23/11/2014
Por Jorge Knijnik
Para Vitor Saba e toda a torcida sul-americana em Western Sydney
Que me desculpem meus queridos primos Buys, mas apesar do titulo, este não é um post sobre o Flamengo (ou ‘Flamingo’ como a gringada insiste em falar…). Perdoem-me também meus mais que amigos da família Canavello, mas este tampouco é um texto sobre o Leão do Norte, o glorioso Sport do Recife. Pedidos de perdão para o povo da grande Itu, mas este também não é um artigo sobre o ultimo campeão Paulista, o sensacional Ituano FC.
Escrevo para falar de outro time rubro-negro, o qual faz as suas estripulias esportivas na Australia. Filiada à Confederação Asiática de Futebol (AFC), a Australia ira sediar em janeiro próximo a Asian Cup (a copa América da região), cujo país campeão disputara a Copa das Confederações da FIFA na Rússia, em 2017. Em virtude desta afiliação com a AFC, os clubes campeões da Liga de Futebol Australiana (A-League) ganham vaga para disputar a Asian Champions League (ACL), a Libertadores da região asiática.
Enfim, este post é sobre o novo campeão de clubes da Ásia, o rubro-negro Western Sydney Wanderers FC, que acaba de ganhar o torneio ao vencer o Al-Hilal da Arábia Saudita por 1×0 no placar agregado dos jogos de ida e volta.
Mas qual a relevância deste titulo? Por que isso traria algum interesse para o leitor de língua portuguesa, onde quer que ele esteja no mundo?
Em primeiro lugar, vale ressaltar que, em razão das distancias geográficas, a ACL é o maior torneio continental entre clubes profissionais de futebol realizado no mundo. Envolve clubes provenientes de 14 países de regiões tão distintas como o Oriente Médio (Arabia Saudita, Bahrein, Emirados Arabes Unidos, Ira, Iraque, Kuwait, Oma, Catar), a Ásia Central ( o Uzbequistao, onde o Felipão já foi técnico!), o Extremo Oriente (China, Japão, Coreia do Sul), o Sudeste Asiático (Tailândia, Indonésia, Vietnã) e a Oceania (Australia). Imaginem a duração das viagens entre, por exemplo, os Emirados Árabes e uma cidade no interior da China, ou da Australia? Por isso que estes clubes somente se enfrentam na final – antes disso os clubes são agrupados geograficamente entre Leste e Oeste asiático.
O segundo motivo que faz deste torneio uma competição importante vem do fato que o campeão da ACL disputa a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, que este ano pela primeira vez será no Marrocos – sem nenhum clube brasileiro. Apesar de solenemente desprezados pelos times sul-americanos – os quais historicamente vêm ignorando seus adversários asiáticos e africanos e já se enxergam ‘por direito’ classificados para a final do torneio contra o campeão europeu – os clubes do terceiro mundo do futebol já pregaram varias peças nos campeões da Libertadores – como não param de se lembrar os gremistas e cruzeirenses!
Outro fator muito importante são os números que envolvem os clubes que pertencem a Confederação Asiática. Este é a região mais populosa do mundo (lembram-se da China e seus bilhões de habitantes?), cujos clubes representam milhões de pessoas – e também muitos milhões de dólares! Os clubes chineses, coreanos, japoneses e do Oriente Médio são riquíssimos, possuem donos bilionários, elencos milionários e técnicos cujo salario nominal compraria um time australiano inteiro.
Apenas estes motivos já são mais que suficientes para demonstrar a importância e a relevância da vitória do Wanderers FC – uma copa continental desta magnitude não é para os fracos.
Agora, se adicionarmos a todos estes fatores as circunstancias históricas e sociais do clube australiano, veremos que esta conquista foi de fato épica!
Apenas para contemplar o leitor distraído, ou a leitora de pouca memoria, relembro que o novo campeão asiático, o Western Sydney Wanderers FC surgiu apenas em 2012. Criado a partir de uma conjunção de fatos políticos, esportivos e sociais, o ‘novo clube mais antigo’ da Australia já nasceu com uma legião de torcedores fanáticos, na região que se autodeclara como o ‘coração do futebol Australiano’ – mais detalhes no meu post o novo clube mais antigo do futebol australiano publicado no ano passado aqui no ‘Historia(s) do Sport’.
