Primeiro Congresso Pedagógico do Estado do Maranhão
Na década de 1920, havia debates sobre a educação escolar higiênica, bem como do exercício da cultura física representada nas atividades lúdicas (jogos e brincadeiras) e na chamada ginástica pedagógica como meios de desenvolver a mente e corrigir possíveis desvios do corpo escolarizado. (COUTINHO e NASCIMENTO[1].
Logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) ocorreu no Brasil muitas mobilizações para discutir publicamente e fortalecer a identidade nacional – a republicana. O debate sobre a identidade nacional tornou-se pauta comum entre os políticos e intelectuais brasileiros, foi considerado como uma necessidade pública para estabelecer ordem e progresso à Nação. E no Estado do Maranhão não foi diferente! Iniciativas particulares e filantrópicas começaram a mobilizar a grande massa analfabeta dos centros urbanos até mesmo em cursos noturnos (OLIVEIRA, 2012) [2].
Para Rosangela Silva Oliveira (2012)59, a instrução pública no Estado do Maranhão, na Primeira República, adestrou comportamentos e sentimentos aos interesses do governo liberal republicano:
Discuti-la publicamente alimentava o sonho popular de sair da escuridão das trevas do espírito (o analfabetismo) e trazia o crédito eleitoral e influência política ambicionados por muitos profissionais urbanos. Sempre secundarizada em favor de outras ações governamentais, ficava em evidência somente em momentos de crise política quando suas fragilidades eram expostas para desviar a atenção pública de outras mazelas sociais (OLIVEIRA, 2004) [3].
Fran Paxeco idealiza e organiza o Primeiro Congresso Pedagógico do Estado do Maranhão entre o final de 1919 e início de 1920:
Por estes dias, reunidos em sessão pedagógica da Faculdade de Direito, o diplomata português Fran Paxeco, presidente administrativo do Instituto da Assistência à Infância, diretor-geral do jornal local “A Pacotilha”, professor da Faculdade de Direito no Estado do Maranhão e lenthe da Congregação do Lyceu Maranhense, propôs aos colegas bacharéis e docentes do Instituto Superior acima mencionado a realização de um Congresso Pedagógico para apresentar teses e reflexões sobre a instrução pública maranhense, suas limitações e possibilidades. (OLIVEIRA, 2012)59.
Nos Anais do 1º Congresso Pedagógico no Estado do Maranhão consta que no dia 18 de agosto de 1919, em reunião pedagógica presidida pelo vice-diretor desta Faculdade, o Dr. Henrique Couto, secretariado por Domingos de Castro Perdigão, os docentes Godofredo Viana, Manoel Jánsen Ferreira, António José Pereira Junior, António Lopes, Leôncio Rodrigues, Alcides Pereira, Costa Gomes, Lemos Viana, Abranches Moura, António Bona, Fabiano Vieira e Raimundo Lopes ouviram de Fran Paxeco o convite para realizarem um Congresso Pedagógico em fevereiro do ano vindouro (1920). A proposta foi aceita por unanimidade e imediatamente elegeram uma comissão organizadora, formada pelos drs. Godofredo Vianna, Fabiano Vieira, António Bóna, António Lopes e o próprio Fran Paxeco (MARANHÃO, 1922, citado por OLIVEIRA, 2012)[4].
A carta-circular datada de 12 de janeiro de 1920 expedida pela Comissão Organizadora, destinada às escolas oficiais, aos colégios particulares e demais interessados em participar e/ou inscrever trabalhos, apontou os ramos de educação adotados e abertos para o diálogo pedagógico. Foram eles:
I – Educação Física: Jogos e brinquedos. Canto Coral. Despórtos. Recreios. Higiene Escolar e Doméstica. Inspècção médica. Assistência aos estudantes pobres. Caixas escolares. Cantinas. Balneários. Colónia de férias.
II – Educação Intelètual: A) Música. Desenho. Lingua materna. Escrita e leitura. Aritmética e geometria. Sciéncias naturais. Geografia. História. Algebra e trigonometria. B) Astronomia. Fisica e química. Linguas estranjeiras. Psicologia. Filosofia. C) Trabalhos manuais. Agricultura. Economia.
III – Educação técnica: Relações do ensino primário, secundário e superior com o ensino agrícola, veterinário, médico, jurídico, industrial e comercial.
