Graciliano Ramos, em crônica publicada em “O índio” (Palmeiras dos Índios – Al, 1921), acreditava que o brasileiro não tinha vocação para o (futebol) esporte. Escrevia, sob o pseudônimo de J. Calisto, que “pensa-se em introduzir o futebol, nesta terra … será bem recebido pelo público, que, de ordinário, adora as novidades … vai ser por algum tempo a mania, a maluqueira, a idéia fixa de muita gente … vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha, capaz de durar um mês … o futebol não pega, tenho a certeza.”
Na constituição de 1988 está expresso que a educação não está desassociada do direito ao lazer e à prática desportiva. Com esse espírito, a Lei Zico, de no. 8672 de 06 de julho de 1993 e o Decreto no. 981 de 11 de novembro, que a regulamentou, apresenta-se como uma revolução conceitual, pois ao Estado, diz a lei, compete formular política desportiva nacional, traçar as suas grandes linhas e priorizar o desporto nacional.
Diante disso, o sr. Maurilio de Avelar Hingel, Ministro da Educação e do Desporto, pode afirmar (JORNAL DO BRASIL, janeiro de 1994) que o Estado não faz desporto, nem lhe compete organizar manifestações desportivas, pois estas, formal ou não-formal, é livre de direito de cada um. O Estado deixa de ser a cúpula burocrática que administra toda a atividade desportiva, passando a atribuição de alimentar a sociedade desportiva, não substituí-la.
”Mas por que o futebol ?” – perguntava-se Graciliano – “…não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais sem mescla de estrangeirismos, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo ?” Para isso, afirma ” … não é necessário ir longe, em procura de esquisitices que tem nomes que vocês nem sabem pronunciar. Reabilitem os esportes regionais, que aí estão abandonados”, grita ele, ” … o porrete, o cachaço, a queda de braços, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o salto, a cavalhada e, melhor que tudo, … a rasteira.”
Cumprindo o disposto no Artigo 217 da constituição, que trata da proteção, promoção e apoio às manifestações desportivas que decorram da cultura nacional, foi criado, no âmbito da Secretaria de Desportos do MEC, o Departamento de Desportos Sócio-Cultural, que tem em sua estrutura uma Coordenação-Geral de Desportos com Identidade Cultural – CODIC.
Em reunião promovida em abril último – 27 a 29, Brasília – constituiu-se um “Grupo de Trabalho” para analisar questões relativas aos “Desportos com Identidade Cultural” e as suas correlações culturais e educacionais. O que é desporto com identidade cultural ? é a pergunta que se fez.
Como resposta, foi solicitado ao Grupo de Trabalho – Silvino Santin (Doutor em filosofia, RS); Leopoldo G. D. Vaz (Mestre em Ciência da Informação, MA); Priscila R. Pereira (Historiadora, SC); Lamartine Pereira da Costa (Doutor em Educação, RJ); Paulo Vicente Guimarães (Doutor em Sociologia, DF); Leila Mirtes S. Magalhães Pinto (Mestre em Educação Física, MG); Muniz Sodré de A. Cabral (Doutor em Sociologia, RJ); Maria Hilda B. Paraíso (Doutoranda em Antropologia, BA) – produção de material científico-didático-pedagógico que venha referendar a contextualização de políticas relativas ao assunto.
Pela primeira vez na história é instituída uma linha visando estabelecer relações intensas com a comunidade, à partir do município, revelando, resgatando, registrando, apoiando, enfim, participando ativamente das manifestações populares de cunho e desempenho desportivo que decorram da própria etno-história brasileira nos seus procedimentos de resistência cultural.
Reabilitem a arqueria, a canoagem, caça, pesca e as lutas rituais indígenas, as corridas em meio rústico, vaquejadas, corrida-de-argolinha, derrubada de bezerro a laço, montaria de burro bravo, cavalgada, saltos e trotes com equinos, muares, asininos e até bovinos, regatas à vela, de saveiro e jangadas, além da capoeira. Todas manifestações próprias do processo de formação do brasileiro, pois as diversas vertentes étnicas propiciam grande riqueza de formas e meios dos desempenhos físicos dessa qualificação, sejam do índio ou do negro e do europeu, aqui chegados.
O brasileiro é, sem dúvidas, um povo pródigo nesse campo, haja vista que no mapeamento desportivo, divulgado pela SEDES, dos 167 desportos existentes, 15 tiveram origem no Brasil – Arobol, Biribol, Capoeira, Frescobol, Futebol de Mesa, Futebol de Salão, Futebol de Sete, Futevolei, Hipismo Rural, Peteca, Peteleco, Roller Skate, Taco, Tamboréu.
A Inglaterra, berço do renascimento desportivo, conta com 19; Estados Unidos e França, com 10 cada; China e Japão com oito cada; a Grécia, com sete.
“Reabilitemos os esportes nacionais”, já pedia Graciliano…
ter, 08/11/11 por leopoldovaz | categoria A VISTA DO MEU PONTO, História
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