Cevnautas, segue notícia da Agência USP sobre a dissertação Mulheres no pódio: as histórias de vida das primeiras medalhistas olímpicas brasileiras, de paulo nascimento. laercio

Medalhas femininas de Atlanta foram mais do que conquistas
Por Bruna Romão - bruna.romao.silva@usp.br
Publicado em 22/agosto/2012 | Editoria : Esporte e Lazer | Imprimir Imprimir |
As medalhistas de 1996 são consideradas modelo para gerações seguintes de atletas

As primeiras atletas com o uniforme do Brasil a subirem ao pódio dos Jogos Olímpicos, em 1996 em Atlanta (EUA), representaram uma grande mudança para o status da mulher no esporte brasileiro. Em 64 anos de participação nas Olimpíadas, nenhuma brasileira havia ainda conquistado qualquer medalha. Com o feito inédito, as esportistas marcaram a criação de um referencial de excelência feminina que serviu de exemplo para gerações seguintes. Mais do que isso, como constatou o historiador Paulo Nascimento, essas mulheres contribuíram para que, no Brasil, o sexo feminino também fosse considerado digno da prática esportiva, indo de encontro a um preconceito de longa data existente no País.

“Elas conseguiram desbravar um espaço que até então era predominantemente masculino. Enfrentaram o preconceito e demais adversidades a partir da realidade com a qual estavam envolvidas e tornaram-se referência de excelência não apenas no esporte feminino, mas para a sociedade brasileira”, conta.

Na dissertação de mestrado Mulheres no pódio: as histórias de vida das primeiras medalhistas olímpicas brasileiras, Nascimento reuniu as biografias e depoimentos de seis das 28 brasileiras que subiram ao pódio (4 do vôlei de praia – ouro e prata -, 12 no vôlei e 12 no basquete). Para a pesquisa, desenvolvida junto ao Grupo de Estudos Olímpicos da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP, foram entrevistadas duas esportistas de cada uma das modalidades que subiram ao pódio: Jacqueline e Sandra, do vôlei de praia (ouro); Paula e Hortência, do basquete (prata); e Ana Moser e Ida, do vôlei de quadra (bronze). O objetivo era analisar e reunir os fatores que contribuíram para a conquista das primeiras medalhas femininas do Brasil nas Olimpíadas mais de meio século depois da estreia de uma brasileira nos jogos, em 1932.

Um novo referencial
O fator em comum que mais se sobressaiu entre estas atletas foi a postura de enfrentamento a um referencial completamente masculino e machista para a prática esportiva, a dissociação de valores como força e valentia como exclusivo aos homens, e um empoderamento que permitiu que lidassem não apenas com as cobranças, mas também com o preconceito contra o sexo feminino, considerado fraco ou frágil. “Isso singulariza esse grupo, pois desbravaram um caminho e alcançaram um lugar até então não ocupado”, comenta.

Estas mulheres reconhceram o preconceito e o identificarem em situações como a diferença salarial, gratificações e o tratamento recebido pelas equipes masculinas e femininas. Entre as histórias contadas há até mesmo menção a viagens das duas equipes, em que a masculina ia de avião e a feminina viajava de ônibus para o mesmo local. Atletas de gerações anteriores dificilmente relatam as dificuldades de suas carreiras relacionando-as com obstáculos impostos pela visão machista que permeava o esporte.

Apesar desta postura combativa, nenhuma dessas atletas estava envolvida com o movimento feminista, como aconteceu em outros países. “Mas isso não quer dizer que eram alienadas. O fato de ingressarem em um lugar que era por excelência masculino não deixa de ser uma prática de feminismo.”

Ao enfrentar esses desafios e preconceitos, elas criaram um referencial próprio para o esporte feminino, o qual passou a ser almejado pelas gerações seguintes. Nascimento relata que, frequentemente, em entrevistas para o Grupo de Estudos Olímpicos, esportistas mais jovens citam o grupo de medalhistas de 1996 como modelo a seguir.

Entre os elementos em comum, todas as atletas começaram a praticar esportes na infância, época em que a prática de algumas modalidades por mulheres era proibida por uma lei de 1941 e  que vigorou até o final da década de 1970. A necessidade de deslocamento, ou da periferia ou de cidades pequenas, até os centros onde se concentravam as instalações de treinamento, também é outro fator em comum.