IV – Educação moral: Sentir, pensar, proceder. Culto da casa, da família, da pátria, da humanidade. Pais e professores. Deveres e direitos dos cidadãos. Consciéncia. Espirito Solidário. Toleráncia. Altruismo.
V – Educação Estética: Arquitetura, mobiliário, decoração dos edifícios escolares. Conforto do lar e da aula. Simpatia pelos objetos e pelos estudos. Influxo das artes plásticas, na estrutura física, afetiva e mental dos sères humanos.
Teses especiais sòbre: Faculdades, escolas de pedagogia, licèus. Educação vocacional. Atribuições pedagógicas e financeiras da União, dos estados e dos municípios. Organismos de técnicos, para superintender na escolha de horários, ortografia, livros, material, casas, etc. Estatística. Taxa escolar. Exames e promoções. Nomeação de professores. Escolas móveis ou ambulante (primárias e agrícolas). Exposições e museus. Bibliotecas infantis. Código do ensino: leis, decretos e regulamentos. Construções. Colégios particulares. Equiparações. Artes e ofícios. Colónias correcionais. Intercámbio de catedráticos das escolas superiores. (MARANHÃO, 1922 p. 4-5, citado por OLIVEIRA, 2012)59, 61.
O regimento interno elaborado para o Congresso Pedagógico apresentou como objetivo geral de “obter e apreciar quaisquer estudos ou informações, preocupando-se designadamente com a instalação da escola, os métodos educativos, a escolha de compêndios e o preparo técnico dos professores” (MARANHÃO, 1922 p. 19) em oito sessões plenas: uma de abertura, uma de entrega das teses e da sua distribuição aos relatores, três para ao debate das matérias contidas nas cinco sessões, uma para as teses separadas, uma para a leitura das conclusões e de encerramento, com a obrigatoriedade de publicar os trabalhos apresentados. (OLIVEIRA, 2012)59.
A terceira sessão, em 24 de fevereiro, presidida pelo prof. José Ribeiro do Amaral, presidente da Academia Maranhense, recebeu um público de treze professores, três alunas da Escola Normal, dois professores maristas, os quintanistas de medicina Domingos Perdigão e Mário Carvalho. Fran Paxeco registra a ausência de professores da rede municipal nas atividades do Congresso Pedagógico, abariu o debate sobre a primeira parte do programa Educação Física e recebeu as seguintes contribuições: duas indicações didáticas para a área temática de Jogos e Brinquedos, a indicação coletiva de sugerir oficialmente às autoridades governamentais um dia letivo específico para ensaios de hinos escolares e patrióticos, a proibição de ginástica em aparelhos para menores de dez anos, a solicitação de inspeção médica como medida de uma boa Higiene Escolar e Doméstica, também reclamaram a necessidade de um debate amiúde sobre a assistência aos estudantes pobres. (OLIVEIRA, 2012)59.
A oitava sessão do Congresso Pedagógico, presidida pelo coronel Frederico Figueira, presidente da Comissão de Ensino do Congresso Legislativo, no dia 29 de fevereiro com um público de vinte e cinco professores e uma quartanista da Escola Normal, se constituiu de debates e reflexões sobre as condições estruturais das escolas primárias, a superlotação das salas de aulas, destacando as vantagens dos jogos e brincadeiras para o infante maranhense. (OLIVEIRA, 2012)59.
Uma nona sessão ainda foi realizada, dia 1 de março, para a leitura dos Relatórios com as conclusões na área de Educação Física relatado por Luiz Viana, Educação Intelectual por Antonio Lopes da Cunha, Educação Moral por Rosa Castro e rápidas considerações sobre Educação Técnica, Educação Estética e Teses Especiais:
Contou com a visita-surpresa do governador do Maranhão, o dr. Urbano Santos que expressou em discurso as desvantagens do ensino clássico e livresco, incentivando os professores presentes a deixarem ridículas verbiagens e aplicarem em sala de aula, com constância, a virtude da vontade de aprender. Fugir da parolajem inútil de conteúdos abstratos, idéia pedagógica moderna de Pestalozzi e Froebel. (OLIVEIRA, 2012)59.
Entre as teses apresentadas, anexadas por Fran Paxeco nos Anais deste Congresso Pedagógico estão diretrizes pedagógicas importantes à instrução pública no Estado do Maranhão.
