Olá amigos do História(s) do Sport.

A Copa do Mundo de Futebol é o assunto do momento, e não poderia ficar de fora nesse post. O andamento (ou não) das obras de infra-estrutura, os protestos e articulações políticas, as sedes dos jogos, as namoradas do Neymar, são apenas alguns elementos que povoam nossa imaginação.

Ah, a imaginação!

A tão falada frase que ganhou os comerciais de tv, as redes sociais e as conversas de botequim sobreviveu à repetição exaustiva e ao cansaço de alguns: “imagina na copa?

Imagina?

Imagina?

A frase se repete sempre que vemos alguma notícia ou fato, geralmente ligados aos problemas ainda por serem resolvidos (será?) até o Mundial. E assim todos nós imaginamos. Ontem entrei em um táxi e o assunto não podia ser outro. Me disse o motorista: “como você acha que vai ser durante a copa?”. E assim tem sido desde que o Brasil foi escolhido como sede para a Copa do Mundo de 2014.

Pois bem. A boa notícia é que nossas indagações estão com os dias contados. No próximo dia 12 de junho, vamos parar de imaginar e ver como realmente será.

Mas se você partilha comigo de certa ansiedade sobre esses dias vindouros de muito futebol e “sabe-se-lá-mais-o-que”, vou dividir com o amigo leitor um exercício que fiz nos últimos dias.

Cansado de imaginar como será na Copa, eu fui aos arquivos da Biblioteca Nacional, e no intuito de aplacar um pouco da minha angústia, resolvi ler um pouco sobre como foi a Copa no Brasil. Então voltei ao ano de 1950, pelas páginas da Revista O Cruzeiro. Lá eu encontrei um pouco de tudo: toda euforia pelo evento, a cobertura dos jogos, a alegria do torcedor, o orgulho pelo Maracanã, o maior estádio de futebol do mundo.

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Mas quem acompanha minhas postagens aqui no blog sabe que, o que me salta aos olhos é o que me parece diferente, curioso ou inusitado. Confesso que nunca fui profundo estudioso do futebol (daquele de ir à biblioteca e mergulhar nos arquivos), mas uma notícia específica me chamou a atenção.

Sem mais delongas, segue a reportagem de David Nasser, na edição de 15 de julho de 1950 da Revista O Cruzeiro

A Copa Errada

Rio de Janeiro – Da cadeira numerada 2, letra G, setor 25, 140 cruzeiros, debaixo de goteira, especial para O CRUZEIRO, junho de 1950 – Aqui, senhores, está a reportagem feita sem a menos facilidade da CBD ou da inepta e inexistente Comissão de Imprensa criada para a Taça Jules Rimet. Do reduzido espaço de uma cadeira numerada, tendo a vizinhança do ilustra brigadeiro Eduardo Gomes e do teatrólogo Luís Iglezias. Sobre a nossa cabeça uma goteira que não parava nunca, conseguimos trazer a agradável impressão de uma vitória do Brasil, no terreno esportivo, mas de fracasso da CBD na parte administrativa. 880 jornalistas e pseudojornalistas assistiram à peleja, enquanto a alguns profissionais em serviço se procurava dificultar a missão. Nesta véspera de jogo deve ser comum o diálogo entre a cozinheira e o motorista:

- Durvalina, você quer ir ao jogo do Brasil?

- Mas, como, Manuel? De arquibancada?

-De arquibancada ta difícil. O jeito é a gente ir mesmo de Tribuna de Imprensa.

