20/04/2014
por Fabio Peres
Grécia. Os Jogos Olympicos. Athenas, 6. – Começaram aqui os tradicionaes jogos olympicos, que despertam, como de costume, o maior interesse[1].
Há 118 anos, assim se iniciava a cobertura dos Jogos Olímpicos de 1896 na imprensa carioca. A pequena e tímida nota publicada no Jornal do Brasil não ia muito além disso. Informava apenas que a família real (supostamente da Grécia, mas sem especificar qual) esteve presente e que o número de estrangeiros que afluíram à “festa” era considerável[2], [3].
Nos dias que se seguiram até o final dos Jogos não houve muita mudança nesse cenário: somente breves informes sobre a vitória de um ou outro atleta, além de uma síntese do número de vencedores por país[4]. Na verdade, parte dessas informações era divulgada pela Agência Havas, talvez uma das primeiras e principais agências de notícias internacionais, que prestava seus serviços a diversos jornais do mundo, incluindo o Jornal do Brasil, a Gazeta de Notícias, entre outros periódicos brasileiros.
Somente depois dos Jogos, cerca de 15 dias após o encerramento, é que o Jornal do Brasil e O Apostolo publicaram uma matéria (cujo conteúdo era praticamente o mesmo), divulgando algumas informações adicionais. Nela ficamos sabendo que o primeiro dia dos Jogos “fôra soberbo, embora o tempo se conservasse ameaçador”, sendo a cerimônia considerada “das mais imponentes”:
O rei foi recebido ao som hymno nacional, tocado por 600 executantes. Guarneciam o amphitheatro 60 000 espectadores que acclamaram calorosamente o soberando [...] O príncipe herdeiro fez um discurso vibrante de enthusiasmo e patriotismo, sendo ruidosamente applaudido. Depois desta allocução, seiscentos músicos, sob a direcção do compositor grego Samaras executaram o Hymno Olympico. Depois começaram os jogos, que tiveram grande êxito [...] (Jornal do Brasil, 02/05/1896, p.2; O Apostolo, 10/05/1896, p.2).
Curiosamente, os relatos mais extensos e detalhados foram publicados na Gazeta de Petrópolis, também após a realização dos Jogos (20/05/1896, p.1-2). Sob o título “Restabelecimento dos Jogos Olympicos na Grécia“, a matéria destacava, entre outras coisas, a grandiosidade do evento e sua suposta ligação com um passado longínquo; aspectos que vão ajudar a garantir sua importância:
Esses jogos, a mais importante festa nacional da antiga Grécia, cuja origem se perde na noite dos tempos prehistoricos, acabam de ser restabelecidos com grande brilhantismo e pompa, no antigo Stadion Panathenaico, em Athenas, graças á generosidade do cidadão grego Jorge Averoff, que forneceu os fundos necessarios para o gigantesco trabalho de reconstruir um sala de espetáculo, com lugares para 60,000 pessoas soas e tendo 260 metros de comprimento e 140 m. de largura, dos quaes cabem á arena ou pista 232 m. de comprido e 33 de largo. Durante a semana santa, diante Ida famosa Acropolis, coroada de ruinas magestosas, feericamente illuminadas, á noite, por luz electrica, nas margens do Illisus dessecado, diante dos brilhantes magasins da rua Hermes, em Athenas, os caminhos de ferro e os tramways a vapor despejaram numerosos bandos de athletas, vindos da França, Inglaterra, America, Allemanha, Suécia, etc, para se medirem com os filhos da histórica Attica.
Outras informações ajudavam a compor um repertório de imagens e símbolos em torno dos Jogos: a coroação dos vencedores com um ramo de oliveira; a vitória do jovem “herói” camponês grego (Spiridon Louis) – que percorreu a distância de 42 km, sendo ovacionado por 50.000 pessoas no Stadion; as diversas instalações esportivas destinadas às competições de várias modalidades. “Foi, em summa. uma festa memoravel, e que despertou o maior interesse em toda a Europa e America do Norte”, conclui a Gazeta da cidade da região serrana fluminense, na época capital do estado no lugar de Niterói, devido principalmente à Revolta da Armada.
Contudo, essas notícias podem despertar um interesse histórico que ultrapassa a mera curiosidade sobre dados do evento em si.
Uma leitura apressada pode nos levar a acreditar que a pouca atenção dada aos Jogos na cidade revelaria a (tênue) tessitura do campo esportivo carioca em finais do século XIX. Essa visão parcial e unilateral nos conduziria àquele “mal-estar”, que salienta Roberto Schwarz (2001), da experiência do caráter “postiço, inautêntico, imitado” da vida cultural brasileira e latino-americana. Em outras palavras, a “ausência” estaria deste lado do Atlântico. Seríamos, sob esse ponto de vista, um pastiche imperfeito, incompleto e vexatório. No entanto, tal conclusão é ilusória, uma vez que a questão – e, por conseguinte, a sua interpretação – estão mal colocadas.
