03/10/2016
Cleber Dias
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Interessados em descobertas científicas talvez desconheçam os procedimentos que operam nos bastidores das ciências. Geralmente, trata-se de um universo obscuro e cheio de jargões, inteiramente vedado, portanto, apenas aos técnicos mais altamente qualificados. Um dos principais mecanismos na regulação da produção de conhecimentos científicos novos é a “revisão por pares”, pomposamente chamado, em inglês, que é língua oficial da ciência, “peer review”. Basicamente, é um procedimento em que um, dois ou mais especialistas avaliam os resultados de uma pesquisa antes deles se tornarem públicos. A justificativa fundamental é a de que o material que comunica os resultados das pesquisas (geralmente artigos, mas às vezes também livros), devem ter sua confiabilidade e relevância assegurados por especialistas no assunto. Assim, todo conhecimento científico divulgado teria, então, passado por um crivo avaliativo rigoroso que lhe garantiria a excelência.
Para ampliar ainda mais as isenções e garantias do processo, tudo se passa de maneira anônima, de modo que os autores da pesquisa desconhecem a identidade dos avaliadores, bem como os autores desconhecem também a identidade dos avaliadores. A isso chama-se “duplo cego”. Todo acadêmico profissional confronta-se com esse sistema de julgamento, seja para publicar os resultados de suas pesquisas, seja antes para acessar recursos financeiros que garantem a sua realização.
Curiosamente, apesar da onipresença da revisão por pares no cotidiano científico, o assunto tem sido pouco explorado cientificamente. Mecanismos de avaliação de mérito, em que o avaliador é anônimo, são de fato capazes de assegurar a excelência de um trabalho científico? A própria ausência de publicidade que cerca o processo impede análises confiáveis sobre o assunto. Afinal, diante de tanto sigilo, quem pode avaliar o avaliador?
Esforços de estudar mais profundamente a revisão por pares já caracterizaram o processo como “altamente subjetivo”, “propenso a divergências”, “facilmente abusivo”, “limitado na identificação de erros graves” e “quase inútil na detecção de fraudes” (a síntese é de Mario Biagioli, da Universdade de Harvard, em artigo sobre a história da revisão por pares, publicado na revista Emergences). Negligência, incompetência, plágio e conflito de interesses têm sido também documentado entre avaliadores.
Especialistas em fraudes científicas estimam que mais de 50% dos artigos científicos publicados podem conter fraudes ou erros graves, apesar de terem sido previamente submetidos à revisão de especialistas. Estudo sobre artigos biomédicos publicados desde 1975 chegou a identificar que quase 70% deles continham algum tipo de má conduta científica, tais como fraude, suspeita de fraude, publicação duplicada ou plágio. Por outro lado, pesquisas importantes, que depois acabaram obtendo prêmios Nobel, foram rejeitadas durante a revisão por pares. As descobertas de Gerd Binning e Heinrich Rohrer, por exemplo, que permitiram o microscópio capaz de obter imagens de átomos e moléculas ao nível atômico, foi rejeitado pela revista Science, baseado em parecer anônimo que classificava o artigo como não sendo suficientemente interessante. Em entrevista recente a King’s Review Magazine, em fevereiro de 2014, Sidney Brenner, vencedor do Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2002, botou a boca no trombone e classificou a revisão por pares como “muito distorcida” e “completamente corrupta”.
São sempre muito tênues as fronteiras entre crítica e censura no processo de revisão por pares, especialmente porque critérios de julgamento científico quase nunca serão unívocos ou consensuais. É perfeitamente possível que dois diferentes especialistas tenham apreciações inteiramente divergentes a respeito de um mesmo artigo. O artigo original, inovador e relevante para uns, pode ser medíocre, redundante e sem fundamento para outros. E divergências agudas desse tipo acontecem com frequência. Diante dos inúmeros impasses possíveis, tende a predominar a percepção de quem está em posição de vantagem e com o poder de julgar: o anônimo revisor.
Nesse contexto, mais que apenas avaliar o mérito científico de resultados de pesquisa, a revisão por pares por vezes pode se confundir com mero exercício de poder, em que especialistas encarregados de revisarem artigos, escondidos em seus anonimatos, impõem seus próprios juízos, decidindo o que deve ou não ser vinculado publicamente. O resto é história, ou deveria sê-lo, não fossem as inúmeras formas de divulgação disponíveis atualmente.
Agora mesmo, depois de ter um artigo sobre história do esporte rejeitado pela Revista Brasileira de Ciências do Esporte, julguei por bem disponibilizá-lo aqui (porque-ainda-nao-sou-elisiano-blog). Além do artigo, como anexos, disponibilizo ainda o parecer dos revisores anônimos (anexos 1 e 2) e uma carta que enviei aos editores contestando o conteúdo da avaliação (anexo 3). Suponho que o artigo em si, bem como a exposição de todo o processo de avaliação que lhe acompanha, possa ser de algum interesse aos historiadores do esporte ou entusiastas no assunto. Para poupar o tempo e a paciência do leitor, vou privá-lo de quaisquer outros comentários sobre detalhes técnicos do artigo ou da discussão que lhe seguiu. O material em anexo já deve ser suficiente.
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