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Mestre Bimba
Depoimentos inéditos do pai da capoeira regional são recuperados a partir de uma velha fita de vídeo entregue em uma pequena emissora da cidade de Florianopólis.
Bruno Farias

A Ilha de Santa Catarina, onde está localizada hoje a maior parte da capital do estado, Florianópolis (SC), sempre foi um lugar cosmopolita. E a antiga "Desterro" já recebeu gente de diversas partes do mundo, desde a era de Sebastião Caboto e dos primeiros colonizadores açorianos até os dias de hoje. Já foi ocupada por espanhóis, retomada por portugueses e, mais tarde, após a independência e o desenvolvimento do país, veio o turismo. Durante todo este período, Floripa sempre foi um local de passagem.

Eu fui um dos tantos transeuntes que já moraram pela Ilha da Magia, tendo vivido nela desde 2003 e me formado em São José, na mesma região metropolitana. Nesse meio tempo, trabalhei como diretor de programação da PAM TV Florianópolis. Foi nesta época que conheci Alexandre, manézinho da ilha que participava de uma escola de capoeira existente na Praia do Santinho. Ele trouxe para mim uma fita VHS do acervo do grupo, segundo ele, com "imagens raras de uma entrevista com o mestre Bimba".

Ao assistir o vídeo, vi que ele continha não só o referido depoimento, mas também filmes clássicos dedicados ao esporte, como "Vadiação" e "Dança de Guerra", imagens do lançamento de um disco de capoeira na Bahia (com direito a briga e tudo), e outras pérolas relacionadas à dança de origem africana que depois se tornou uma arte marcial tipicamente brasileira.

Na velha fita também havia imagens de um bate-papo realizado por especialistas no Circo Voador, no Rio de Janeiro (RJ). Verdadeiros tesouros audiovisuais relacionados à história do esporte. Uma dessas pessoas, um senhor magro de cabelos brancos que não foi possível identificar, contou inclusive a origem do nome "capoeira". Segundo ele, quando o esporte era proibido, as pessoas eram obrigadas a ir treinar no mato, também chamado de capoeira. Nessas de "vamos pra capoeira", o nome acabou pegando.

Estes relatos depois acabaram se perdendo junto com o restante do vídeo, que foi estocado em um DVD de má qualidade que após três anos já não podia mais ser assistido. Porém, felizmente restou uma amostra do vídeo "Relíquias da Capoeira" de aproximadamente dois minutos, recuperada recentemente no acervo da extinta PAM TV, que o exibiu em 2006 para os telespectadores florianopolitanos. Nele, estão trechos de duas entrevistas mostradas no documentário: a do próprio Mestre Bimba e a de um outro senhor, cujo nome desconheço, mas que aparenta ser um profundo conhecedor da história deste importante personagem da cultura brasileira.

Em seu depoimento, o Bimba falou dos motivos pelos quais se mudou de seu lugar natal para a capital do estado de Goiás: "O que me traz aqui no estado de Goiânia, motivo este de suspender esse esporte de capoeira, conforme já está divulgando pelo professor que é aluno meu, chamado Osvaldo de Souza. De maneira que não deixei minha terra por ser uma terra ruim. Sim, vim por motivo de finança". O criador da Capoeira Regional, visivelmente contrariado, ainda desabafou: "Quer dizer que aqui em Goiânia eu achei mais apoio de que na minha própria terra".

O outro especialista, mostrado no mesmo bate-papo gravado no Circo Voador e cujo relato pôde ser recuperado em parte na amostra do vídeo, falou também da importância do Mestre. "O Bimba fundiu a Capoeira de Angola com o batuque, que era uma forma complementar. Uma forma subsidiária da capoeira", revelou. E assim, nasceu a Capoeira Regional, acompanhada de música e com movimentos mais rápidos – a dança original reproduzia os golpes lentamente e com um acompanhamento sonoro bem mais simples. Ele também explicou como Bimba acabou criando, a partir da versão original trazida da África pelos escravos, uma arte marcial genuinamente brasileira: "O pai do Bimba era batuqueiro. Então ele intercalou na capoeira todos os golpes do Batuque. Enriqueceu a capoeira e criou uma metodologia de ensino. Quer dizer, o mérito do Bimba é esse", explicou.

A velha fita VHS depois foi enviada de volta pro acervo do grupo de esportistas através de um outro capoeirista que, irônicamente, também se chama Alexandre. E, bem depois do vídeo ser exibido na televisão catarinense, surgiram outras cópias da entrevista original com mestre Bimba na internet. Mas em nenhuma delas consta a origem do vídeo. Se estas imagens não tiverem sido gravadas por nenhuma outra emissora, o primeiro canal de televisão a exibir este importante depoimento terá sido a extinta PAM TV Florianópolis. Antes mesmo do esporte ser reconhecido por lei como patrimônio cultural dos brasileiros.

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