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Bebeto de Freitas: "O esporte no Brasil é uma casca de ovo podre"
Ex-técnico da seleção de vôlei faz duras críticas à gestão esportiva no país por André Baibich 04/04/2015 | 16h02
Um dos sonhos de Bebeto de Freitas vai se transformar em realidade no ano que vem. Seu currículo extenso de conquistas no vôlei — como jogador e técnico — e a participação ativa no movimento olímpico desde 1968 o fazia ansiar pelo dia em que o Brasil sediaria uma edição dos Jogos Olímpicos. Mas agora que o feito está próximo, o sentimento é de decepção.
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O treinador da "geração de prata", a seleção masculina vice-campeã olímpica em 1984 e apontada como transformadora do vôlei brasileiro, tece críticas ácidas à organização do Rio-2016. O carioca de 65 anos — que também já atuou como dirigente no futebol (foi presidente do Botafogo e executivo do Atlético-MG) — não entende por que a desenvolvida Barra da Tijuca foi escolhida para receber as principais instalações da Olimpíada. Lembra que as cidades costumam aproveitar os Jogos para recuperar áreas degradadas.
Comitê Rio-2016 recebe 750 mil pedidos de ingressos em 24 horas O descontentamento não para por aí. Nesta entrevista a ZH, Bebeto dispara contra a gestão esportiva no Brasil e garante que, salvo algumas exceções, "não existe esporte de alto nível" no país.
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Você sempre adotou uma postura crítica em relação ao modo que o esporte é administrado no Brasil. Quais são os principais problemas que você vê? O mais estrondoso é a forma como é tratado o esporte no Brasil. Esse é o mais absurdo. Se a gente pegar, nos últimos 10 anos, todos os escândalos das federações e confederações, de contas que não batem, documentos e contratos ilegais... Existe uma forma de exercer o esporte no Brasil que é terceirizar. A forma que se encontrou para manipular o esporte no Brasil é terceirizando. O dinheiro vem do governo, eles pagam essas empresas, e o que acontece depois ninguém vai atrás para saber. Ficamos com o legado da dúvida, que é o grande legado do esporte no Brasil. Mas não acontece só agora. São problemas de mais de 30 anos. Eu dei uma entrevista em 1997, quando briguei de vez com o comando do vôlei brasileiro, em que faço uma acusação exatamente como a que foi feita agora na confederação (veja detalhes sobre o caso do vôlei abaixo da entrevista). Só que eu não tinha provas contundentes como temos agora. E ninguém nunca me respondeu nada.
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O Brasil tem investido muito no esporte de alto rendimento. Estamos perto de ser uma potência olímpica? Nunca nos faltou recursos. Só que eles nunca chegaram onde deveriam chegar. Só estamos nos preocupando agora porque temos uma Olimpíada no Brasil. Estamos vendo a quantidade de técnicos estrangeiros e atletas estrangeiros com naturalidade brasileira. Não somos um país olímpico e não podemos disfarçar isso. O que não significa que não possamos fazer a Olimpíada. O México, que não é uma potência esportiva, fez Olimpíada (na Cidade do México, em 1968). A Grécia também. Mas se você quer se tornar uma potência, isso tem de chegar na massa. Existem certas questões definitivas dentro de qualquer área: a quantidade gera qualidade. O Brasil tinha quantidade de jogadores de futebol porque você andava em qualquer praça e tinha campo de futebol aqui e ali. Esse crescimento nunca chegou ao nível que deveria chegar em outros esportes.