Novos campos de desbravamento
Nos dias atuais, o esporte feminino no Brasil assume feições bastante diferentes. O número de atletas e medalhas de mulheres é tão significativo quanto o masculino. Em 2012, nas Olimpíadas de Londres, foram enviados aos jogos 135 homens e 122 mulheres. Das 17 medalhas conquistadas, 6 foram em modalidades femininas. Porém, Nascimento ressalta que o desbravamento daquelas que subiram ao pódio em 1996 continua, mas agora fora das quadras: no gerenciamento e administração do esporte brasileiro, ambientes em que todas as entrevistadas atualmente.

Este novo espaço também costuma ser ocupado majoritariamente por homens e possui um padrão de excelência diretamente associado a eles. Assim, para o pesquisador, o desafio atual é parecido ao que elas enfrentaram no passado, cada uma em sua modalidade: não apenas adentrar este espaço, mas mostrar que têm capacidade de exercerem estas funções, a seu próprio modo, “sem que o fato de elas serem mulheres necessariamente enalteça ou corrompa suas carreiras e os espaços que elas ocupam”.

Comentários

Por Roberto Affonso Pimentel
em 24 de Agosto de 2012 às 09:41.

Esta visão muito bem defendida pelo autor tem várias facetas. Embora não tenha lido na íntegra, vivenciei esses tempos e não creio que a coisa tenha sido tão épica e sofrida somente pelas mulheres. Mesmo porque as entrevistas resumem-se a poucos indivíduos e é generalizada. Além disso, seria racional que se ouvisse a outra parte - os dirigentes, técnicos e outros agentes machistas. Outro aspecto que perturbava (e deve ser atual) refere-se à sexualidade, um tabu muito bem escondido de todos e convenientemente comentado. E o assédio não era exclusivo dos homens.

Uma das atletas citadas rebelou-se em época de treinamento de seleção brasileira (indoor) - vestiu a camisa de treino pelo avesso -  porque não recebia dinheiro dos patrocinadores da CBV. Foi dispensada. Na mesma época, um atleta masculino da seleção juvenil brasileira quando do mundial da categoria teve negada sua participação em jogo de sua equipe pelo campeonato carioca, rebelou-se e atuou pela equipe. Foi dispensado. Na praia, reclamava de premiação destinada a homens e mulheres porque estas recebiam menos (nunca entendeu as justificativas de que também atuavam menos). Ao se classificar por méritos para as Olimpíadas de 96, a dupla recebeu todo apoio e carinho da CBV. E, pasmem, as duas duplas deram muito trabalho ao gerente de praia da entidade que, na medida do possível, resolvia todas as suas vontades com paciência extrema.

Não creio que as gerações seguintes se pautem pelos exemplos, mas pelo dinheiro. Como na grande maioria dos desportistas que se realizaram subindo (ou não) ao pódio olímpico, a imprensa sempre colocou-os como heróis pelo feito e não pela dedicação e luta contra tantos moinhos de vento. Sem qualquer ajuda financeira revelam sua personalidade e dedicação, como atualmente as mulheres do Piauí e da Bahia, respectivamente no judô e no boxe. Enquanto isto, no voleibol, por exemplo, jorram rios de dinheiro para uma preparação de primeiro mundo.  

Enfim, fico com o antropólogo cultural e especialista em marketing francês Clotaire Rapaille (O Código Cultural) que nos oferece uma contribuição valiosa para entendermos a cultura de um povo. A noção inovadora do autor é que todos nós adquirimos um sistema silencioso de Códigos, que nos fazem brasileiros, americanos ou franceses e formatam invisivelmente a maneira como nos comportamos em nossa vida pessoal, mesmo quando desconhecemos os motivos de agirmos assim. Daí nos revela pistas escondidas para entendermos uns aos outros. Invariavelmente, há que saber interpretar um questionário e não seguir como verdadeiro o que foi dito ou escrito. Seu primeiro princípio é "Você não pode acreditar naquilo que as pessoas dizem". Imagino que as respostas das atletas ao questionário tenham sido ditadas pelo cérebro reptiliano, que comanda  os instintos humanos, e é responsável pelas necessidades fundamentais de sobrevivência, manutenção física, armazenamento de alimentos, dominação, asseio e acasalamento. Enquanto que no córtex cerebral, são controladas as funções do pensamento, dos movimentos voluntários, da fala, do raciocínio e da percepção. Qual dos dois estaria ativo nas entrevistas? E, percebam, não há mentiras no processo, apenas cabe a interpretação de quem fala: o córtex ou reptiliano?


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