Antes das sportswomen: as toureiras nas arenas brasileiras

24/05/2014


por Victor Andrade de Melo

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As atividades esportivas foram das mais importantes ocasiões a sinalizar a nova presença pública das mulheres na sociedade brasileira. Antes delas, contudo, outro espetáculo apresentou performances femininas ousadas, por alguns consideradas mesmo inusitadas: as touradas.

No Diário do Rio de Janeiro, de 22 de maio de 1847, vemos essa incrível notícia, considerando que no momento era até mesmo rara a presença feminina em muitos fóruns sociais: “O empresário sente não poder apresentar uma jovem de 23 anos, toureando com braço varonil, e impavidez de cavalheiro, mas pretende apresentar em compensação a srta. JOANNA PAULINA”. A praça estava instalada na esquina de rua Nova do Conde (atual Frei Caneca) com Matacavalos (atual Riachuelo).

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Diário do Rio de Janeiro, 22 de maio de 1847

Diário do Rio de Janeiro, 22 de maio de 1847

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Em 2 de junho de 1878, uma vez mais é anunciada, com grande estardalhaço, a performance de uma francesa, dessa vez na praça da Marquês de Abrantes (Rio de Janeiro): a “Heroína Mme. Julia Rachel”. A Gazeta de Notícias brinca com a novidade: “A tourada de hoje deve ser magnífica. Imaginem que o cavaleiro é uma cavaleira e por aí ajuízem que peripécias poderão haver, se os touros não forem assaz cavalheiros para respeitar a destemida cavaleira”.

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Gazeta de Notícias, 2 de junho de 1878

Gazeta de Notícias, 2 de junho de 1878

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A performance da “heroína”, todavia, parece não ter agradado muito, pelo menos aos jornalistas. Para a Gazeta de Notícias, “esta Rachel, que por certo não é na arte tauromáquica o que sua homônima foi na arte dramática, fez a figura mais ridícula que imaginar se pode”. É possível, pelo tom da matéria, que se tratasse mais de preconceito do que efetivamente de uma análise técnica. Ainda tardaria alguns anos para que mulheres fossem mais bem aceitas em funções públicas como essas.

Essa toureira atuara antes em São Paulo, onde parece ter conseguido mais sucesso, mesmo causando perplexidade. Chamava a atenção uma mulher desempenhar funções públicas tão ousadas, consideradas tipicamente masculinas. Antes mesmo de oficializar-se sua apresentação, sugeria-se em A Província de São Paulo: “Andam por aí a dizer tanta coisa da próxima corrida! Uns, que os pegadores propõem-se a fazer maravilhas; outros, que aparecerá uma amazona que há de mostrar para o que serve uma saia. Queremos ver isso”.

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Correio Paulistano, 1 de dezembro de 1877

Correio Paulistano, 1 de dezembro de 1877

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O Correio Paulistano ironizou: “Como é lá isso? Uma mulher toureando! Se a moda pega… É verdade que os touros de casa costumam ser mansos. Contudo, a coisa dá que pensar”. No Diário de São Paulo, uma breve nota dá uma noção da expectativa: “Rapaziada, vamos ver Mme. Rachel meter farpas de fogo em um bravio touro. É hoje o dia em que pela primeira vez aparecerá em público esta heroína”. A Província de São Paulo exalta: “Estreia hoje na Praça de touros (…) uma valorosa dama. (…). Decididamente a empresa quer abarrotar-nos de novidades”.

Ainda que, segundo os jornais, o evento não tenha sido dos melhores, Rachel foi elogiada por sua atuação. Um leitor, que assina como Palafox, chega a ironizar que foi melhor do que o cavaleiro: “Mira, pícaro caballero. Si vuelves a caer, rompo-te l’alma – Caramba! Que hombre! No ves que hasta una dama te vá dar leciones de cabaleria?”. Posteriormente, a toureira surpreenderia por sua coragem, mesmo nos acidentes nos quais se envolveu.

Esses são apenas alguns exemplos. Apresentaram-se nas arenas brasileiras outras mulheres, nas citadas e em outras cidades (também em Porto Alegre e Salvador, por exemplo). Mais ainda, deve-se destacar sua importância presença nas arquibancadas e mesmo organizando eventos tauromáquicos. Retomaremos o tema em outra ocasião.

 

Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com

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