Nada mais poético para começar a narrativa da história do futebol em um país do que dizer que o início da modalidade aconteceu numa longínqua tarde de domingo. Apesar de pouco precisa do ponto de vista científico, ela permite colocar um tom lírico, por vezes necessário (quando se fala de Futebol), para histórias que envolvem diversos jogos políticos, sociais e econômicos.
O início da prática do futebol em Portugal envolve diferentes datas e eventos, por vezes não muito precisas. A primeira vez que alguém jogou bola foi, em 1875, na Ilha da Madeira, quando um jovem inglês convidou os seus amigos para uma atividade lúdica, nesse caso um jogo entre amigos e não formalmente organizado, que ainda por cima, teve a sua duração bastante reduzida, dado que a bola acabou sendo destruída. Mais tarde, em 1894, o futebol volta à Madeira, para ser jogado por marinheiros ingleses, apesar de haver outros relatos de partidas sendo jogadas por ingleses. Mas, segundo o relato oficial, a chegada do futebol em Portugal aconteceu numa tarde de domingo, em Outubro de 1888, quando foi organizado o primeiro jogo, mas que seu organizador, Guilherme Pinto Basto, o nomeou apenas como um “ensaio” (que era palavra usada para se referir aos treinos na época), de modo que há quem prefira dizer que o primeiro jogo oficial se realizou no dia 22 de Janeiro de 1889.
Tal como em outros países, a ideia de um “sportsmanship” e um “sportsman” era fundamental para a difusão do esporte. Mas na sociedade portuguesa da época, o tempo livre e os recursos necessários para a prática do esporte estavam limitados a uma elite lisboeta. Num primeiro momento, os jogadores eram pessoas que haviam ido para Inglaterra para estudar ou em missão de negócios ou ingleses que moravam em Portugal.
Em 1890, as famílias Pinto Basto, dos introdutores do futebol, e os Villar, proprietários do Colégio Villar, também conhecido como “Colégio Lisbonense”, se reuniram para criar a primeira associação esportiva exclusivamente dedicada a prática do futebol: o Foot-Ball Club Lisbonense. No entanto, o Ginásio Club Português foi a primeira instituição com uma equipe de futebol. Tendo a ginástica como principal modalidade esportiva, o GCP foi fundado em 1875, e, em 1889, eles criaram uma secção de futebol. Uma terceira associação que jogava futebol de maneira organizada na época era formada por ingleses, o Carcavelos Club.
Na sua origem, o futebol era uma atividade elitista. A presença do Rei D. Carlos em alguns jogos era uma evidência bem forte a esse estatuto social. Mas, diferente de Inglaterra, popularização do esporte não foi resultado de uma disputa de classes: quando o principal campo de futebol teve que ser mudado para Belém, a popularidade do jogo passou a aumentar, mas ao invés de irem contra esse movimento, os membros da elite que jogavam futebol ficaram contentes com essa transformação porque aumentava o números de pessoas para jogar, além de ser frequente a partilha dos transportes públicos entre os jogadores que iam aos jogos.
Durante a última década do século XIX, outras associações esportivas apareceram, mas com vidas muito efémeras. A falta de capacidade nas organizações e as paixões passageiras contribuíram para a explosão e o rápido desaparecimento de muitas associações. Além disso, o ultimato inglês dado à coroa portuguesa não ajudou a popularizar o futebol, afinal ainda era um esporte muito ligado aos ingleses, bem como um ambiente político muito instável, com a crise da monarquia. Todos esses elementos acabam justificando a diminuição da intensidade em relação ao futebol, notado pela diminuição de jogos e de associações.
Mas a crise política que conduziria ao fim da monarquia e levaria a proclamação da República, em 1910, não impediu a popularização do futebol. A modalidade foi ganhando espaço na sociedade na medida em que ela era associada a uma função de modernizar o homem português, que, segundo a opinião da época, havia se tornado preguiçoso após longa influência da educação religiosa. A imprensa foi fundamental nesse processo, pois era através de suas páginas que esse debate avançava, e além disso, o jornal “Tiro e Sport” foi o responsável pela organização da primeira competição no país. Reconhecendo a importância do futebol, a imprensa tinha o papel importante na educação e formação do público, através da divulgação das regras e eventos esportivos – uma ligação que se manteve importante ao longo de todo o século XX.
Depois que se organizou a primeira competição entre clubes, a popularidade do futebol começou a aumentar. Entre 1907 e 1910, o número de jogadores inscritos na federação de Lisboa passou de 96 a 507. Entretanto, esse sucesso se limitava a capital do país, pois o torneio era municipal. A cidade do Porto tentava seguir o mesmo caminho, mas a organização do esporte no resto do país ainda era precária.
No que diz respeito à organização, três cidades – Lisboa, Porto e Portalegre – possuíam federações locais capazes de organizar os jogos e campeonatos. Desde 1906, Lisboa organizava o seu torneio municipal, enquanto Portalegre começou a fazê-lo em 1911, e o Porto em 1913. Em 1914, as três associações municipais se reuniram para criar a UPF (União Portuguesa de Futebol) que mais tarde veio a se tornar a Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Dentre os seus objetivos estavam a filiação à FIFA e organização de um campeonato nacional. Essa missão acabou sendo dificultada por causa da guerra entre 1914 e 1918, mas a UPF organizou, regularmente, encontros entre as equipes do Porto e de Lisboa, tendo que se esperar até 1921 para o primeiro campeonato nacional e 1934 para a organização da primeira liga.
