Segunda-Feira, 08 de Março de 2010 | Versão Impressa | O Estado de S. Paulo
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Manuel Sérgio Vieira e Cunha: filósofo português
Entrevista com professor de José Mourinho. Sem nunca ter jogado bola, ele ’fez a cabeça’ do técnico e é considerado por muitos treinadores como um grande mentor
Paulo Favero
Em um certo momento da vida, os caminhos do técnico José Mourinho e do filósofo português Manuel Sérgio se encontraram. Um era um jovem rapaz de apenas 18 anos, começando a faculdade de Educação Física. O outro, um professor que questionava os preceitos básicos do curso e colocava dúvidas na cabeça dos alunos, coisa que um bom docente costuma fazer. Depois da universidade, cada um seguiu seu caminho.
Mourinho virou um dos treinadores mais bem pagos do mundo. Conquistou a Copa dos Campeões pelo Porto e os títulos nacionais em Portugal, na Inglaterra pelo Chelsea e na Itália com a Internazionale. E nunca se esqueceu dos ensinamentos e lições que teve. "Ele sempre me diz que eu fiz a cabeça dele", explica Manuel Sérgio Vieira e Cunha, que é reconhecido por muitos treinadores como um grande mentor.
Aos 76 anos, ele garante que nunca jogou bola. "Só na brincadeira", conta. Mas a paixão pelo futebol começou cedo, e principalmente pelo viés acadêmico. Ele costuma conversar com muitos técnicos, dá indicação de bibliografia e é fã confesso de Luiz Felipe Scolari. Para ele, Felipão reúne todas as condições de um vencedor. "São três características para ser um grande treinador: ser líder, saber ler o jogo e saber comunicar para motivar", explica o filósofo.
Como você conheceu o José Mourinho?
Eu dava aula de Filosofia das Atividades Corporais em 1981 e ele foi meu aluno. Na época diziam: para ter saúde, corra! Então eu falei que o professor de educação física é um especialista em humanidade. Até hoje o Mourinho diz que eu fiz a cabeça dele. Mostrei que não é só o corpo que está em questão, é a mente. Isso mexeu com ele. Mas eu nunca lhe ensinei futebol.
Você ainda mantém contato com ele?
Agora nos falamos pouco, mas antes tínhamos um contato semanal. Há uma coisa que eu dizia e ele aprendeu: é o homem que se é que triunfa no treinador que pode ser. Ele é muito esperto. O que eu tinha de fazer, já fiz. E estou satisfeito por isso.
O que vocês conversam?
O Mourinho leu a minha obra. Na última vez em que nos encontramos, ele comentou que o futebol italiano era o mais complicado. Nas nossas conversas, abordamos vários assuntos. Não falando estritamente de futebol, eu falo de futebol. Houve um tempo em que a Educação Física acentuava muito o físico. Mostrei que ali não era o físico, era uma pessoa em movimento. Para saber de esporte, tem de saber mais do que simplesmente o esporte. Não é uma atividade física, é humana.
Você também conversa com outros treinadores?
Eu tenho contato com o Carlos Queiroz (técnico de Portugal), José Peseiro (treinador da Arábia Saudita), Jorge Jesus (comandante do Benfica). Outro dia, o próprio Jorge Jesus me perguntou como faria para saber se a metodologia que ele estava usando era correta. Eu fui buscar no Paul Feyerabend (autor do livro Contra o Método), que diz que tudo vale.
Como a filosofia pode ajudar a pensar o futebol?
A filosofia quer dizer que nada deixa de ser suscetível ao questionamento. Os governos não têm medo de quem faz esporte, têm medo de quem pensa. A filosofia quer chamar a atenção mostrando que o esporte serve para fazer homens, cidadãos.
Dá para explicar essa paixão mundial pelo futebol?
É um jogo com os pés, que nos aproxima mais dos animais. Não é por acaso que o Eusébio era chamado de pantera, o Ardiles era conhecido como o formiguinha, o Edmundo era o animal...
Você também é um crítico da educação física tradicional...
Não há educação física. Essa expressão só aparece com a divisão do ser humano em duas partes. Ninguém contesta o físico, o que se contesta é que sejamos tão físicos. Acho que temos de olhar para o esporte como uma ciência humana.
Como assim?
O primeiro fator de saúde é que a vida precisa ter sentido para nós. Não falo que correr faz mal, mas é preciso ser feliz. Estamos em um tempo que tudo passa depressa e que é para ser consumido. Temos de acreditar em valores para humanizar a vida.
Quais valores?
O futebol é uma mentira, não tem nada de educativo. Um salário como o do Cristiano Ronaldo é um atentado contra milhões de pessoas que não têm nada. No fundo, o futebol deve educar e quando critico um determinado tipo de futebol é porque acredito no esporte. Temos de politizar a prática esportiva e isso tem de aparecer na educação.
O que você achou da escolha do Brasil para ser sede da Copa do Mundo em 2014?
Todos os brasileiros têm de entender que a Copa do Mundo vem ao Brasil porque o esporte é o desenvolvimento do ser humano como um todo. E é evidente que o Mundial traz prestígio para o Brasil. O futebol é o artigo de mais luxo que o País exporta.
Para concluir, quem será o campeão na África do Sul?
O Brasil é, contra qualquer país do mundo, favorito. E não digo mais nada.
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