As notícias publicadas na imprensa da capital podem ser lidas a partir de outras perspectivas. Lançam luz sobre, não apenas como o campo esportivo no Rio de Janeiro estava se configurando naquele final de século, mas também oferecem pistas de como os Jogos ainda estavam ganhando forma. Aliás, sob alguns aspectos, de maneira bastante incipiente.
A análise do discurso a respeito dos Jogos, cuja legitimidade (ao menos em parte) se baseia em uma leitura idealizada e de continuidade entre passado e presente, é uma possibilidade de investigação[5]. A mobilização de determinados conceitos e valores parece dar o tom de quase todas as notícias[6].
Por exemplo, diversas notícias publicadas no Rio de Janeiro, sejam elas oriundas de agências internacionais ou não, permitem entrever que aqueles Jogos Olímpicos não gozavam, pelo menos naquela ocasião, do mesmo prestígio e legitimidade que viriam a ter no decorrer do século XX. Um sinal disso é que ainda não havia monopólio sobre o próprio sentido do termo “jogos olympicos”. Os Jogos Olympicos eram um entre outros jogos olympicos. Isso significa, entre outras coisas, que seus idealizadores tiveram que “lutar” pelo “monopólio da imposição da definição legítima”[7] do termo e dos sentidos associados a ele.
Apenas para se ter uma ideia, em 1856 o Circo Olympico, instalado na Rua da Guarda-Velha (atual Avenida Treze de Maio), exibia espetáculos denominados “jogos olympicos”. Já no carnaval de 1862, o Theatro Lyrico Fluminense – localizado no Campo da Aclamação, entre as Ruas dos Ciganos (atual, Constituição) e do Hospício (hoje, Buenos Aires) – oferecia o Primeiro Grande Baile Mascarado, no qual depois de algumas quadrilhas e polcas, estava programada a quadrilha “jogos olympicos”.
Inclusive, vale aqui fazer uma pequena digressão. A desconfiança sobre o caráter “tradicional” dos Jogos de 1896 foi colocada em xeque logo nos dias seguintes à sua abertura. Um cronista da Gazeta de Notícias, de modo irreverente, fez suas ressalvas (provavelmente após ler a mesma nota publicada no Jornal do Brasil que utilizamos para abrir este post):
“Athenas, 6. – Começaram aqui os tradicionaes jogos olympicos [...]” A gente lê isto, deixa cahir o jornal, fecha os olhos e tem vontade de chorar. [...] E a alma começa a imaginar, pelo que sonhou e pelo que estudou, o que seriam esses jogos da idade de ouro, – quando os gregos não vestiam sobrecasaca nem comiam a patê de foi gras, – raça livre e bella [...] Ai! Palavra de honra! A gente tem vontade de chorar quando lê, no serviço da Havas, que no dia 6 de abril de 1896 [...] começaram, em Athenas, os jogos olympicos com assistência da família real da Grécia… Mas a vontade de chorar cessa logo, para ceder o logar a uma grande e irresistível vontade de rir…. E, imagina-se, então, o que por lá vai… [...] Começaram aqui os tradicionaes jogos olympicos… E a gente se desfoga n’uma grande gargalhada…. (08/04/1896, p.1).
Enfim, a hipótese, mesmo que de forma imprecisa, é que essas questões nos ajudam a deslocar e a perspectivar o nosso olhar. As perguntas, nesse sentido, devem se voltar para ambos: para o lado de cá e o lado de lá da linha.
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[1] Jornal do Brasil (edição de 06 e 07/04/1896, p.1).
[2] Vale destacar que curiosamente no dia 25/03/1896 foi publicada uma nota no Jornal do Brasil, informando que os jogos olímpicos haviam começado no dia anterior. Considerando que a notícia se referia aos mesmos jogos, ela não seria plausível, uma vez que os Jogos Olímpicos foram realizados entre os dias 06 e 15 de abril do calendário gregoriano, adotado no Brasil (isto é, entre 25/03 e 03/04 do calendário juliano, que na época vigorava na Grécia).
[3] Antes de 1896, foi noticiado no jornal O Paiz (05/08/1894) a realização do congresso internacional, em Paris, para preparar as bases da regulamentação que serviria para a organização dos Jogos Olímpicos.
[4] Ver por exemplo as edições do Jornal do Brasil de 16 e 17/04/1896.
[5] Para uma reflexão sobre essa discussão, ver MELO, Victor Andrade de. Esporte e lazer: conceitos. Rio de Janeiro: Apicuri: Faperj, 2010 e MELO, V.A, SANTOS, J.M.M.C., FORTES, R., DRUMOND, M. Pesquisa histórica e história do esporte. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.
[6] As publicações editadas pelos próprios organizadores do evento se inserem nesse esforço. Ver, por exemplo, as fontes das gravuras utilizadas nesse post.
[7] BOURDIEU, Pierre. Como é possível ser esportivo? In:________. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. p.136-163.
Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com
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