio processo histórico. Na verdade, como na outra, por possuírem uma consciência ingênua, são de certa forma dominados pelo mundo.
(*) Saúde aqui tem um sentido restrito, ou seja, circunscrito às suas dimensões biológicas e psicológicas.
3) Educação Física Revolucionária
Procura interpretar a realidade dinamicamente e dentro de sua totalidade e complexidade.
Não considera nenhum fenômeno de forma isolada.
O ser humano é entendido em todas as suas dimensões, e no conjunto de suas relações com os outros e com o mundo.
Está constantemente aberta às contribuições das ciências, na medida em que o próprio conhecimento humano evolui como um todo.
O corpo é considerado em todas as suas manifestações e significações, não sendo apenas parte do ser humano, mas o próprio ser humano. Pode teorizar sobre os aspectos biológicos, psicológicos e sociais, mas age fundamentalmente sobre o todo.
É “educação de movimentos” e “educação pelo movimento”. A ginástica, o esporte, os jogos, a dança são meios de educação.
Conceito de Educação Física para esta concepção: “E.F. é a arte e a ciência do movimento humano que, por meio de atividades específicas, auxiliam no desenvolvimento integral dos seres humanos, renovando-os e transformando-os no sentido de sua auto realização e em conformidade com a própria realização de uma sociedade justa e livre.”
Essa concepção implica a presença de consciências transitivas críticas, capazes de transcender a superficialidade dos fenômenos, nutrindo-se do diálogo e agindo pela práxis (teoria-prática) em favor da transformação no seu sentido mais humano.
Conceitos de corpo
Na visão tradicional o corpo é o conjunto biológico formado de ossos músculos, nervos, pele, secreções e excreções. Neste sentido ele é tido mais como um instrumento ou objeto.
Já na visão adotada no ensaio (concepção revolucionária) o corpo é um sistema bioenergético que estabelece relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Neste sentido ele é uma expressão de transcendentalidade.
[1] Aos interessados neste assunto (censura no período militar de 1964 a 1985) sugiro a leitura de meu livro O Brasileiro e seu Corpo – Educação e Política do Corpo, Editora Papirus, publicado em 1987 e compare com a linguagem usada no ensaio A Educação Física cuida do corpo… “mente”, publicado em 1983.
[2] O tema da crise ocupa um espaço destacado neste ensaio crítico.
http://blogdomedina.com.br/2011/05/15/o-que-e-educacao-fisica/
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