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Edição 4477

Morre o antropólogo Gilberto Velho

A ABC e grupos de cientistas sociais pretendem homenagear o antropólogo este ano em seus eventos. Colegas destacam seu pioneirismo na antropologia urbana.
Faleceu na madrugada deste sábado (14) o antropólogo Gilberto Velho, aos 66 anos, vítima de um AVC enquanto dormia em seu apartamento, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi velado no domingo (15) no Cemitério São João Batista, e cremado hoje (16) no Cemitério São Francisco Xavier, na Zona Portuária do Rio.

Em nota, a presidente Dilma Rousseff afirma que a "triste perda" do antropólogo "deixa uma lacuna no trabalho coletivo de se pensar o nosso País". "Suas pesquisas enriqueceram as ciências sociais e deram contribuição fundamental para o entendimento do Brasil contemporâneo", lamenta a presidente.

É consenso no meio científico que o trabalho de Velho é pioneiro especialmente na área da antropologia urbana, tanto no Brasil quanto fora. Sua contribuição se deu em áreas como o estudo das camadas médias e elites urbanas, antropologia das sociedades complexas, estudos de transe e possessão, teoria da cultura, antropologia e sociologia da arte, violência e a problemática do uso de drogas, além do papel social e político destas.

"Linha de frente" - Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), lembra que Velho foi um dos primeiros a introduzir esses temas modernos numa época em que a antropologia se concentrava no estudo das populações indígenas. "Uma contribuição excepcional, pioneira no Brasil; Gilberto estava na linha de frente das Ciências Sociais", ressalta.

Em ’A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social’, de 1973, Velho deslocou o foco das pesquisas antropológicas para o cerne urbano da sociedade, baseando-se em entrevistas com moradores de um prédio de Copacabana.

Daniel Simião, secretário geral da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), da qual Gilberto Velho foi presidente de 1982 a 1984, conta que sua reflexão sobre "estranhar o familiar e familiarizar-se com o exótico na construção do olhar antropológico", publicada há mais de três décadas, ainda é muito utilizada na formação acadêmica dos antropólogos, "em qualquer disciplina de introdução à antropologia". "É a importância de reconstruir nossos mapas mentais para entender o que nos é familiar, mas não é conhecido. Isso vem da preocupação dele de estudar o que é próximo, que constitui o campo da antropologia urbana. Foi um professor que marcou muitas gerações", lembra.

Velho foi eleito Membro Titular da ABC em 2000, sendo um dos primeiros de área de Ciências Sociais a ingressar na Academia. "Ele colaborou muito com a Academia, sempre muito disposto, muito positivo. Foi muito inesperado", lamenta Palis, destacando também seu apoio à formação de pesquisadores jovens, "de quem cuidava muito".

Atualmente, ele desenvolvia uma pesquisa em Carreiras, Projeto e Mediação em Sociedades Complexas, onde investigava as relações entre vários níveis e domínios da realidade sócio-cultural, assim como processos de construção social da realidade e de definição de situação a partir das tradições interacionista e fenomenológica das ciências sociais. Nos últimos anos, preocupou-se em estabelecer comparações entre o Brasil e outras sociedades, particularmente com Portugal.

Carreira - Nascido no Rio de Janeiro, Gilberto Cardoso Alves Velho graduou-se em  Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ) em 1968. Dois anos mais tarde, obteve o mestrado em Antropologia Social no Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ, em 1970. Especializou-se em Antropologia Urbana e das Sociedades Complexas na Universidade do Texas, em Austin (EUA) e concluiu o doutorado em  Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo, em 1975.

Foi professor visitante e conferencista em universidades como a Columbia University, Berkeley University, Universidade de Utrech e Universidade de Leiden (Holanda), Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e Museu Nacional de Etnologia de Lisboa (Portugal), Universidade de Goa (Índia), entre outras.

Além da Associação Brasileira de Antropologia, Gilberto Velho presidiu a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em  Ciências Sociais, ANPOCS (1994-1996). Foi vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de dezembro de 1991 a julho de 1993, ocupando o lugar de José Albertino Rodrigues, morto em um acidente automobilístico.

Foram mais de 160 artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais, além de ter sido organizador e autor de 16 livros. Recebeu da Presidência da República do Brasil a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico em 1995 e a Grã-Cruz em 2000. Anteriormente, já havia sido homenageado com a Medalha UERJ-40 Anos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (em 1990) e posteriormente com a Medalha Capes 50 Anos, em 2001. 

Homenagens em 2012 - A ABC pretende homenageá-lo em sua reunião magna anual, que ocorrerá nos dias 7  a 9 de maio e vai lançar a ideia de um simpósio no fim de 2012 na área de Ciências Sociais em sua memória, durante a reunião Avanços e Perspectivas na Ciência no Brasil, América Latina e Caribe. Por sua vez, Daniel Simião lembra que em julho, durante a 28ª Reunião Brasileira de Antropologia, em São Paulo, "certamente haverá um espaço para homenagear esse grande mestre".

Atualmente, Gilberto era professor titular do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, da UFRJ. Ele tinha um histórico de problemas de cardiopatia, era divorciado e não deixa filhos.

(Clarissa Vasconcellos - Jornal da Ciência)

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