Cevnautas, vamos fazer as contas também na longeva(sic) administração do Comitê Olímpico Brasileiro? Laércio

14-3-2013,
Como é possível afastar as mulheres da “decisão olímpica”?
Maria José Carvalho
Docente Universitária e Advogada

Em 1789, a Assembleia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou pela primeira vez uma declaração solene acerca dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, denominada “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”, que constituiu fonte inspiradora das ulteriores constituições francesas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pelas Nações Unidas em 1948.

Recupero este momento histórico para salientar que Olympes de Gouges, francesa, feminista, revolucionária, historiadora, escritora e autora de peças de teatro, não se confortando com a predita Declaração, dois anos depois, em 1791, elaborou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã e apresentou-a à Assembleia Nacional. Contudo, tal documento, apesar de ter imortalizado a sua autora, cuja coragem passou a ser apelidada de loucura e heresia, foi completamente ignorado politicamente. Destino trágico ditou a vida desta mulher que morreu guilhotinada em Paris, em 1793, ano em que as associações de mulheres foram proibidas na França.

Na verdade, a história da luta das mulheres pela sua liberdade, pelos seus direitos e pela sua dignidade é bem antiga e escorada em participações individuais e coletivas que, incompreensivelmente, continuam a implicar a morte e a prisão de mulheres por esse mundo fora.

Entre nós, tem sido prolixa a interdição de direitos fundamentais às mulheres ao longo dos tempos. Frequentemente, é relembrada a tenacidade de Carolina Beatriz Ângelo, a primeira médica cirurgiã que em 1911, invocando argumentos legítimos para ser incluída no recenseamento eleitoral, ser viúva, com uma filha e consequentemente chefe de família, apresentou um requerimento ao presidente da comissão recenseadora no sentido de o seu nome «ser incluído no novo recenseamento eleitoral, pretensão indeferida e que só obteve sucesso em ulterior ação judicial. Contudo, logo o legislador se apressou em mudar o regulamento eleitoral explicitando o sexo masculino como condição para votar.

Muitas outras limitações se apuseram às mulheres nas décadas seguintes e não apenas no respeitante ao direito de votar, em estrita obediência ao que o regime ditatorial pugnava: o artigo 5.º da Constituição de 1933, ao estabelecer os princípios da igualdade dos cidadãos perante a lei, acrescentava “salvos, quanto à mulher as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família”.

Hodiernamente, não é pela via legal que se interdita a participação das mulheres nos diversificados domínios de intervenção social; bem pelo contrário, quer as disposições constitucionais, quer as da legislação avulsa propugnam pela igualdade de direitos entre os sexos e pelo combate às discriminações em função do sexo. Contudo deparamo-nos com atitudes e comportamentos sociais que continuam a postergar e a discriminar frequentemente as mulheres.

Destarte, as circunstâncias factuais sentidas e narradas por muitas mulheres e raparigas do nosso país demonstram que muito caminho ainda há a percorrer para que a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres aposta na via legal seja efetivada e, consequentemente, vivenciada no dia a dia.

É sabido que os processos culturais e o enraizamento das conceções e perspetivas de vida social não são facilmente modificáveis e reclamam, por vezes, várias gerações para se vislumbrar efetivas modificações comportamentais.

Porém, em pleno século XXI, já não é de todo compreensível e aceitável que se perspetivem projetos sociais sem contar com o contributo e o saber das mulheres portuguesas. Daí considerarmos que o desprezo absoluto pela integração  das mulheres numa lista para os órgão sociais de uma organização desportiva não é uma “questão marginal”, e é uma prova discriminatória e um sinal de desequilíbrio acentuado quanto às politicas e ao funcionamento que se quer para a dita organização e, consequentemente, para o desporto nacional.

Dezoito homens integram a lista liderada por Manuel Marques da Silva para a eleição deste mês com vista à liderança do Comité Olímpico de Portugal – comissão executiva: 1 presidente, 5 vice-presidentes, 1 secretário geral, 1 tesoureiro, 7 vogais; conselho fiscal: 1 presidente, 1 secretário, 1 relator. Não me movem reparos negativos de ordem pessoal relativamente a qualquer integrante desta lista. Movem-me apenas posturas e pensamentos redutores e ilustrativos de discriminações intoleráveis. Move-me a convicção eleitoral absolutamente repugnável de olvidar por completo as mulheres da intervenção decisória e da liderança do desporto nacional, ainda por cima quando o argumento chave apontado é “as mulheres não têm tempo, nem disponibilidade para as funções dirigentes” e é considerada uma questão “redundante e que não tem grande importância”.

Como poderão as praticantes desportivas (mais de 40% da delegação olímpica de Londres 2012), as dirigentes, as treinadoras, as árbitras/juízas e restantes agentes desportivos integrantes do desporto nacional e do desporto olímpico rever-se numa lista que oblitera a representatividade feminina e a sua participação nas políticas e programas que lhes dizem respeito, assim como na contribuição para um melhor desporto nacional?

Como poderá uma candidatura aos órgãos dirigentes de uma organização da cúpula desportiva nacional ser referencial ético e organizativo para as demais entidades desportivas (federações, associações e clubes) se ela própria aniquila princípios basilares de coexistência e de paridade entre homens e mulheres?

 Como poderá tal lista ser depositária da confiança das federações olímpicas e não olímpicas e do restante colégio eleitoral, se os que se arvoram em presidir aos desígnios do COP fazem tábua rasa das Resoluções das Conferências Mundiais do Comité Olímpico Internacional sobre Mulheres e Desporto? Como é consabido, já desde a primeira destas conferências (1996) que é reconhecido que “o ideal olímpico só pode ser completamente atingido com a igualdade entre os sexos e com a aplicação deste principio no seio do Movimento Olímpico”. Daí que tanto na Conferência de 2000, como na de 2004 tenham sido fixadas metas de 20% de representação de mulheres nos postos de decisão das organizações desportivas até ao ano de 2005.

 Se para muitos os ditos 20% ainda são muito insuficientes para a igualdade de oportunidades que se deseja, como poderemos, em 2013, pactuar com retrocessos brutais no que respeita ao desenvolvimento e aos direitos humanos no desporto nacional?

FONTE: http://www.oprimeirodejaneiro.pt/opj/diarias.asp?idioma=item_lingua1&cfg=0&item=3900&cat=Opinião

Comentários

Por Roberto Affonso Pimentel
em 15 de Março de 2013 às 09:30.

Parabéns uma vez mais, Laércio, pela lembrança em colocar este aspecto em discussão - ou seria melhor, denúncia? - para alertar nossos dirigentes sobre o papel da mulher nos desportos.

Estarei atento por alguns dias a este respeito em uma tentativa de verificar, principalmente no COB, como se conduzem neste particular. Não desprezando, é claro, outras instituições do desporto no Brasil. A partir da presidência da República e das muitas auxiliares diretas, creio que seria um bom indício para alavancar a participação feminina na concepção de políticas de igualdade e direitos, não só do poder Executivo, mas também dos demais poderes.

Estou agendando um encontro com o presidente do COB, possivelmente para a próxima semana, por motivo de seu 71º aniversário e presenteá-lo com um volume da História do Voleibol no Brasil, uma homenagem à sua decisiva participação. Aproveitarei para tocar no assunto sobre a participação das mulheres. 


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