O casamento da bicicleta com o turismo: discutindo a relação

31/10/2016

Por Valeria Guimarães

Salve, salve, estimados leitores!

Neste post a conversa une duas paixões contemporâneas: os pedais e o turismo. Fazer turismo de bicicleta é um movimento que vem crescendo em todo o mundo, acompanhado da tendência do crescimento do ciclismo urbano, seja como meio de transporte, seja como lazer. Muitos países europeus perceberam – não sem antes terem sofrido muita pressão da sociedade civil organizada e feito as contas do quanto economizam (e aí entram até os custos com o tratamento da obesidade em função do sedentarismo) e quanto arrecadam – que o futuro da mobilidade nas cidades depende do desestímulo ao uso do carro e de um incentivo cada vez maior à cultura do uso da bike.

O projeto EuroVelo, iniciativa da Federação Europeia de Ciclistas, é um dos principais fomentadores do cicloturismo no continente, que destaca-se pela ambiciosa meta de construir até 2020 uma rede integrada de ciclovias que conecta mais de 40 países do Velho Mundo. Por enquanto já foram lançadas 15 rotas. O principal destaque é a rota Eurovelo 13, também conhecida como Cortina de Ferro. A mais extensa de todas as rotas ciclísticas europeias, se estende da Noruega à Turquia, ligando 20 países em seus 10.400 km.

Mapa das rotas integrantes do projeto Eurovelo

eurovelo

http://www.eurovelo.com/en/eurovelos

No Brasil, o cicloturismo vem se desenvolvendo a passos lentos, requerendo ainda muito esforço de mobilização da sociedade civil organizada para sensibilizar governos, iniciativa privada (inclusive os atores do chamado trade turístico) motoristas, ciclistas e pedestres sobre a importância da cultura das viagens realizadas com a magrela, dentro e fora das cidades, inclusive como dinamizadora das economias locais, especialmente na baixa temporada. A falta de infraestrutura de apoio ao cicloturismo e de segurança para a prática são dois dos maiores entraves para a atividade, que acabam desestimulando muitos ciclistas e cicloturistas em potencial.

Algumas rotas são bem conhecidas pelos praticantes do cicloturismo no Brasil, com destaque para o Vale Europeu, em Santa Catarina, que integra 9 municípios do médio Itajaí e é considerada uma referência nacional em cicloturismo, com sinalização específica para a realização de um percurso autoguiado. Podem ser citadas também a Rota Montanhas Mágicas da Mantiqueira, no sudeste de Minas Gerais, abrangendo 8 municípios, e a Rota Franciscana Caminhos de Frei Galvão, no Estado de São Paulo, que é compreendida por 5 caminhos diferentes cujo epicentro é a cidade de Guaratinguetá.

vale-europeu

Sinalização para o cicloturismo autoguiado no Vale Europeu. Fonte: http://cicloturismo.circuitovaleeuropeu.com.br/

No ambiente urbano, além do Rio de Janeiro e de São Paulo, a cidade de Niterói, localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro, tem buscado tornar-se uma referência no cicloturismo no país, ampliando a sua malha de ciclovias, criando ciclofaixas, bicicletários e projetos de passeios de bicicleta, como o Niterói Bike Tur, organizados pela secretaria de turismo local em parceria com a sociedade civil organizada. No entanto, depoimentos de usuários apontam para a fragilidade da segurança das ciclovias e ciclofaixas projetadas na cidade, como a presença da ciclofaixa à esquerda dos carros em determinados trechos, lado utilizado para a ultrapassagem de veículos, potencializando o risco de acidentes; trechos onde o ciclista tem que desviar para a pista de rolamento; placas de sinalização dando preferência aos ciclistas somente das 6 às 10 da manhã, entre outras reclamações que alertam principalmente para o risco de atropelamento.

Já escrevi tempos atrás neste blog sobre a construção de uma ciclovia sobre as calçadas em alguns bairros da zona oeste do Rio de Janeiro. Abre-se o portão da residência e pam! Risco de batida na bicicleta ou no pedestre; ao sair de um estabelecimento comercial, pow! Risco de por os pés na ciclovia e sofrer um atropelamento. Criança saindo de creche e… procuro nem imaginar. Os detalhes estão aqui:

https://historiadoesporte.wordpress.com/2012/01/15/manual-de-sobrevivencia-na-calcada-um-guia-pratico-para-pedestres-e-ciclistas-nas-novas-ciclovias-da-zona-oeste-do-rio-de-janeiro/

Há poucos dias, em 26 e 27 de outubro de 2016, a cidade de Niterói sediou o Encontro para o Desenvolvimento do Cicloturismo Urbano, organizado por iniciativa da Faculdade de Turismo e Hotelaria da UFF, por meio do projeto PedalUFF-Tur, orientado pela Prof. Dra. Priscila Edra, em parceria com o Núcleo de Planejamento Estratégico de Transporte e Turismo da COPPE, UFRJ, a Prefeitura da cidade e o Coletivo Mobilidade Niterói. Foram dois dias intensos de discussão, mostra acadêmica, apresentação de casos de sucesso no Brasil e no exterior, proposições para melhores práticas no cicloturismo no país, além de realização de roteiro cicloturístico pelo Caminho Niemayer.

 

logo-nit

http://www.fth.uff.br/cicloturismoemfoco/wordpress/

Ficou claro pelo evento, tanto nas análises bibliométricas sobre os trabalhos publicados a respeito do tema quanto nos debates apresentados sobre os principais “gargalos” para o desenvolvimento do cicloturismo no Brasil, se comparado à realidade de outros países, que o tema é ainda muito incipiente e a relação entre a bicicleta e o turismo precisa ser muito discutida. Há lacunas em diversos aspectos, como os estudos de gênero no cicloturismo, uma atividade predominantemente masculina, ao que se pode constata a olhos vistos. Mas, não seria ainda no Brasil o lazer no espaço público um privilégio masculino? Aos finais de semana enquanto vejo homens nos bares, praças e campos de futebol, me pergunto: onde estão as mulheres? Por falar nisso, enquanto me dirigia para o segundo dia do evento de cicloturismo, ouvia numa rádio AM a notícia de que o consumo de bebidas alcóolicas se equiparou entre homens e mulheres no Brasil, ao que o apresentador do popular programa de rádio lançou a enquete aos ouvintes: “Na sua opinião, o que é mais feio: homem ou mulher bêbada?”, pergunta que reforça a discriminação de gênero associada ao lazer da bebida.

Discutir a relação no casamento entre a bicicleta e o turismo é sim muito necessário e urgente, ainda mais quando o futuro prefeito de São Paulo, metrópole que vem procurando desenvolver a cultura da bicicleta, declara a intenção de aumentar a velocidade dos veículos e extinguir a ampliação das ciclovias.

Depois de tudo que ouvi e aprendi no seminário, deu vontade de pegar a velha bike enferrujada na garagem, recauchutá-la e sair pedalando por aí, driblando os obstáculos de uma cidade ainda hostil à bicicleta, ou quem sabe até empreender uma cicloviagem por uma dessas rotas que são referência para uma vida mais contemplativa.

Até breve!

 

 

 

Comentários

Nenhum comentário realizado até o momento

Para comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.