Cevnautas da Ética,

O artigo do prof Sidarta Ribeiro ajuda a gente a pensar & discutir. Laércio

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JC e-mail 4843, de 28 de outubro de 2013      

Quem vai salvar quem?      

Estadão de domingo publica artigo assinado por Sidarta Ribeiro*          

No vórtex contestatório que levanta pessoas em todo o planeta, eis que chega ao Brasil a ira santa contra a experimentação animal. Ativistas invadem laboratórios e retiram cães, para desespero dos cientistas que pesquisavam remédios oncológicos com esses animais. Confrontam-se argumentos. Há ética em submeter beagles adoráveis à experimentação fria? Por outro lado, será ético criar cães em apartamentos minúsculos, permitindo que desenvolvam problemas renais por baixa frequência de micção e obesidade por falta de exercício? Os ativistas acham que os cientistas são uns animais e vice-versa, como se isso fosse a maior ofensa.        

O tema é forte e mobiliza paixões. São inegáveis os avanços para a saúde humana obtidos graças à experimentação animal, tais como vacinas, antibióticos, transplantes e reconstituição de órgãos. Sem a vivissecção, seria hoje impossível seguir avançando nas pesquisas sobre câncer, aids e doenças degenerativas, entre muitas outras. Mas se a pesquisa científica é patrimônio da humanidade, não há quem não se compadeça de um cãozinho melancólico.   O momento é oportuno para questionar injustiças e olhar de frente a questão dos direitos dos animais. Em perspectiva, nosso sucesso como espécie depende há milhares de anos da exploração de outras formas de vida. Nossos ancestrais nômades aprenderam a extrair de outros seres vivos seus alimentos, remédios, vestuário e serviços variados, domesticando espécies e criando novas raças a serviço do bicho homem. Não é exagero dizer que, sem tal domínio de outros seres, não haveria civilização. Portanto, o uso dos animais pela ciência nos últimos séculos, seja para compreender a biologia ou para resolver problemas práticos das pessoas, se configurou num contexto em que animais são coisas.        

O problema é que não são. Animais possuem sistemas nervosos e isso cria um problema moral. Possivelmente todos os animais sentem dor e são capazes de tentar evitar sofrimento. Inúmeras espécies de vertebrados e mesmo invertebrados exibem algum tipo de cuidado parental. A consciência não é um dom exclusivamente humano, mas uma função fisiológica que, apesar de mal compreendida em seus mecanismos, ocorre sob distintas formas em muitas espécies diferentes. Levar em consideração todos esses aspectos é algo recente entre nós, homens e mulheres herdeiros de milênios de escravismo, utilitarismo e mesmo canibalismo. O passado da humanidade é prenhe de violência e brutalidade, mas também somos capazes de solidariedade e respeito ao próximo.        

Por isso é fundamental lembrar que é justamente no âmbito da ciência que mais se avançou para dar aos animais tratamento condizente com sua condição sensorial e afetiva. No Brasil de algumas décadas atrás, não havia normas claras para a pesquisa experimental com modelos animais. Com a promulgação da Lei Arouca (Nº 11.794, de 8 de Outubro de 2008), passamos a dispor de uma moderna legislação para regular as Comissões de Ética no Uso de Animais (Ceuas) e o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). Hoje a pesquisa científica brasileira obedece a padrão internacional que inibe sofrimento desnecessário ou extremo, limita o número de animais utilizados e normatiza a supervisão da pesquisa com animais.        

Erra o alvo quem ataca a ciência, pois essa não apenas se preocupa com o bem-estar dos animais como avança no sentido de compreendê-los. Se quisermos realmente encarar o inferno do desrespeito ao outro ser vivo, miremos corajosamente onde isso é mais gritante: os criatórios e abatedouros de gado e aves. Infelizmente ainda é comum que esses animais sejam mantidos em ambientes insalubres e superlotados, submetidos a regimes de estimulação sensorial anormal, alimentação excessiva, manipulação hormonal, mutilação, castração e pânico da morte anunciada. Tudo isso em uma escala tão colossal que não se dá ao bicho mais do que um número e um carimbo da vigilância sanitária. Se cada pessoa que come carne tivesse plena consciência de tudo isso ao ingerir o alimento, haveria tamanho consumo desse produto? O que podemos fazer para diminuir tanto sofrimento? A carne de laboratório, livre de sistema nervoso, rica cultura de tecidos muscular, conjuntivo e adiposo, já é uma realidade. No futuro próximo, tem grande probabilidade de tornar-se mais barata, saborosa e saudável que a carne do animal de criação. Quem quer picanha de laboratório?        