Os ingredientes desta conquista homérica são deliciosos e certamente comporiam um belo documentário no mais belo estilo ‘David versus Golias’ esportivo: proveniente de um pais sem grandes tradições futebolísticas, um clube pequeno, com apenas dois anos de vida, com um orçamento limitado, tendo como ‘casa’ um estádio velho com capacidade para apenas 21.000 pessoas, campo o qual se vê obrigado a dividir com o clube de rúgbi da localidade; uma torcida apaixonada composta por imigrantes do mundo inteiro que são tratados com preconceito e mesmo discriminação pela elite e pela grande mídia local. Este time, sem nenhuma experiência internacional, e que mudou metade do elenco no meio da competição, este mesmo time que viajou centenas de horas e milhares de milhas ao redor do continente, vencendo nesta trajetória clubes tradicionais e altamente estruturados, repletos de petrodólares, verdadeiras superpotências continentais… Este é o rubro-negro Western Sydney Wanderers FC! Acho que um filminho cairia muito bem mesmo…
Depois deste ‘pequeno’ preambulo, vamos finalmente a historia deste titulo emocionante. Os 28 clubes finalistas[i] da ACL iniciaram a competição em Fevereiro deste ano, quando foram subdivididos em sete grupos com quatro clubes em cada, com jogos ida e volta entre todos os times do grupo; os dois melhores de cada grupo se classificavam para a próxima fase, juntamente com os dois clubes com a melhor campanha entre todos os grupos. Atingir a ‘fase dos 16’ (oitavas) era a primeira meta dos Wanderers.
A campanha do time não começou nada bem. Em uma noite chuvosa, ao final de fevereiro, o time perdeu em casa por 3×1 do Ulsan Hyundai, o campeão coreano, após iniciar ganhando o jogo com um gol ‘relâmpago’ do valoroso centroavante Santalab nos primeiros minutos da partida, depois de uma assistência divina da lenda japonesa Shinji Ono – o qual se viu forçado a deixar o clube logo depois de ajudar a garantir a classificação para as quartas de final, antes da pausa para a Copa do Mundo no Brasil.
Aquele jogo não foi marcado apenas pela derrota. A torcida fanática compareceu em peso, criando um lema que acabou se tornando uma marca da própria campanha vencedora (na foto acima, o ‘tifo’ do ‘Red and Black Block’ onde se le “não tema ninguém; conquiste a todos”). Entretanto, no meio da torcida houve pessoas soltando rojões e sinalizadores, o que aqui na Australia e na competição asiática é crime, que gera processo e multas para os ‘criminosos’, os quais também são banidos dos estádios por diversos anos. Além disso, o próprio clube dono da casa é multado. Depois desta rajada de rojões, houve uma grande caça as bruxas: os dirigentes do clube acusaram pesadamente a torcida organizada, a qual respondeu com protestos e greves; a grande mídia, alinhada com os outros ‘futebóis’ jogados na Australia (ver a guerra do futebol), aproveitou a brecha para detonar em suas paginas e programas de TV os ‘hooligans’ da região de Western Sydney. A coisa ficou feia.
Mas o time soube superar tudo isso. Disputando as rodadas finais do campeonato australiano aos finais de semana e durante a semana viajando dezenas de horas para a China, o Japão e a Coreia, o time foi aos poucos melhorando seus resultados, e no final de Abril terminou esta fase se classificando em primeiro no grupo, conquistando a vaga para as oitavas após devolver a derrota contra os coreanos na casa deles (Ulsan 0 x 2 Wanderers ), com mais três vitorias e somente uma derrota contra os japonese no Japão. Mesmo em atrito com os dirigentes, a torcida continuou apoiando efusivamente o time ao longo das noites que já ficavam mais frias no estádio de Parramatta, no coração de Western Sydney.
Um dos grandes responsáveis por esta recuperação, e pelo titulo, certamente é o técnico, Tony Poppovic. Um rapaz inteligente, estudioso do futebol, faz seu time jogar um futebol com um estilo defensivo e brigador. Não é um futebol vistoso, mas é muito eficiente, com lances eventuais de brilho coletivo.
