Historiografando o turismo

17/11/2013


Por Valeria Lima Guimarães

Olá!

Vem chegando a época do ano que muita gente fica ávida por relaxar, tirar férias, aproveitar a temporada de verão e, quem sabe, realizar aquela tão esperada viagem de lazer.

As viagens de turismo, uma das mais fortes expressões do lazer em nosso tempo e um dos mais importantes fenômenos sociais do planeta, tornaram-se cada vez mais comuns no Brasil, dada a conjuntura econômica e a diversificação da oferta para os mais variados perfis de consumidores.

Esse fenômeno implica numa intensa mobilidade de pessoas e capitais entre os países e regiões, provocando a criação ou o aperfeiçoamento de uma infraestrutura necessária para receber esse tipo de viajante, com a oferta de equipamentos e serviços adequados ao turista, além de provocar a produção de fortes impactos econômicos, culturais e sociais, principalmente nas localidades receptoras.

Apesar da importância do turismo, que vem sendo debatido entre nós no SPORT como um dos motores da modernidade, o tema permaneceu à margem da História. Só muito recentemente na Europa e nas Américas, incluindo-se o Brasil, é que têm surgido iniciativas de escrita de uma história do turismo com as ferramentas e preocupações inerentes ao ofício do historiador. Isto significa dizer que as velhas cronologias que reificavam os mitos fundadores do turismo (e da modernidade) começam a ser deixadas para trás e o fenômeno acaba sendo percebido como uma nova e interessante lente para se ver as sociedades contemporâneas.

Como costuma dizer Victor Melo em nossas conversas, a história do turismo vem desenvolvendo uma trajetória muito parecida com a que a história do esporte percorreu há alguns anos. Aliás, em nossos debates e pesquisas desenvolvidas no SPORT e no HisTur (Laboratório de História do Turismo, da UFF), fica bem clara a estreita relação entre os dois fenômenos (o turismo até foi considerado uma modalidade esportiva, lá pelas décadas de 1910 e 1920). De vagarinho o subcampo vai se constituindo, aqui e em outros países, e já estão sendo superados alguns mitos assim como as análises explicativas que tomam o modelo dos países centrais como referência para a manifestação do fenômeno nas periferias.

Um exemplo disso é a ideia de que durante a Segunda Guerra o turismo ficou paralisado em todo o mundo, o que não se confirma a partir do momento em que se investiga os acervos documentais de países como Brasil, Argentina, Uruguai, México e Estados Unidos, por exemplo, que estavam bastante mobilizados em fomentar um turismo pancontinental e alternativo ao mercado europeu no período do conflito.

Aos poucos vão surgindo novas produções que atestam a preocupação dos historiadores com o turismo, como o Journal of Tourism History, editado desde 2009 pelo inglês John Walton, pela Taylor & Francis Online. Walton, que pesquisa a história do turismo desde a década de 1960, é conhecido como um dos mais antigos pesquisadores da história do turismo em atividade e suas investigações se relacionam às viagens turísticas de operários ingleses nos séculos XIX e XX, sem a mitificação do nome do inglês Thomas Cook, considerado o inventor do turismo moderno. Em 2012 tive o prazer de conhecê-lo em Mar del Plata, na Argentina, num encontro de pesquisadores de história do turismo, promovido por colegas da Universidad Nacional de Mar del Plata.

Dentre as novas produções da área, chamam a atenção os livros de Ema Cláudia Pires, “O baile do turismo: turismo e propaganda no Estado Novo”, publicado em 2003, e o de Sacha Packs “La invasión pacífica: los turistas en la España de Franco”, de 2006. O primeiro investiga o turismo sob o regime de Salazar, em Portugal e o segundo, o fenômeno turístico na ditadura de Franco, na Espanha. Ambos apontam como o estímulo ao turismo foi importante para o fortalecimento da identidade nacional sob a ideologia dos dois regimes.

Outro que estuda a relação entre o turismo e a identidade da nação é Eric Zuellow, cuja obra mais conhecida é Making Ireland Irish: Tourism and National Identity Since the Irish Civil War, publicada em 2009. O olhar sobre o nacionalismo irlandês e sobre as clivagens entre irlandeses e ingleses, vistos sob o ângulo do turismo (com a análise da construção de atrativos valorativos à nação), ganham um novo fôlego nos estudos deste historiador que é ainda conhecido pelos pesquisadores de história do esporte pelas suas inserções também nesse campo.

Na Argentina destaco os trabalhos de Elisa Pastoriza e Melina Piglia, que investigam, respectivamente, a construção da argentina turística, especialmente pela via do peronismo, e a trajetória do Automóvil Club Argentino, uma das principais instituições responsáveis pela construção do turismo rodoviário no país.

Aqui no Brasil, uma obra bastante importante é o livro Uma pré-história do Turismo no Brasil – recreações aristocráticas e lazeres burgueses (1808-1850), de Haroldo Leitão Camargo, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O autor parte da concepção do turismo como uma invenção social e identifica na passagem para a sociedade industrial no Brasil, as condições possíveis para o surgimento e desenvolvimento de uma cultura do turismo no país.

