Coluna publicada em coluna da revista Época
Tirando o pequeno "deslize" um interessante depoimento e reflexão.
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Por
Marco Machado
em 11 de Setembro de 2010 às 16:22.
Repórter de ÉPOCA, escreve às quintas-feiras sobre a busca da boa forma física
Confesso que ando um tanto nostálgica. Folheando o cardápio das novidades do fitness, sinto falta de um tipo de serviço que não encontro mais nesta cidade. Cadê aquele professor que cuidava dos alunos, como se fosse seu rebanho, para que fizessem a coisa certa do jeito certo e na medida certa?
Conheci uma figura rara dessas na minha cidade natal, no interior de São Paulo, no século passado. O Zé. Mesmo naquela época ele já era uma raridade ali. Era professor de ginástica havia anos, e durante anos trabalhou do mesmo jeito, no mesmo lugar. Ele já era um coroa, comparado com qualquer professor de academia grande. Um coroa enxuto, sarado, bronzeado... e ranzinza. Seu método era antigo e não tinha nada que estivesse na moda. Até as músicas que ele tocava nas aulas eram sempre as mesmas (ainda em discos de vinil). Mas ele tinha clientes fieis.
Em vez de uma academia como as que conhecemos hoje, o Zé tinha um galpão. Ou melhor, alugava um galpão, que era nada mais que uma sala grande com piso de tábua de madeira envernizada, com uma barra daquelas de balé e uma parede forrada com espelho, além de um banheiro masculino e outro feminino e um banco de madeira. De equipamentos, não tinha quase nada. Eram apenas duas bicicletas estacionárias antigas, manuais (não movidas a eletricidade), que alguns alunos usavam quando estavam com algum impedimento para correr. O normal era aquecer o corpo antes da aula correndo em círculos dentro do galpão.
Os materiais de aula eram os mais tradicionais: alteres de ferro (sem revestimento emborrachado), bastões de madeira, barras de ferro, colchonetes e caneleiras (que, aliás, eram as alunas que tinham de limpar no fim da aula, com Perfex e álcool).
A academia do Zé era o Zé. Não só porque levava o nome dele, mas porque ele era a única pessoa ali mesmo. Ele fazia tudo. Até a faxina. O suor que os alunos derramavam no piso de madeira era enxugado pelo próprio Zé ao final de cada aula, com um pano de chão. Para facilitar e economizar, ele morava na edícula nos fundos do galpão.
Sua academia resumia-se a sua aula. Eram cinco ou seis aulas por dia, metade de manhã e metade no fim do dia, sempre lotadas, de segunda a sexta. As turmas eram sempre as mesmas em cada horário. A primeira, às 6h30 da manhã, era frequentada por mulheres acima dos 35 anos que entravam cedo no trabalho. Mais à noite, o público era menos feminino.
Os alunos mais assíduos gostavam de malhar todos os dias. Em se tratando das aulas do Zé, isso fazia muito sentido e não tinha nada de exagero. Às segundas, quartas e sextas, o Zé dava uma aula puxada de condicionamento físico, que trabalhava todos os grupos musculares equilibradamente. Todo mundo saía ensopado, cansado e satisfeito. Às terças e quintas, a aula era mais suave, com bastante alongamento e alguns exercícios na barra de balé.
Eu já disse que o Zé era ranzinza? Ele não estava ali para agradar ninguém. Não fazia questão nenhuma de ser simpático. Ele estava focado em fazer aquela gente se exercitar para ter saúde e um corpão bonito – ou pelo menos magro. Era seguro do seu conhecimento e simplesmente se impunha. Não hesitava em puxar a orelha de quem estivesse acima do peso, com dicas de alimentação, e estava sempre de olho na técnica de execução dos exercícios. Não deixava passar um erro sem chamar atenção do aluno desatento.
É claro que o pessoal achava ruim esse mau humor logo de manhã, mas a maioria continuava indo às aulas e renovando a matrícula, porque a técnica do Zé funcionava muito bem. As pessoas ficavam em forma e raramente se machucavam. Eu diria que é porque o Zé cuidava dos alunos. Se alguém faltava, ele percebia. Se alguém aparecia lesionado, ele propunha adaptações. Se alguém estava com preguiça, ele dava alternativas, mas jamais abandonava o aluno. E é disso que eu sinto falta nas academias modernas. De um professor que saiba tudo que está acontecendo com seus alunos e cuide deles.
Talvez essa cultura do mestre sabedor de todas as coisas cuidando de seu rebanho ainda sobreviva nas escolas de artes marciais de bairro ou em academias pequenas no interior. Alguns de vocês devem saber melhor do que eu. Aqui na cidade grande e moderna em que eu vivo, nas academias high-tech que já frequentei, o mais comum é receber na entrada a grade de horários com um cardápio repleto de opções de atividades, horários e professores que cuidarão de mim apenas parcialmente. Se eu escolher uma aula que acontece duas vezes por semana, o professor dessa aula não saberá e não se importará com o que eu faço nos outros dias. Se a academia mudar a grade de horários no mês seguinte ou se o professor que montava meu treino for embora, ninguém virá me perguntar o que eu farei dali para frente.
Leitores comentaram na coluna da semana passada que também se sentem mal atendidos na academia por profissionais desinteressados, e que a única maneira de ser bem cuidado seria contratar um personal trainer. Eu acho isso muito triste. Até entendo que a motivação para trabalhar numa academia grande não seja muito forte, já que essa rapaziada começa a fazer estágio por um salário miserável e só começa a ganhar dinheiro quando consegue alunos para aulas particulares. Mas quem escolheu trabalhar como educador físico deveria estar verdadeiramente interessado em mudar alguma coisa na nossa realidade obesa e sedentária, não? Por que não vão atrás de montar turmas fieis de alunos bem cuidados?
No meu ver, os jovens e mal pagos professores de academia estão desperdiçando a oportunidade de arrebanhar seguidores e de fazer seu nome em cima da qualidade e do resultado duradouro para um grupo maior de pessoas. Estão preferindo se proteger sob o nome de marcas fortalecidas em vez de fortalecer o próprio legado. Será que assim conseguem mudar alguma coisa?
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