Poppovic implantou uma politica de rotação de jogadores no interior do seu time que gera ótimos resultados – e muita polemica. Ele dificilmente repete o mesmo time em dois jogos seguidos, e tem por via de regra realizar ao menos duas, ou às vezes ate sete, modificações entre os ‘Wanderers’ que iniciaram uma partida e o time do jogo seguinte. Esperto, detalhista e sagaz, ele sabe o desgaste que jogos seguidos e viagens longas provocam nos seus jogadores; ele sempre quis chegar ao final da temporada com todo o elenco inteiro. Sua politica de rodizio seria impensável no Brasil – onde os caras jogam todos os jogos possíveis na temporada, viajam para cima e para baixo, não descansam, se arrebentam, e onde o técnico tem que manter os onze titulares aconteça o que acontecer – Poppovic descansa os seus jogadores o máximo possível. Acabou dando certo!
O restante da campanha do Wanderers foi sempre dramática, uma competição mata-mata com jogos decididos nos últimos minutos, com poucos gols, e classificações arrancadas no critério de desempate – gols fora de casa quando o restante dos critérios (pontos, saldos de gol, etc) estavam igualados. Sofrimento do começo ao fim, raça, luta, aquilo que faz com que a torcida fique mais animada e unida.
Logo depois do jogo das oitavas de final, quando eliminou o Hiroshima do Japão em casa, ganhando de 2×0 nos minutos finais, após perder no Japao por 3×1 (levou no critério dos gols fora), houve a pausa da Copa. Naquele momento, com o final oficial da temporada australiana, o Wanderers não renovou contrato com diversos dos seus ídolos que foram os primeiros jogadores da historia do clube: o holandês Hersy, o alemão Polenz, alguns jogadores locais como o zagueiro Beauchamp, o meio campista Mooy e o ídolo da torcida, o goleiro reserva Jerrad Tyson, todos estes deixaram o clube, para tristeza dos torcedores que amavam seus ‘jogadores inaugurais’. Menção especial para o ídolo japonês Shinji Ono, que recebeu um ‘bota-fora’ especial do clube e da torcida em seu ultimo jogo no estádio do clube, com direito a muito merchandising, uma sessão de fogos no 21º minuto (para celebrar o numero da sua camisa, com fogos especiais e manejados profissionalmente, os quais são permitidos) e um ‘tifo’ em sua homenagem por parte da torcida.
Vida que segue. A competição seria retomada apenas ao final de agosto. Durante a pausa da Copa, Poppovic, exercendo suas habilidades de ‘manager’, tão boas quanto às de técnico, foi remontando seu time. Dentro de seu orçamento limitado, manteve os jogadores que considerava essenciais e foram valorizados ao longo da campanha (como o zagueiro central Spiranovic que disputou a Copa pela Seleção australiana) e ao mesmo tempo foi trazendo novos jogadores.
Para recompor o meio de campo, sem Mooy e Ono, Poppovic apostou em um jovem brasileiro que já jogou no Flamengo e estava meio parado no Brescia na Itália. Em julho, recebemos a noticia que o primeiro sul-americano a vestir a camisa do Wanderers seria Vitor Saba, um rapaz barbudo, canhoto, que se auto define como um ‘meio-campista clássico’ – um jogador no estilo dos grandes meias-armadores que fizeram historia no Brasil
Festejado pela torcida por seu estilo ‘brasileiro’ de ser e de jogar, celebrado pelas meninas por seu jeito ‘cool’ e por sua barba, Vitor encontrou um ambiente bem agradável na sua chegada a Western Sydney. Apesar de ainda não ter feito um golzinho pelo clube (chegou perto varias vezes), tem conquistado seu espaço no meio campo do time, com boas assistências e jogadas bem trabalhadas.
Um dos jogos no qual ele teve um papel particularmente importante foi no primeiro jogo na volta da Copa, durante o mata-mata das quartas de final contra o Ghuanzou Evergrande, uma potencia chinesa que havia sido campeã da competição em 2013. Dirigidos por Marcello Lippi, técnico campeão do mundo pela Itália em 2006, com alguns italianos também campeões do mundo em seu elenco, além de bons brasileiros e jogadores da seleção chinesa; com um orçamento 20 vezes superior ao do Wanderers, um estádio três vezes maior, o time chinês já contava com a classificação para as semifinais da competição como certa.
