Por Maurício Drumond
O mês de abril, terminado há pouco, foi marcado por três elementos de grande significação para o imaginário popular: os 50 anos da realização do golpe militar que instaurou um regime ditatorial no Brasil, o início do campeonato brasileiro de futebol de 2014 e o lançamento do álbum de figurinhas da Copa do Mundo. Três coisas que podem nos dar a impressão, à primeira vista, de não terem nada em comum. No entanto, um olhar mais atento e historicamente informado pode nos mostrar o contrário.
A ditadura militar desempenhou um papel fundamental no início do campeonato brasileiro de futebol. A ideia de um campeonato nacional de futebol sempre esteve presente no imaginário dos organizadores do esporte. Assim como ocorria nas maiores ligas do mundo, uma competição que abrangesse todo o país era o meio mais legítimo de se estabelecer uma entidade nacional para gerir o esporte.
No entanto, as dimensões continentais de nosso país e as precárias condições de transporte entre suas diferentes regiões tornavam a realização dessa ideia em um trabalho hercúleo, para não dizer utópico. A primeira investida nesse sentido foi a organização de um campeonato nacional de seleções estaduais. Nesse torneio, cada estado apresentaria uma equipe formada pelos melhores jogadores que atuassem em seus clubes disputando um campeonato que se pretendia nacional. O primeiro torneio nesse molde ocorreu em 1922 (João Malaia discorreu sobre esse evento em um post desse blog), e prosseguiu de forma errática ao longo dos anos, caindo em desuso ao final da década de 1950.
A primeira competição de clubes de pretensões nacionais foi a Taça Brasil de Futebol. Criada em 1959, em meio à euforia com o título mundial conquistado em 1958 e com a aparente prosperidade do nacional desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, a Taça Brasil reunia os campeões estaduais que se enfrentavam em sistema de eliminatórias, com seu campeão recebendo a vaga brasileira na Copa Libertadores da América, iniciada em 1960. O campeonato contava apenas com o campeão de cada unidade da federação e o campeão e vice-campeão do ano anterior, sendo que esses clubes, juntamente com os representantes da cidade do Rio de Janeiro (Distrito Federal) e São Paulo entrariam apenas na fase final da competição.
A Taça Brasil teve sua última edição em 1968, quando problemas em sua organização fizeram com que o campeonato perdesse o prazo final e a recompensa de indicar um clube para a Libertadores de 1969 (o Brasil não teve representante na Libertadores daquele ano). Sem a recompensa da vaga para a Libertadores, os times de São Paulo, Santos (campeão paulista de 1967) e Palmeiras (campeão da Taça Brasil de 67) se recusaram a participar. O Botafogo, campeão da Guanabara, se tornou assim o campeão da última Taça Brasil disputada. Sem maior credibilidade e com a concorrência da ampliação do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, a competição não foi mais realizada.
O Torneio Roberto Gomes Pedrosa, conhecido como Robertão, ou Taça de Prata (a partir da edição de 1968, a primeira sob controle da CBD), foi resultado da ampliação do torneio Rio-São Paulo, com o convite a equipes de outros estados. Em 1967, Internacional e Grêmio (RS), Atlético e Cruzeiro (MG) e Ferroviário (PR) foram convidados a se juntarem às equipes de São Paulo e da Guanabara. No ano seguinte, com o fracasso da Taça Brasil, a CBD adotou a competição, que passou a ser a responsável por indicar as equipes brasileiras na Libertadores nos anos 1969 e 1970.
Ao final de 1970, o tricampeonato mundial do Brasil e o apoio do regime militar levaram a CBD a preparam um novo campeonato, o Campeonato Brasileiro. Dave-se mais um passo para a tão sonhada integração nacional. Com os anos, o número de equipes e de unidades da federação participantes foi aumentando. Os 20 clubes pertencentes a 8 estados, da edição de 1971, transformaram-se em 26 equipes de 13 estados, no ano seguinte, e chegaram à expressiva marca de 42 times de 21 estados em 1975 (tendo em consideração que o estado da Guanabara acabara de se fundir com o estado do Rio de Janeiro). Nacionalizava-se geograficamente o campeonato nacional, com participantes de todos os cantos do país.
De 1974 a 1979, é possível perceber o visível aumento gradual do número de participantes na competição: 40 (1974), 42 (1975), 54 (1976), 62 (1977), 74 (1978) e 94 (1979). É isso mesmo, com incríveis 94 participantes na série especial, o campeonato brasileiro de 1979 havia se tornado um gigante inchado, devido especialmente a fins políticos. As eleições parlamentares de 1974, em meio ao processo de abertura política iniciado por Geisel, o MDB obteve uma valiosa vitória nas urnas, dobrando sua representação na Câmara dos Deputados e conquistando 16 das 22 cadeiras do senado em disputa. Surge assim a expressão “Onde a ARENA vai mal, mais um time no nacional”. O fracasso da edição fez com que a década de 1980 tivesse campeonatos com um número mais equilibrado de participantes, por volta de 44, até 1986.
O Campeonato Brasileiro foi assim, na década de 1970, um importante elemento de negociação política nacional. Vale ressaltar que o CND, a CBD e as federações estaduais eram comandadas por militares ligados à ARENA e ao regime ditatorial – vale lembrar aqui o excelente título de artigo de Joel Rufino dos Santos: “Na Confederação Brasileira de Desportos (CBD) até o papagaio bate continência”, publicada na revista Encontros com a Civilização Brasileira, n. 5, 1978. Em tempos de Campeonato Brasileiro e de papos sobre a ditadura, esse tema pode ser ainda mais explorado. Esse foi só um primeiro passo.
Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com
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