Na primeira seção do 1o Congresso Pedagógico estão as teses especiais sobre educação ou cultura física onde os principais assuntos são apresentados pelo professor maristas Paulo Domingos. Ele reflete sobre as vantagens de realizar jogos no colégio. Ele não apoia muito o esporte “football” na escola, mas aprecia jogos recreativos no pátio da escola.
“Dos jogos no Colégio” do Prof. marista Paulo Domingos
‘É preciso que os alunos brinquem, se distráiam, dispendam em passatempos inocentes a exuberáncia de seiva, a vivacidade do humor, o ardor do sangue que néles corre. Faz-se indispensável o ar, o espaço, o sol, o movimento, o barulho, para o crescimento do seu sèr e o desenvolvimento de suas energias (MARANHÃO, 1922 p. 43).
Em outra comunicação a Prof. Rosa Castro chega a explicar didaticamente como realizar os jogos e brincadeiras.
Sobre a “Cultura Física”, da Profa. Hermindia Augusta Soares Ferreira
Quando um aluno estiver inactivo, deve-se inspeccioná-lo, porque, doente o físico, enfèrmo ficará o espírito (MARANHÃO, 1922, p. 51).
A aplicação dos jogos merece, entretanto, um especial cuidado dos professores ou, melhor, dos inspectores médicos, a quem incumbe a verificação da capacidade física e mental dos alunos e consequente separação, entre os normais e os anormais, calibrando, de acordo com este critério, a prática dos exercícios. Também é digna de interesse a racional classificação dos jogos, afim de se conseguir a sua gradação pedagógica ( ibid, p. 52).
Luiz Viana, o relator desta seção aponta o francês Tissier (Philippe Tissiê iniciador da educação física na França) [5] como a influência pedagógica aceita pelos professores normalistas, mas não ignora a classificação de Courmont, Desfosses.
A fines del siglo XIX, una importante fracción del campo intelectual europeo intuyó que sobre su época se cernía la sombra de la decadencia. Una falta de pujanza embargaba al espíritu fin-de-siècle y una palabra reflejó la situación: fatiga. Phillipe Tissié (1914), publicista francés de la gimnasia racional, anotó: “La presente generación ha nacido fatigada; es el producto de un siglo de convulsiones” (p.45; traducción libre) (ROLDÁN, 2010).[6]
Em 1901, Philippe Tissié defendia que a Educação Física não deveria ser interpretada como simples exercícios musculares do corpo, mas também como um processo psicomotor, que se traduz pela constante relação entre o movimento e o pensamento (Costa, 2008) [7]. Tissié foi precursor da intervenção sobre o corpo, porém ainda voltado às áreas médicas, divide o conhecimento científico com abordagem corporal em dois ramos: ginástica pedagógica, destinado ao acompanhamento do desenvolvimento das crianças e a ginástica médica, voltados à reabilitação das crianças (SILVA, 2007) [8]. Precursor dos psicomotricistas atuais por ter-se oposto, na França, à ginástica, propondo que fossem consideradas as relações entre pensamento e movimento, quando então surge a disciplina que será denominada Educação Física. Opõe-se à educação física militarizada e propõe uma educação pelo movimento, posteriormente retomada por Le Boulch[9]. Esse pode ser considerado como o nascimento do que se denomina: Educação Psicomotora e Reeducação Psicomotora.
Não há registro escrito feito por Fran Paxeco, mas o relator Luiz Viana declara que houve nesta sessão a solicitação de pedir ao governo do Maranhão a construção de um prédio (que ele chamou de pavilhão) no Parque dr. Urbano Santos para a realização de exercícios físicos.
Para Oliveira (2012) 59, internalizando princípios escolanovistas, as proposições destas diretrizes pedagógicas propõem reflexões para educar o corpo e a mente dos alunos com estímulos importantes para atrair sua atenção, curiosidade, desejo e vontade de aprender conhecimentos teóricos pela e na experiência prática, segundo orientava a Pedagogia Moderna, apoiada em estudos de Pestalozzi[10] e Froebel[11], entre outras contribuições teóricas.