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Mas a repercussão de uma Olimpíada aqui não pode ajudar na massificação? Acho que vai gerar interesse. Mas você não faz uma Olimpíada, gastando o que está gastando, para despertar interesse. O ponto é técnico. A massa esportiva brasileira não tem condições de ser revelada. O Brasil trabalha com a elite. Os melhores são escolhidos, mas os melhores não praticam um esporte de alto nível. Não temos esporte de alto nível no Brasil, salvo alguns. Esses recursos teriam que entrar para a massificação desses esportes. Em cinco, seis, 10 anos, você teria uma geração de novos esportistas. Jogamos fora essa possibilidade em um país jovem e com carências de trabalho. A indústria esportiva é a única que cresceu nos momentos de crise mundial. Desde 1980, ela sempre cresce. Nós estamos gastando para fazer uma cobertura maravilhosa e ter uma garagem que é um lixo. O esporte no Brasil é uma casca de ovo. Um ovo lindo, branco, só que dentro ele está podre.
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Você acha que organizar a Olimpíada aqui foi um erro? Sempre dei a maior força para a Olimpíada. Sempre quis, principalmente no Rio de Janeiro, que é a minha cidade. Eu frequento o movimento olímpico desde 1968. É a primeira Olimpíada que vejo em que a estrutura foi montada no local mais valorizado da cidade. Existem áreas enormes degradadas no Rio. Em outras cidades-sede, todos aproveitaram para reconstruir essas áreas. Londres foi assim. Estive lá dois anos antes dos Jogos. Não dava para chegar ao local de metrô. Ali, hoje, o bairro foi recuperado, criaram transporte. Em 1984, fui a Seul, e eles já estavam escolhidos para ser sede em 1988. Passamos pelo rio que corta a cidade e parecia que você estava passando em um canal de esgoto. Quatro anos depois, aquilo tinha sido transformado em balneários. Em Barcelona, a região do porto era perigosíssima de andar. Mudou tudo. Quando o Rio se candidatou para 2004, o projeto era fazer tudo no Fundão. Acabar com a Favela da Maré, com o Alemão, toda a aquela parte degradada da cidade. Ali é uma zona que representa de 30% a 40% da população da cidade, que vive em palafita, em situação precária. Aí o governo tem dinheiro, vai fazer uma intervenção... e faz na Barra da Tijuca. A região com o maior número de licenças imobiliárias. É dinheiro botado fora, porque é um dinheiro que o setor privado já está investindo. Criaram uma superestrutura esportiva (o Parque Olímpico da Barra, foto acima) em um local onde a maior parte da população não chega, porque não tem transporte de massa. Vão fazer o BRT, mas é ônibus. Não venham me dizer que a Barra da Tijuca é o melhor lugar do Rio de Janeiro para se fazer uma Olimpíada. Que é o melhor lugar para se construir, não tenha dúvida. Mas não o que vai valorizar a cidade.
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Você mencionou os escândalos em federações e confederações. O que acontece para eles proliferarem? A Dilma disse há um tempo que a corrupção é uma senhora no Brasil. Eu diria que é uma anciã no esporte. Se você precisa da maioria mais um (de votos) para ser eleito presidente do vôlei brasileiro, você precisa de 14 votos. Só 14 votos que decidem quem vai ser o presidente. E isso serve para todos os esportes. Não fiquem surpreendidos no dia em que fizerem uma investigação no esporte como essa da Lava-Jato e descobrirem tudo que é tipo de coisa. O problema é que isso não vão fazer nunca, porque a primeira coisa que se faz é abafar. O que aconteceu com o vôlei, hoje ninguém lembra mais. Ninguém fala.
No caso do vôlei, alguns atletas se manifestaram e protestaram, mas nem sempre isso acontece. Por que?
O atleta é o mais fraco de todos, apesar de ser o mais forte de todos. Se eles decidirem dizer: "Queremos ver tudo que está acontecendo na confederação de vôlei (CBV) ou não jogamos mais", a coisa muda. Isso não acontece porque não existe legislação esportiva. Nos Estados Unidos, os atletas param a liga de basquete, de beisebol, de futebol americano. Lá, os esportes são comandados, dentro de seus limites de liberdade, pelos atletas. A maior lição que tive na vida no esporte foi com um empresário, que é o maior responsável pelo desenvolvimento do vôlei brasileiro, o Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha. Uma vez ele me deu uma bronca e disse: "Garoto, se você não tiver adversário, eu não tenho como te pagar". O que o Murilo e o Gustavo fizeram (protestaram contra a CBV) não foi acompanhado por outros. O Murilo se indignou dizendo que esse dinheiro iria para o vôlei. Eles têm toda a razão e direito de cobrar. Gostaria que todos entendessem que, o que eles estão cobrando, não é para eles. Eles são a exceção. Os recursos são tirados daqueles que não são o Murilo, o Carlão, o Giba, o Renan. Ao longo de 30 anos, imagina os recursos que deixaram de chegar aos atletas. Se eles entendessem isso, e parassem de vez, tudo mudava.
