16/10/2016
André Couto
Olá, caros (as) leitores (as):
Neste breve post, trago para vocês uma curiosa cobertura do Jornal dos Sports (JS) sobre os Jogos Olímpicos de 1952, em Helsinque, na Finlândia.
A então União Soviética iria disputar os Jogos de Verão pela primeira vez nesta ocasião e muita expectativa no mundo todo girava em torno da participação desta potência e de seus aliados, principalmente por conta da Guerra Fria travada com os Estados Unidos a partir do final da II Guerra Mundial.
No Brasil, não seria diferente e podemos utilizar o exemplo da cobertura do JS (já um jornal especializado em esportes e de grande circulação no Rio de Janeiro) para apontarmos algumas representações criadas por este periódico.
Primeiramente, é importante lembrar que as coberturas de grandes eventos internacionais como essa, era tarefa geralmente destinada ao jornalista Geraldo Romualdo da Silva, que estava na empresa desde os seus primórdios, no início da década de 1930.
Cartaz oficial dos Jogos Olímpícos de 1952[1]
Tanto neste evento como em outros, Geraldo procurava sempre trazer curiosidades sobre o país e seu respectivo povo e cultura local, ilustrando para os leitores do JS o contexto em que o esporte se apresentava. Discutia, ainda, em segundo plano, os aspectos e características principais das equipes esportivas, mas invariavelmente, privilegiando a análise sobre o futebol. A ideia, inclusive, era a de que os leitores teriam mais interesse pela cobertura dos Jogos, se o futebol fosse mais valorizado nas matérias e notícias.
Todavia, em um de seus momentos na cena de um observador, Geraldo apontava que:
Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso: assim ocorre, igualmente, no mundo novo dos atletas, que não mais se separam apenas pela cor da pele que Deus lhes deu; nem mais, somente, pela espécie de cruz que antes traziam no peito, na alma e no espírito, às vezes, mas já agora pelas duas intransponíveis fronteiras que Stalin estabeleceu da Russia até a Alemanha, e os países amigos da liberdade mais humana, desde a América, grande, rica e jovem, aos confins da França, um pouco ao norte também pelos lados da Suécia, Dinamarca, assim, assim a Finlandia (já a Noruega nem tanto), e, ao sul, graças à Itália; mais acima, de fato, nas alturas da Suíça, da Iugoslávia de Tito, da Austria e um bom pedaço da Alemanha, que poderia ser maior.[2]
Com sua “aula de Geografia”, o correspondente apresentava uma fronteira de ferro criada por Stalin e pela URSS, separada de um mundo sob a influência da “liberdade mais humana” e que seria ainda “grande”, “rica” e “jovem”, quase (ou nem isso) um exemplo a ser seguido pelo Brasil dos anos 1950. Chegava a opinar sobre a divisão da Alemanha, que segundo ele, deveria “ser maior” se não fosse a interferência soviética.
Em outro momento, informava que os húngaros viviam “(…) ostentando enormes escudos em que se vêem à distancia um martelo tosco e uma touceira de trigo”.[3] Cabe lembrar que a aproximação do jornalista com a seleção húngara de futebol se valia não só pelo tom de crítica ao regime socialista mas também pela condição de favorito à medalha de ouro, fato que se concretizou nesta edição.
Pódium do Futebol com as seleções da Hungria (Ouro), Iusgoslávia (Prata) e Suécia (Bronze)[4]
Por fim, apontava de forma dualista que na vila olímpica, “(…) São duas babéis; uma, fortalecida pelo medo que seus habitantes têm de se descobrirem à verdade nua e crua de um regime condenado; outra, que insiste em viver abertamente, de “short”, trocando impressão seja lá com quem for, tranquila e confiante em si nos destinos dos homens que a dirigem.”[5]
Daí, atirava com suas linhas contra o comportamento dos atletas dos países socialistas que viviam em trajes sólidos e discretos, cientes de que estavam em um “regime condenado”, ao contrário dos demais que viviam “tranquilos”, de “shorts”, numa relação com a natureza mais leve e fluida, pois voltariam confiantes para suas casas, para o regime da liberdade. Desta forma, associava disciplina e liberdade por meio dos uniformes e roupas que os atletas dos dois grandes blocos de países usavam (socialistas e capitalistas).
Em outro momento, criticava o fato dos atletas do bloco socialista terem ficado em uma vila olímpica separada:
Em compensação, lá pelos lados da “Cortina de Ferro”, dentro de Otaniemi, que se formou exclusivamente para tirar todos os “vermelhos” do contagio com os que não são “vermelhos”, ideologicamente, os húngaros escapam ao rigorismo da vigilância em que vivem (um pouquinho), e simpaticamente, democraticamente, sorriem dão autógrafos e falam de suas coisas, de suas esperanças e de seus records, especialmente de seu football (pouco, é verdade), do qual se orgulham tão imensamente como nós nos orgulhamos imensamente do nosso.[6]
Com isso, conseguia cobrir os Jogos a partir da análise do futebol e valorizava a seleção húngara, sem deixar de apontar seus “defeitos ideológicos”, como a associação com o socialismo soviético.
Em síntese, a ideia da cobertura dos Jogos Olímpicos esbarrava em alguns fatores que dificultavam um debate mais amplo como a distância, ausência de informações precisas, poucos correspondentes e, principalmente, a concorrência com as competições de futebol, como o campeonato carioca, a Copa Rio de 1952 e os amistosos interestaduais e internacionais. O futebol reinava inclusive em momentos olímpicos. E os cronistas acompanhavam esta linha editorial. Geraldo Romualdo, principalmente quando assumia a posição de enviado especial, adotara a postura de narrador-repórter.[7] Com isso, se adequara piamente à ideologia do veículo em que atuara, assim como tornava-se arauto e defensor anticomunista dos pretensos interesses de seus “consumidores”, ou seja, os leitores de JS.
[1] Imagem retirada de: http://olimpiadasdorio2016.com/olimpiadas-de-1952/
[2] SILVA, Geraldo Romualdo da. O que mais importa é competir. Democracia, Comunismo e Racismo nas Olimpíadas. In: Jornal dos Sports. Rio de Janeiro, n.º 7.020, 17 de julho de 1952. P. 5.
[3] Ibidem.
[4] Imagem retirada de: http://reliquiasdofutebol.blogspot.com.br/2012/07/o-torneio-de-futebol-nos-jogos.html.
[5] SILVA, Geraldo Romualdo da. Op. Cit. P. 5.
[6] Ibidem.
[7] SÁ, Jorge de. A Crônica. São Paulo: Ática, 1987. 3 ed. P. 7-8.
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