Certos paredros esportivos são como elefantes de circo: vivem a glória apenas na hora do espetáculo. Depois, volta à obscuridade e à vida monótona de todos os dias. Procure, amigo, uma dessas eminências atualmente e encontrará fechada todas as portas: a de casa, a do escritório e a da confederação. Os respeitáveis e altíssimos governantes dos esportes nacionais, dirigentes das grandes rendas, colocam-se em pedestal cuja base não se forma de sabedoria ou cultura, mas de maleabilidade, de jeito, de tato em lidar com os torcedores, com os jogadores e principalmente com a igrejinha que é a própria alma da entidade. Só se trata do esporte, no Brasil, em função do lucro. O atletismo está abandonado, o tênis foi posto à margem, o basquete atravessa uma fase ruim, a natação já não interessa. Só o futebol, porque o futebol dá renda. Essa história de cultura física, de aprimoramento racial, não passa de bobagem sem nexo para os mentores esportivos do Brasil. Por essas e outras razões, a Copa do Mundo só não se transformou em fracasso técnico graças às próprias equipes. No que dependeu da CBD, da Comissão de Imprensa e de todas as outras comissões ineptas, o fracasso é absoluto, completo e desolador.

(…)

Sua Excelência, o paredro, analisou, há alguns meses, o problema do turismo. Antes de tudo, a CBD teria de gastar dinheiro com a propaganda do Brasil no exterior e a CBD se recusou a imprimir cartazes e a divulgar as nossas coisas na Europa e noutros continentes. Mário Provenzano [repórter da revista], Fernando Bruce e Geraldo Romualdo da Silva, três honestos e competentes cronistas esportivos, voltaram impressionados de uma longa viagem ao estrangeiro: quase não haviam lido um artigo, uma reportagem, uma apreciação sobre o campeonato do mundo a realizar-se no Brasil. Em nossa permanência na Europa nem os jornais especializados falavam sobre o assunto.

Um rapaz do ‘Match’, a maior revista da França, explicou o desinteresse:

“- Temos a impressão de que não será realizada a disputa da Taça Jules Rimet no Brasil em 1950. Nada sabemos a respeito da construção do novo estádio e só se propala, aqui, a falta de hotéis e acomodações para turistas.

A CBD não se importava, na realidade, com a parte turística. A CBD sabia, tinha plena convicção, de que as grandes rendas seriam produzidas pela torcida brasileira. Aos elefantes esportivos pouco importava a contribuição de dólares, de dinheiro, de benefícios que os 90 mil turistas trariam ao Brasil durante a Copa do Mundo. “- Daremos a festa com a prata da casa”, raciocinaram, e se deixaram orientar sempre e sempre por esse principio egoístico e antinacionalista.

Dos noventa mil, apenas uns dois mil turistas apareceram por aqui. No cais do porto ou no aeroporto, ninguém para recebê-los. Desde o primeiro minuto, sentiram-se deslocados, sem informações, sem guias, sem facilidades. Para um polonês ou letão ir ao Estádio, imaginem as dificuldades. Tivemos, assim, o fracasso turístico.

Os grifos na reportagem foram feitos por mim. Infelizmente não tenho as fotos dessa e de outras edições para ilustrar esse post. As fotos mostram um estádio do Maracanã incompleto, com vergalhões e resto de obra à mostra, fotos da confusão e descontrole para entrar no estádio e dos feridos sendo atendidos. Há inclusive a menção de uma morte durante um dos jogos da seleção brasileira (isso na edição de 29/07 de 1950).

Voltar à primeira Copa do Mundo no Brasil através das reportagens da Revista O Cruzeiro não me mostrou que alguns problemas parecem os mesmos. Também não me mostrou que, em alguns aspectos, podemos até ter melhorado. Pensei que fosse aplacar um pouco da minha ansiedade em saber como será, mas isso também não aconteceu. Mas posso dizer após esse exercício de ida aos arquivos, que conhecer o passado pode nos ajudar sim a compreender o presente. Além de ser algo fantástico.

Então me resta agora aproveitar os últimos meses em que posso imaginar, antes de saber como será. Te aconselho a fazer o mesmo:

Imagina na Copa?

 

Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com

Comentários

Por Edison Yamazaki
em 18 de Fevereiro de 2014 às 03:57.

Coriolano,

Muito bom a sua matéria.