Se quisermos realmente visitar a estação final de horrores daquilo que pulsa e empatiza, desçamos às prisões, delegacias, masmorras, escravarias e outros centros de desespero de nosso tempo. Ali onde sofre e trucida a fera humana, atrás das grades e dentro do saco plástico universal, quem vai salvar quem? Muitos dirão que esses, os humanos aprisionados e torturados, são bichos culpados que merecem o suplício. E no entanto, como ensinam o cristianismo, a psicanálise e a neurociência, aqueles são sofredores como todos nós, afetados pela genética e pelo ambiente, por vezes levados a loucuras pela necessidade das encruzilhadas. Somos todos de carne e osso e o desafio é conviver em paz. Como na canção de Gil, "não há o que perdoar. Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão".      

 *Sidarta Ribeiro é professor titular de neurociências da UFRN   (O Estado de S.Paulo) http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,quem-vai-salvar-quem-,1090190,0.htm

 

Comentários

Por Ayla Karine Fortunato
em 15 de Janeiro de 2014 às 19:11.

Não sou contra o progresso nem contra a tecnologia, porém sou a favor do desenvolvimento sustentável, onde devemos buscar fórmulas que combinem conforto, desenvolvimento e equilíbrio do meio ambiente. Há produtos que são verificados quanto à segurança via modelos de computador, in vitro (tubo de ensaio) ou em pele humana clonada, ou usando ingredientes já listados no registro da FDA (Food and Drug Administration) de substâncias consideradas seguros. Muitas vezes, as experiências em animais são praticadas com crueldade, causando sofrimento físico e psicológico para esses animais.

Os resultados de testes com animais são tão imprecisos e incompatíveis com a maneira como o organismo humano reage que não faz sentido continuar submetendo os animais a eles. Para eles, não funciona, e se não funciona, não deveria estar sendo feito mesmo que não tivéssemos alternativas.

 O uso de animais para estudar doenças humanas e testar drogas para uso humano antes que eles sejam mandadas para teste clínicos em pessoas é um grande erro. Os resultados geralmente têm uma aplicabilidade muito baixa em seres humanos, e é um sistema que claramente está demonstrado que não é eficaz, não prevê os resultados em organismos humanos, consome grandes recursos financeiros e produz poucos, quando nenhum, benefícios para pacientes.

Por Gustavo Vilela Crispim
em 15 de Janeiro de 2014 às 21:57.

Apesar de ser permitida restritamente perante a LEI Nº 11.794, DE  8 DE OUTUBRO DE 2008. ,também me corta o coração ao ver esses testes sendo realizados em animais,mais devemos pensar que realmente existem testes que podem ser feitos em metodos alternativos nos lugares dos animais como: culturas celulares,modelos computacionais,processos de analise genômicas entre outros.Entretanto,tem certos tipos de medicamentos tanto humanos ou animais que para desenvolver é indispensável o experimento em animais.Muitos desses experimentos deram origem a vacina que tomamos e que é necessário para nossa sobrevivência e de toda a humanidade.Apesar de parecer absurdo no meu ponto de vista é necessário,mais ressalto que me dói ver um animal ter que muitas vezes perder a vida em testes.

 

Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/2013_10_24/photo-Beagles-usados-como-cobaias-levantam-debate-sobre-testes-em-animais-no-Brasil-4166/


 

Por Ayla Karine Fortunato
em 16 de Janeiro de 2014 às 13:13.

Como a maioria das doenças humanas não ocorre em animais não humanos, os seus sintomas são simulados. Os sintomas artificialmente induzidos não têm nada em comum com as doenças humanas . Aspectos importantes das origens dos distúrbios, tais como dieta, hábitos de vida, o consumo de drogas, as influências ambientais prejudiciais, estresse e fatores psicológicos e sociais, não são levados em consideração. Os resultados dos estudos que utilizam animais são, portanto, enganosos e irrelevantes.

Os estudos científicos estão cada vez mais lançando dúvidas sobre os benefícios de experiências com animais. Eles provam que os resultados dos testes em animais muitas vezes não se correlacionam com os conhecimentos obtidos a partir de seres humanos, e que esses ensaios não são suficientes para a aplicação clínica em humanos.

A questão do uso de animais vai muito alem da utilização dos mesmos para pesquisas, envolve também o uso de animais para a alimentação, entretenimento e vestuário.

Acredito que o primeiro passo para a mudança é também um desafio: sensibilizar consciências. Atentar todos sobre as consequências de seus atos, pois somente pessoas conscientes disso fazem a diferença em relação ao ambiente e aos animais.

 

http://www.anda.jor.br/05/11/2013/experimentos-animais-nao-sao-necessarios

 

 


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