Valor equivale ao gasto com reforma de postos de saúde de SP no período; 1/4 da verba é defendida por vereadores

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Bruno Paes Manso e Diego Zanchetta



Depois de quase um século sobrevivendo da iniciativa dos próprios boleiros, o futebol de várzea foi abraçado pela Prefeitura e por vereadores e ganhou destaque em investimentos públicos. Foram gastos cerca de R$ 80 milhões desde 2007, suficientes para reformar mais de 300 campos - de 461 com dimensões oficiais em São Paulo. De emendas de vereadores, veio R$ 1 de cada R$ 4 empenhados. O valor é quase o mesmo que foi desembolsado para reforma de postos de saúde nesse período (R$ 89 milhões).

O plano da Secretaria Municipal de Esportes é que a cidade tenha 622 campos de várzea até o próximo ano. A Prefeitura ainda busca apoio de vereadores e deputados para construir quatro estádios para 5 mil pessoas nos extremos do Município - o estádio do Itaim Paulista já conta com duas emendas de parlamentares que somam R$ 1,2 milhão. "Ficamos 30 anos sem investir no futebol amador e por isso precisamos dar um salto e recuperar o tempo perdido. O futebol faz parte da alma popular e o poder público deve olhar o setor com carinho", defende o secretário Walter Feldman. 

Dentro do pacotão de reformas do futebol de várzea, os campos foram cercados com alambrados, ganharam vestiários, dois sanitários e passaram a ser coordenados por diretorias formadas por líderes de bairro - parte ligada a vereadores. Com essa medida, se transformam em Clubes Desportivos da Comunidade (CDCs). Além disso, foram iluminados 61 equipamentos e 16 deles ganharam gramado sintético.

Os vereadores já contribuíram com 44 emendas. Considerando as 24 deste ano, a reforma de campos atinge hoje 7,7% da verba liberada em emendas pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) - R$ 8,7 milhões de um total de R$ 110 milhões. Conforme relatam parlamentares, o sucesso da iniciativa deve-se ao empenho pessoal de colegas que fazem o lobby do futebol nos gabinetes, apresentando uma continha bastante convincente: se no campo reformado forem organizados nove turnos de partidas, ao longo de 22 dias por mês, conseguem pelo menos 3 mil votos.

Eleitores em potencial, por sinal, se for contar só os participantes de futebol de várzea na cidade, não faltam. São 480 equipes disputando o Campeonato de Futebol Amador promovido pela Prefeitura, mais 800 nos Jogos da Cidade - quase 30 mil jogadores. Ainda há cerca de 100 mil crianças que disputam campeonatos em categorias como fraldinha (6 e 7 anos), mamadeira (8 e 9), pré-mirim, mirim (11 a 13) e infantil (13 a 15). 

Alguns líderes comunitários, contudo, reclamam que atualmente só conseguem melhorias quando se comprometem com parlamentares. O presidente da Associação Amigos do Jardim São Francisco, Manoel Gomes Carvalho, na zona sul, administra uma creche para 90 crianças e luta pela cobertura de uma quadra desde 2004. Continua esperando. "O problema é que eu não fecho com vereador", lamenta. 

O campo do CDC Maria Caetano, na zona sul, foi contemplado com uma reforma de R$ 147 mil . Ficou fechado por seis meses. Fizeram o alambrado, mas não reformaram o vestiário e o banheiro prometidos. O diretor também diz que "faltou fechar com o vereador da região". "Os que fecharam ganharam até grama sintética."

Para Prefeitura, grama fica até 40% mais cara

Há quem alegue risco de não receber e outros admitem que é ’porque vão pagar de todo jeito’

BRUNO PAES MANSO e DIEGO ZANCHETTA


http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091011/not_imp449036,0.php

O valor de referência da grama sintética adotado em licitações pela Prefeitura de São Paulo, de R$ 75,30 o m², é bem superior ao cobrado de particulares por líderes no mercado do segmento. Em orçamentos feitos em três empresas pelo Estado, foram apresentadas as mesmas dimensões do campo e o tipo de gramado e de alambrado aplicados na reforma do Clube Desportivo da Comunidade (CDC) Jorge Tibiriçá, na Vila Mariana, que teve custo de R$ 380,7 mil só para a instalação da grama - a reforma geral, com iluminação e vestiários novos, custou R$ 1 milhão. Nas estimativas de preços apresentadas à reportagem, o preço do m² da grama variou entre R$ 45 e R$ 62. Ao todo, são 12 as grandes empresas de instalação de grama artificial no País - e que participam de concorrências públicas.

Uma das empresas consultadas pela reportagem, de Bragança Paulista, por exemplo, ofereceu a mesma instalação de grama que custou R$ 380,7 mil para o governo por R$ 298,3 mil ao Estado. A empresa recebeu as mesmas especificações que constaram no edital da licitação municipal. O orçamento foi feito para um campo de 5.056 m², com grama de 6,2 centímetros de altura, 55 milímetros de espessura e sistema de drenagem com massa asfáltica e calhas por baixo da grama - exatamente como prevê a reforma em andamento no campo usado pelo clube de várzea conhecido como Portuguesinha da Vila Mariana, obra indicada por emenda liberada pelo governo para o vereador Dalton Silvano (PSDB), que mantém reduto eleitoral no futebol de várzea.

A reportagem questionou as empresas pelo fato de em licitações o metro quadrado de grama ser mais caro. A explicação de duas delas foi de que para o poder público tem de ser embutido no custo os riscos de paralisação na obra por falta de repasses do governo. O gerente de uma delas, entretanto, chegou a dizer que "do governo a gente tem sempre de cobrar mais caro, porque vão pagar de todo jeito".

Sobre o fato de a grama da Vila Mariana sair por um preço superior ao cobrado de uma empresa particular, o vereador Silvano afirma duvidar que o material levado para uma chácara seja o mesmo oferecido à Prefeitura. "Eles têm de cumprir as especificações do material que constam no edital. A grama é um tapete", argumentou o tucano.

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