Cevnautas da Ética, na nota de hoje a Profa Katia Rúbio faz uma exposição sobre Ética & Moral no esporte. Convido os especialistas a participar e ampliar o debate. É a isso que chamamos transfertilização das informações do Centro Esportivo Virtual. A informação circulando entre comunidades, Blogs, Leis, Bibliotecas e Bancos de Dados. Laércio.

Blog da Katia Rubio
Por dentro da Psicologia e dos Estudos Olímpicos

DAS UTOPIAS ÀS “ÉTICAS POSSÍVEIS”

Essa semana trabalhei com um texto sobre moralidade no esporte com a turma da pós-graduação. Turma boa essa desse ano! Como sempre uma mescla que, a depender dos textos e da condução da discussão, acaba por gerar ótimas idéias. Gente da história, da educação física, da medicina, da psicologia, da educação, enfim, aquela fauna que enche os olhos (e os ouvidos) de quem gosta de uma boa discussão.

O texto transitava entre a “mercadorização” do atleta (ou a condição de comoditie como alguns gostam de definir) e as novas moralidades que transitam no cenário dos valores olímpicos. Chamo de novas moralidades, e não de ética como alguns desejam, porque é evidente que são valores criados e desenvolvidos para atender a algumas demandas momentâneas da sociedade.

Melhor eu tentar ser mais clara. Há quem insista em afirmar que as regras do esporte são universais, daí a razão desse fenômeno ter se tornado globalizado. Ou ainda, que o fair play, ou a ética esportiva, é um desses valores indiscutíveis e tão natural quanto o amor materno ou a disposição infindável do professor para ensinar. Oras, se moral vem do latim mos, moris cujo significado é ‘maneira de se comportar regulada pelo uso’, derivando daí a palavra ‘costume’, ética vem do grego ethos, cujo significado é também ‘costume’. A semelhança etimológica, porém, não acompanha o sentido do emprego e da compreensão dos conceitos. Se a moral é o conjunto de regras de conduta admitidas por um grupo humano em determinada época, a ética é uma busca refletir a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral.

É possível afirmar que a moral além de ser coletiva, por se constituir em um conjunto de regras como determina o comportamento dos indivíduos em grupo, ela também tem um caráter individual, na medida que apenas pode ser afirmada como tal, pelo indivíduo, se for aceita como norma, constituindo-se como juízo interno. É a partir daí que se funda o conceito de liberdade. Ou seja, a moral constituída, aquela já construída e herdada de outras gerações, encontrada e admitida como pronta pelo membro de um grupo social, pode ser, diante das transformações por que passa esse mesmo grupo ao longo de sua existência, questionada e até transformada, caracterizando-se como moral constituinte, conjunto de valores advindos de vivências experimentadas.

Sendo assim, sempre que atitudes são tomadas envolvendo um julgamento para uma posterior ação, faz-se uso tanto do senso moral – expresso em sentimentos e ações – como da consciência moral – conjunto de exigências que orientam uma escolha –, que envolve análise e decisão, em um âmbito individual e também coletivo, e a responsabilidade para assumir as conseqüências dessas decisões. A consciência é o critério do valor moral dos atos.

Marilena Chaui afirma que se a moral nos organiza como sujeitos do conhecimento e da ação, tendo como princípio da humanização a racionalidade, a livre vontade e a vida em sociedade, a ética nos define como pessoas, diferenciando-nos das coisas. São os valores éticos que oferecem a expressão e a garantia de uma condição de sujeito. Por tanto, para que a pessoa possa existir ela deve ser consciente de si e dos outros, ser dotada de vontade, ser responsável e ser livre. Se por um lado a moral regula comportamentos ao mesmo tempo em que permite a livre aceitação das normas, a ética é normativa porque suas normas visam impor limites e controle ao risco permanente daquilo que impede ao humano exercer sua condição de pessoa.

Toda essa volta para chegar ao ponto: como justificar a traição ao princípio fundamental do esporte que é o direito à igualdade da competição utilizando como argumento o cumprimento das regras e do regulamento? Vou buscar 3 exemplos para trazer luz à discussão. O “jogo de equipes “ na fórmula 1 que deixou Barrichello e Massa algumas vezes fora do lugar mais alto do pódio, a medalha de prata de Robert Scheidt em Sydney quando britânico literalmente roubou-lhe o vento e na última semana a derrota do vôlei masculino no campeonato mundial.

Em todos esses casos as regras foram obedecidas, o que não quer dizer necessariamente que foram competições éticas, nem moralmente aceitáveis, posto que a liberdade dos atletas envolvidos foi violada.

Voltando ao cenário da aula, para minha surpresa, vi vários alunos defendendo essas posições argumentando que afinal, a regra não foi violada. De fato não o foi, mas, caso eu não os estimulasse a pensar então sobre a regra, os outros valores envolvidos nessa questão teriam sido desprezados.

Por fim, o que ficou dessa aula e da discussão no geral, é o quanto a filosofia faz falta em nossos currículos escolares. O quanto nos falta discussão crítica sobre as pequenas e grandes coisas que envolvem nossa existência como indivíduos e como seres em sociedade e que se não adotarmos estratégias de reflexão sobre a “naturalidade” daquilo que a sociedade nos apresenta a utopia não passará de um verbete no dicionário.

Por katiarubio
em 8-10-2010, às 11:12

1 comentário. Deixe o seu

Professora, excelente post! Viramos uma sociedade amoral, imoral, anética ou antiética? Duas outras observações: 1) é possível construir essa visão do esporte que obedece padrões de princípios ao mesmo tempo em que se submete-se o mesmo à lógica negocial (que atende interesses próprios)? 2)A imprensa e os jornalistas que criticam a postura do Massa deixar passar o Alonso não são os mesmos que se deliciam com gols de mão? Abraços e admiração eterna, do aluno, Cassiano

Por Cassiano Gobbet
em 8-10-2010, às 14:27.

Fonte: http://blog.cev.org.br/katiarubio/

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