Depois que o domingo passou a ser considerado um dia de folga obrigatória pelo Estado, o futebol aumentou ainda mais a sua popularidade, pois passou a ser mais fácil a participação das classes operárias, seja como atletas ou como público. Em 1914, uma partida entre Benfica e Third Lanarck atraiu 10 mil pessoas. Igualmente, durante a segunda década do século XX, o número de clubes fora da capital se multiplicou, ajudado por um clima positivo para os movimentos associativos depois da proclamação da República.
As rivalidades nacionais também foram um importante elemento de popularização do jogo durante os anos 1920. Por um lado, criou-se a equipe nacional, cujos jogos contra outros países atraiam milhares de pessoas. Por outro lado, como o campeonato nacional não era muito lucrativo, os clubes organizavam amistosos contra clubes estrangeiros, que atraiam mais público, e, consequentemente, mais receitas de bilheteria.
Outro debate relevante na época era sobre a adoção do profissionalismo. No início, o esporte era praticado por uma elite, e o número de jogadores e espectadores eram bastante reduzidos. Na medida em que os jogos começaram a atrair mais pessoas, os clubes começaram a cobrar pelas entradas, e a bilheteria ultrapassou as cotas dos associados como principal fonte de receita. Entretanto, a transformação do futebol em espetáculo não teve, automaticamente, um aumento na remuneração dos jogadores. Oficialmente, o estatuto do futebol em Portugal era amador e os jogadores viam o esporte como uma atividade complementar, tal como uma atividade de lazer que permitia complementar a renda familiar. Em geral, os jogadores eram remunerados por via de subsídios para a alimentação, residência, transporte, ajudas para arranjar empregos e prêmios nas transferências. Um antigo jogador, Fernando Peyroteo, conta que na sua época, nos anos 1940, como os clubes não estavam autorizados, legalmente, a remunerar os seus atletas, cada um dos principais clubes tinha um grupo de mecenas que davam subsídios extras aos principais jogadores.
Oficialmente, o profissionalismo ainda demorou algum tempo para se concretizar. Na imprensa, um dos argumentos a favor da manutenção do amadorismo era o fato de que apenas na Inglaterra a situação era diferente, e a mudança para o profissionalismo poderia ser perigosa, pois ao receber salários para jogar, o espetáculo esportivo estaria em risco por conta das baixas receitas geradas. Sem nenhuma lei que regulasse a relação dos atletas com o clube, esse cenário nebuloso do amadorismo marrom podia continuar. Apenas em 1943, essa polêmica é posta de lado, pois o Estado proclama a primeira lei ligada ao esporte, dizendo que toda atividade esportiva deveria ser amadora. Em 1954, seis entre os principais clubes portugueses apresentaram um relatório, com base no qual pediam uma clarificação sobre o processo de transferência de jogadores e o estatuto dos atletas, mas foi preciso esperar até 1965 para que o profissionalismo fosse implementado oficialmente, a partir da criação de um contrato esportivo a ser estabelecido entre os jogadores e clubes.
Na história do futebol português, é notável a oposição entre Lisboa e o resto do país, mas sobretudo com a cidade do Porto. Tendo sido os pioneiros do futebol, era de se esperar que houvesse uma superioridade dos clubes da capital, mas além disso, como, no início, não havia uma federação nacional, os atletas que representavam o país na seleção eram conhecidos como a equipe de Lisboa. Como clube mais bem-sucedido, o FC Porto passou a ser um representante da região norte do país contra a capital, somando antagonismos políticos e económicos a essa rivalidade esportiva.
Tal como em outros regimes autoritários no mundo, o “Estado Novo” fez uso do futebol para a sua política. Ao lado do Fado e de Fátima, o Futebol compunha os três “F”s populistas do regime de Salazar. Outra importante instrumentalização do futebol era a justificação da manutenção das colônias portuguesas no território africano, uma vez que jogadores nascidos nesses países, como Eusébio e Coluna, estavam integrados aos clubes e a seleção nacional, como exemplo do sucesso colonial português, que já era visto de maneira negativa pela comunidade internacional.
Nos anos 1980, após o fim da colonização, Portugal se virou mais para a Europa, com a entrada na Comunidade Europeia, em 1985. Com a ajuda financeira recebida, o país passou por um processo de modernização para tirar o atraso em relação aos outros países do bloco económico, onde ideias de racionalização, organização e competitividade eram vistos como o caminho para o sucesso político e económico. Ao nível do futebol, a falta de vitórias internacionais, sobretudo da seleção nacional, era explicada pela carência de atributos da modernidade. Conduzido pelo FC Porto e pelo SL Benfica, o futebol português vai se modernizar, primeiro esportivamente e depois a em termos de organização, tendo sido visível a melhoria dos resultados esportivos.
A mercantilização e a influência da globalização sobre a economia influenciaram o futebol português. O aumento da presença do futebol na televisão contribuiu para que o público nos estádios diminuísse, bem como uma concentração de renda em um grupo reduzido de clubes. Paralelemente, a ligação do clube com a comunidade se torna mais fraca, pois os clubes se reorganizam em sociedades anonimas, e papel do acionista ganha importância em relação ao sócio. Além disso, ao nível continental, os clubes portugueses perdem protagonismo para equipes mais ricas, tornando-se exportadores de jogadores para mercados mais desenvolvidos.
Assim, de uma atividade jogada nas tardes de domingo em campos improvisados, rumamos para negócios internacionais. Não mais se misturam torcidas e jogadores nos trens em direção aos campos de jogo, não mais se miram a transformação do homem comum pelo esporte, hoje os clubes portugueses olham como o resto do país para as estrelas da União Europeia, e que também fazem parte da bandeira da competição continental.
Fonte principal: A Paixão do Povo – História do Futebol em Portugal, de João Nuno Coelho e Franciso Pinheiro. Editado pela Edições Afrontamento em 2002.
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