Os resultados do vôlei mascararam a real situação do esporte?
O vôlei é o esporte que mais ganha títulos no Brasil desde 1980. Todos diziam que era a confederação modelo. Sabe quantos times profissionais têm na confederação modelo? Dez. O Campeonato Brasileiro começava em dezembro e terminava em abril. Com Natal, Ano-Novo, Carnaval, Semana Santa no meio. Aí eu dizia: "vamos usar o exemplo do vôlei no futebol então. Começamos o Brasileiro em dezembro, terminamos em abril e no resto do ano é Seleção Brasileira". Ninguém critica porque os esportes são pequenos no Brasil. E aí, quando a seleção brasileira apresenta resultados, dizem que é do trabalho administrativo e não dos atletas. E quando você olha por trás do voleibol, não tem nada. O mesmo vale para várias outras modalidades. São os absurdos que os atletas não podem falar, se não nem são convocados para uma seleção.
Entenda o caso do vôlei
No ano passado, uma série de reportagens da ESPN revelou irregularidades em contratos da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). De acordo com o canal, a CBV pagava agências de marketing e de eventos pela "intermediação" dos contratos de patrocínio com o Banco do Brasil. As agências escolhidas eram de pessoas ligadas a Ary Graça, então presidente da entidade, e os pagamentos chegariam a cifras milionárias. A ESPN também citou supostos contratos superfaturados com escritórios de advocacia de amigos do dirigente.
Na época, vários atletas da seleção brasileira manifestaram indignação com o caso. O ponta Murilo, do Sesi-SP, chegou a cogitar de ir ao Ministério Público para que o órgão denunciasse os responsáveis. Graça, que hoje é presidente da Federação Internacional, nega as acusações.
* ZH Esportes Fonte com fotos e links: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/olimpiada/noticia/2015/04/bebeto-de-freitas-o-esporte-no-brasil-e-uma-casca-de-ovo-podre-4732579.html?utm_source=&utm_medium=&utm_campaign=
Comentários
Por
André Luiz Villares Monteiro
em 20 de Abril de 2015 às 16:20.
Eu concordo com o conteúdo do discurso do Bebeto de Freitas. Não tenho dúvidas de que muitos pontos apontados pelo treinador são extremamente válidos! Porém, suas ideias não alcançam o âmago da questão, professor. Perceba que o mesmo faz uma crítica falando que o "esporte no Brasil é uma casca de ovo podre", porém boa parte de seu discurso (senão todo!!) analisou apenas o esporte de alto desempenho! Ele apresenta críticas em relação ao local exato das Olímpiadas no RJ, fala contra a terceirização, fala contra falta de democracia nas federações, etc. Mas não podemos analisar o desporto no Brasil apenas analisando o esporte competitivo! E mais: é difícil (na minha modesta opinião) chegar à conclusão de que o esporte no país é uma casca de ovo podre, sem analisar o desporto como um todo! O quanto sofre o esporte escolar, o esporte não-formal, o esporte comunitário, etc. Sem falar em um esporte que alcance a tod@s, analisando apenas o esporte competitivo, a situação do desporto no Brasil nem é tão ruim! O problema se apresenta, de forma realmente dramática, é quando lidamos com o esporte de massa! Aí sim temos um quadro lastimável e que se não for contemplado em nossas análises, apresentaremos um quadro distorcido da realidade esportiva no país.
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