Também estão sendo desenvolvidas no país, âmbito da História, teses e dissertações que tratam do passado do turismo sob diversos enfoques, uma delas de minha autoria, orientada por Victor Melo e defendida em 2012 no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no qual está inserido o SPORT. Nas referências bibliográficas ao final deste post você poderá ver algumas dessas novas teses e dissertações.

O fortalecimento da relação entre as duas disciplinas, a História e o Turismo vem ganhando força a ponto de, desde 2011, serem organizados simpósios temáticos nos dois mais importantes fóruns de História e de Turismo do país – O Simpósio da ANPUH (Associação Nacional de História) e o Seminário da ANPTUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Turismo), nos quais temos tido ativa participação.

Nesses fóruns, estudiosos de várias regiões brasileiras têm apresentado suas pesquisas apontando cada vez mais – assim como nas discussões acerca da história do esporte no Brasil – que a história do turismo nacional não se resume ao Rio de Janeiro, “Cidade Maravilhosa”, capital da nação até 1960 e ainda hoje principal portão de entrada do turista de lazer no país.

As recreações aristocráticas em Pelotas no século XIX, a invenção da “cearensidade” pelo turismo, nos idos dos anos 1960, a invenção das tradições gaúchas para/pelo turismo, a construção da Natal litorânea, os projetos paulistanos de superação do Rio em importância turística, as viagens de turismo na literatura brasileira, o desenvolvimento do turismo noutras cidades fluminenses, como Paraty e Petrópolis, a construção do turismo social no Brasil, entre outros temas, apontam para a relevância das pesquisas históricas que estão sendo desenvolvidas sobre o turismo, com uma investigação séria e profunda das fontes documentais.

Em agosto de 2013 foi lançado o livro História do Turismo no Brasil, do qual tive o prazer de ser uma das organizadoras, ao lado dos colegas Celso Castro e Aline Montenegro. Trata-se de uma coletânea de artigos apresentados no I Simpósio de História e Memória do Turismo da ANPUH de 2011, juntamente com outros textos de autores convidados.

Esses jovens trabalhos demonstram que o turismo também tem história e que vale muito a pena não só praticá-lo como também estudá-lo. Boa viagem por essas leituras! Você descobrirá muitas proximidades entre a história do esporte e a do turismo.

Voltarei a falar do tema nos meus futuros posts, trazendo novos estudos empíricos e fontes sobre o assunto.

Até lá!

Referências

AGUIAR, Leila Biachi. Turismo e preservação nos sítios urbanos brasileiros: o caso de Ouro Preto. Niterói: Universidade Federal Fluminese/Programa de Pós Graduação em História, 2006 (Tese de Doutorado).

CAMARGO, Haroldo Leitão. Uma pré-história do turismo no Brasil: recreações aristocráticas e lazeres burgueses (1808-1850). São Paulo: Aleph, 2007.

CASTRO, Celso, GUIMARÃES, Valeria e MONTENEGRO, Aline (orgs.). História do turismo no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2013.

DAIBERT, André Barcelos Damasceno. História do Turismo em Petrópolis entre 1900 e 1930. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, 2010 (Dissertação de Mestrado).

GUIMARÃES, Valeria Lima. O turismo levado a sério: discursos e relações de poder no Brasil e na Argentina (1933-1946). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro/Programa de Pós-Graduação em História Comparada.

MARCELO, Hernán Venegas. Patrimônio Cultural e Turismo no Brasil em perspectiva Histórica: encontros e desencontros em Paraty. Niterói: Universidade Federal Fluminense: Programa de Pós-Graduação em História, 2011 (Tese de Doutorado).

PACK, Sasha D. La invasión pacífica: los turistas y la España de Franco. Madrid: Turner, 2009.

PIRES, Ema Cláudia. O Baile do turismo: turismo e propaganda no Estado Novo. Lisboa: Caleidoscópio, 2003.

PASTORIZA, Eliza. La conquista de las vacaciones: breve historia del turismo en la Argentina. Buenos Aires: Edhasa, 2011.

PIGLIA, Melina. Automóviles, Turismo y carreteras como problemas públicos: los clubes de automovilistas y la configuración de las políticas turísticas y viales em la Argentina (1918-1943). Buenos Aires: Facultad de Filosofia y Letras de la Universidad de Buenos Aires, 2009. (Tese de doutorado).

WALTON, John. Welcome to the Journal of Tourism History. In: Journal of Tourism History, 1:1, p. 1-6, 2009. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1080/17551820902739034&gt;. Acesso em 15 de novembro de 2013.

ZUELOW, Eric. G. E. Making Ireland Irish: tourism and national identity since the Irish Civil War. New York: Syracuse University, 2009.

Fonte: http://historiadoesporte.wordpress.com/

 

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