Porem, no meio do caminho encontraram uma pedra, digo, os destemidos e corajosos ‘Westies’ do Wanderers. Os australianos ganharam a primeira em casa por 1×0; Vitor Saba estreou, segurando bem a bola no meio de campo, articulando boas jogadas, e sendo pivô de um lance no qual, ao controlar a bola perto do banco adversário, provocou a expulsão de um jogador deles, e a invasão do campo por parte do técnico Lippi, que acabou suspenso também. No segundo jogo, na China, teve de tudo: invasão do hotel dos Wanderers por parte da torcida chinesa na madrugada; ‘acidentes’ com o ônibus do Wanderers que levava o time para a partida; raios laser nos olhos do goleiro australiano, o qual defendeu um pênalti cobrado pelo centroavante brasileiro do time chinês: final, 2×1 para o Ghuanzou Evergrande e Wanderers classificado por ter feito um golzinho fora de casa.
As semifinais talvez tenham sido o mata-mata mais ‘tranquilo’ da campanha; empate sem gols na Coreia contra o Seoul FC, e vitória por 2×0 em casa, com o mesmo estilo defensivo, com o adversário tendo o maior controle da bola ao longo do jogo.
As finais foram particularmente tensas. Os ‘sheiks’ árabes, bilionários que controlam o Al-Hilal da Arabia Saudita, não queriam o jogo no estádio do Wanderers, por acharem que não era digno de toda a sua realeza – tampouco haveria camarotes suficientemente bons para recebê-los. Mesmo assim, o jogo foi realizado no estádio dos Wanderers, que virou um caldeirão lotado e fervente. Os sheiks exibiram todo o seu poderio econômico, disponibilizando um jatinho para o próprio time, além de fretarem um avião para centenas de torcedores vindos da Arábia, e também distribuírem ingressos entre a comunidade saudita em Sydney, que compareceu com cerca de dois mil torcedores e vibrou bastante, na tentativa de empurrar seu time. Mas o resultado foi 1×0, após um jogo em que eles pressionaram bastante, mostraram seu vigor físico, mas não conseguiram grandes chances.
Dois de novembro. Final na Arábia Saudita. Apenas catorze torcedores de Western Sydney tem coragem de comparecer ao estádio repleto com 65.000 fãs do time árabe, os quais receberam entradas grátis para assistirem a coroação do Al-Hilal como melhor time asiático. Apesar da pressão, das condições extremamente desiguais – o Al-Hilal tem um elenco que vale 30 vezes o do Wanderers, incluindo o brasileiro Thiago Neves – e das declarações desastradas do seu técnico romeno, que prometeu a vitória para devolver o Wanderers ao seu merecido lugar de ‘time pequeno’ – nada disso adiantou. O Wanderers conseguiu bravamente segurar o resultado sem gols no placar, garantindo o titulo de campeões da Ásia pela primeira vez para um clube australiano. A arbitragem errou bastante – a favor dos australianos; o mesmo arbitro que apitou a abertura da Copa e deu aquele pênalti a favor do Fred contra a Croácia, agora parece traumatizado e não apita mais pênaltis, o que foi ótimo para os australianos, que cometeram ao menos duas penalidades claríssimas. No final, o salva-vidas do time foi o veterano goleiraco Ante Covic, que fez uns milagres no segundo tempo e assegurou o resultado para os Wanderers.
Em Sydney, a festa foi excepcional. Além dos 5 mil torcedores que lotaram o centro de Parramatta para assistirem o jogo ao vivo na madrugada, a torcida invadiu o aeroporto para receber os campeões em uma segunda feira a meia noite; parece que nunca Sydney tampouco a Australia havia visto algo igual. No detalhe do filme, os jogadores filmam a torcida, e não o contrario!
No final do ano, os Wanderers rumam ao Marrocos, com o objetivo de derrotarem os mexicanos do Cruz Azul FC e disputarem a semifinal épica contra o Real Madrid – depois disso, nunca se sabe, parece que para os ‘Westies’, o céu é o limite! C’mon you Wanderers! (COYW)
(na foto acima Vitor Saba observa um invasor de campo prestes a ser derrubado pela seguranca, no primeiro jogo da final da ACL em Parramatta)
[i]Cada liga nacional ao redor do continente indica o campeão dos seus torneios nacionais, ou de suas copas, para estas vagas – tal como no Brasil os quatro melhores do campeonato brasileiro e o campeão da Copa do Brasil vão para a Libertadores. Existe também uma pre-competicao, tal como a pre-libertadores, uma repescagem onde alguns times conseguem as vagas remanescentes. O Wanderers se classificou por ter conquistado o ‘premiership’ da temporada de 212-2013 da A-League – mais detalhes naquele post já citado.
www.historiadoesporte.wordpress.com
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