Não se pode negar a grande contribuição de Fran Paxeco (OLIVEIRA, 2012)59, seu idealizador, que, obviamente, não faria tudo sozinho, mas sem a sua obstinação e articulação política pouco seria feito. O testemunho escrito das theses organizadas nos Anais deste evento mostraram a seriedade e profundidade do conhecimento científico exibido, o que aponta sua grande contribuição à instrução pública. As palavras escritas no seu tratado de Geografia e História exprimem seu amor ao Maranhão, ao magistério e aos infantes maranhenses, com um espírito pestalozziano moderno: “Sejamos geógrafos. Prendâmo-nos ao solo. Despeguemo-nos das alturas nebulozas do abstrato, e regressemos ao campo da ação rial, da humanidade e da vida” (MARANHÃO, 1922, p. 640-41; (OLIVEIRA, 2012)59.
Mas vale ressaltar que o otimismo pedagógico construído no seio da instrução pública do Estado do Maranhão não foi suficiente para resultar em reformas educacionais imediatas. Estas só ocorreram uma década depois, em 1931, e continuou alto o índice de pessoas analfabetas na classe popular.
[1] COUTINHO, Adelaide Ferreira; NASCIMENTO, Rita de Cássia Gomes. IDEÁRIO NACIONAL, DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E CONTROLE NA PEDAGOGIA HIGIÊNICA EM SÃO LUÍS NO LIMIAR DO SÉCULO XX. Disponível em http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe5/pdf/897.pdf , acessado em 12/10/2012
[2] OLIVEIRA, Rosângela Silva. FRAN PAXECO, LENTHE DA REVITALIZAÇÃO PEDAGÓGICA MODERNA NO ESTADO DO MARANHÃO, ORGANIZADOR DO 1º CONGRESSO PEDAGÓGICO EM 1920. IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação – Rituais, Espaços e Patrimónios Escolares, Lisboa, 12 a 15 de julho de 2012, ANAIS IX COLUBHE 2012. http://colubhe2012.ie.ul.pt/ , disponibilizado por Dra. Rosa Paxeco Machado através de correspondência eletrônica pessoal em 12/10/2012 http://sn125w.snt125.mail.live.com/default.aspx#n=1557179640&fid=1&fav=1&mid=4b2f82ba-1480-11e2-b36f-00215ad9df80&fv=1
[3] OLIVEIRA, R. S. Do contexto histórico às idéias pedagógicas predominantes na escola normal maranhense e no processo de formação das normalistas na Primeira República. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Maranhão, 2004
[4] Maranhão. Trabalhos do I Congresso Pedagógico. São Luis: Imprensa Oficial, 1922, in OLIVEIRA, 2012.
[5] (http://www.ciepre.puppin.net/considiniciais.html ).
[6] ROLDÁN, Diego P. Discursos alrededor del cuerpo, la máquina, la energía y la fatiga: hibridaciones culturales en la Argentina fin-de-siècle. Hist. Cienc. vol. 17 no.3 – Manguinhos saude Rio de Janeiro 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702010000300005
[7] COSTA, J. (2008). Um olhar para a criança: Psicomotricidade Relacional. Lisboa: Trilhos Editora. http://brincarecrescercomapsicomotricidade.blogspot.com.br/2011/10/historia-e-evolucao-da-psicomotricidade.html
[8] SILVA, Daniel Vieira da. Educação Psicomotora, no Brasil Contemporâneo: decomo as propostas tangenciam a relação educação-trabalho. Curitiba, 2007. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Paraná (UFPR). Disponível em:<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=99866> acesso em 21 abr. 2012
[9] (http://www.ciepre.puppin.net/considiniciais.html ).
[10] Johann Heinrich Pestalozzi (Zurique, 12 de janeiro de 1746 — Brugg, 17 de fevereiro de 1827) foi um pedagogo suíço e educador pioneiro da reforma educacional. Em 1801 Pestalozzi concentrou suas idéias sobre educação num livro intitulado “Como Gertrudes ensina suas crianças” (Wie Gertrude Ihre Kinder Lehrt). Ali expõe seu método pedagógico, de partir do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo. Continuava daí, medindo, pintando, escrevendo e contando, e assim por diante. http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Heinrich_Pestalozzi.
[11] Friedrich Wilhelm August Fröbel (Oberweißbach, 21 de abril de 1782 — Schweina, 21 de junho de 1852) foi um pedagogo alemão com raízes na escola Pestalozzi. Foi o fundador do primeiro jardim de infância. http://pt.wikipedia.org/wiki/Froebel; VER também http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/formador-criancas-pequenas-422947.shtml
Comentários
Nenhum comentário realizado até o momentoPara comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.