Se todos pudéssemos buscar no passado alguns elementos para entendermos o presente, e quem sabe até o futuro, tenho certeza de que algumas coisas teriam sido diferentes. Se o povão soubesse de tudo isso, acho que essas manifestações, infrutíferas neste momento, teriam acontecido antes do país ser declarado sede da Copa. Faltou à população um pouco mais esclarecimentos, informações e verdade. Deixaram-se levar pelas emoções enquanto a organização de uma Copa é racional.

Mais uma vez sinto que os brasileiros estão sendo ludibriados, e me recuso a aceitar de que o futebol é o ópio da população. Me indgino com uma país tão fácil de "dobrar", tão carente de atenção, tão cheio de mazelas induzidas.

Se hoje, atrasadamente o povão se revolta... imagina na Copa?

 

Por Roberto Affonso Pimentel
em 18 de Fevereiro de 2014 às 11:13.

Coriolanol,

Apreciei muito a mensagem grifada ... "conhecer o passado pode nos ajudar sim a compreender o presente. Apenas acrescentaria um detalhe: "...e construir o futuro".  

História, memória da humanidade? (veja a íntegra)

 

Existe uma tendência entre confundir memória com história. Todas as sociedades possuem uma forma de relação com o passado e, por sua vez, possuem suas regras e técnicas. E estas precisam ser colocadas à prova de quando em quando para que se possa sempre distinguir o verdadeiro do falso. Esta é uma conquista da qual não devemos abrir mão. Um dos desafios da história é acertar sua relação com a literatura? A relação entre ambas é muito próxima. Os historiadores também são contadores de histórias, mas tentam contar histórias verdadeiras. É a relação entre o verdadeiro e o falso.

Qualquer afirmação sobre a realidade histórica – mesmo a que diz que Napoleão Bonaparte existiu – vale até que alguém prove o contrário. Se aquelas afirmações não fossem sujeitas a falsificações (em linha de princípio teórico), seriam dogmas. Como considerar hoje essa ambição de retratar os indivíduos esquecidos pela história? Hoje eu insistiria ainda mais no estudo da relação entre o indivíduo e o grupo social ao qual ele pertence; uma relação que deve ser explorada concretamente na medida em que os documentos assim o permitem.

Construindo o elo entre passado e futuro, entre o indivíduo e o seu grupo social.

“Representar e ilustrar o passado, as ações do homem são tarefas tanto de historiador como do romancista; a única diferença que posso ver é totalmente favorável a esse último (à proporção, é claro, do seu êxito) e consiste na maior dificuldade que ele encontra para reunir as provas que estão longe de ser puramente literárias”.  (Henry James)

Para entender um pouco mais fui buscar subsídios no historiador italiano Carlo Ginzburg e deixo a critério de cada um se devem se aprofundar no assunto: “Possivelmente o alcance da História seja muito superior ao da Memória. Por isto, quase sempre tenhamos todos a pretensão de construir nossa própria história através da memória e concluirmos que é a verdadeira. Ocorre que à história de cada um acrescentam-se muitas outras, e aí vamos unindo os retalhos, os fragmentos e compondo a História. O melhor caminho talvez seja unir com ponderação provas e possibilidades, erudição e imaginação.

A cultura do otimismo

Em minhas pesquisas nestes dias, quando buscava o discurso memorável de John Kennedy sobre a importância da Educação Física para o povo americano, deparei-me com algumas de seus pensamentos   que reproduzo, pois se aplica em qualquer época. Ressalto que ao ler cada um deles sinto-me repleto de otimismo pelo futuro. Aqui estão:

  • A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro.
  • Às vezes é preciso parar e olhar para longe, para podermos enxergar o que está diante de nós.
  • Não vamos tentar consertar a culpa do passado vamos aceitar nossa responsabilidade pelo futuro.
  • A hora certa de consertar o telhado é quando faz sol.

Cuidado, Edson, o termo "povão" da maneira que coloca, está carregado de preconceito, nada agradável para nós brasileiros, Ainda há inteligência neste país. 


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