por Maurício Drumond
Durante os primeiros mandatos de Juan Domingo Perón na presidência argentina, no período de construção do peronismo como movimento político nacional, o futebol profissional argentino não vivia seus melhores momentos. Pouco após a chegada de Perón aos salões da Casa Rosada, o futebol argentino atravessou uma de suas maiores crises, que deixaria marcas duradouras e atravessaria o decênio do regime peronista quase que por completo: uma greve de jogadores de futebol profissionais.
Uma série de desavenças entre uma espécie de sindicato defensor dos direitos dos jogadores, a Futbolistas Argentinos Agremiados (FAA), e a entidade gestora do futebol argentino, a Associación de Fútbol Argentino (AFA), levou à paralisação do campeonato argentino de 1948, no dia 9 de novembro, sendo este concluído com jogadores amadores em sua reta final. A primeira greve enfrentada por Perón vinha do futebol, o esporte mais popular argentino e foi liderada por um de seus maiores ídolos, Adolfo Pedernera.
A greve duraria seis meses, mas seus reflexos permaneceriam ainda por anos, uma vez que abrira a porta de saída dos maiores jogadores argentinos. No mesmo período, a Colômbia aparecia como o “El Dorado” do futebol sul americano (para maiores informações sobre o “El Dorado” colombiano, veja o livro de Eduardo de Souza Gomes), atraindo diversas estrelas de vários países, incluindo craques argentinos como o já citado Pedernera, Di Stéfano, Pipo Rossi, Julio Cozzi e muitos outros. Como resultado, a seleção argentina não disputou nenhuma Copa do Mundo durante o regime de Perón, desistindo de participar das Copas de 1950 e 1954.
Sem participar de grandes competições internacionais com sua seleção, um dos mais fortes impactos do governo peronista sobre o futebol profissional argentino foi o apoio financeiro aos seus principais clubes. Através da lei 12.932, sancionada por Perón em 1946, que autorizava empréstimos para a construção de estádios, campos e instalações a centros esportivos através da Comissão Nacional Honorária de Fomento ao Esporte, o Estado argentino liberava vultosas somas para seus clubes. O futebol não era a única agraciada, mas se encontrava no topo da lista. De acordo com o periódico peronista Mundo Deportivo, o Racing Club teria recebido 16.700.000 pesos do governo. Outros clubes populares receberam também elevadas quantias, como o Club Atlético Boca Juniores, $10.000.000, o River Plate, $7.000.000, o Vélez Sarsfield, $6.000.000, entre muitos outros. O total da verba de governo destinada aos clubes teria sido, ainda de acordo com os números do semanário peronista, 111.923.000 pesos (Valores obtidos em Mundo Deportivo, 22 abr. 1954, p. 52-54.).
A associação do regime com o futebol pode ser vista também através dos estádios batizados em homenagem ao movimento peronista. Em setembro de 1950, o Racing inaugura seu novo estádio, o “Estádio Juan D. Perón”, construído com as acima mencionadas verbas do governo. Já o Club Atlético Sarmiento – que teria recebido $1.250.000 do governo – inaugurou o “Estádio Eva Perón” em julho de 1951. Outros esportes também foram contemplados com a construção de suas praças, a maioria com nomes ligados ao peronismo, como o velódromo “Presidente Perón”, em Palermo, e o autódromo “17 de outubro”, em Buenos Aires, nomeado em homenagem a marcante data peronista, conhecida até hoje como “dia da lealdade peronista”.
A maior ligação que o regime peronista estabeleceu com o futebol aconteceu, no entanto, através dos Campeonatos Infantis “Doña Maria Eva Duarte de Perón”, que tiveram início em 1948. Em sua primeira edição, participaram apenas crianças da Grande Buenos Aires. O campeonato Evita foi um sucesso tão grande que, em março de 1949 foi disputado um jogo beneficente para o auxílio das crianças italianas vítimas da guerra. Essa partida aconteceu entre duas seleções mirins provenientes dessa competição – a seleção da capital e a da província de Buenos Aires. Esse jogo foi organizado pela Comissão Organizadora do Campeonato Evita, presidida por Ramón Cereijo, nome forte do partido peronista.
Os Campeonatos Evita passaram então a ser disputados anualmente, chamados de Campeonato Argentino de Futebol Infantil ‘Evita’, e contavam com times de crianças de todas as províncias argentinas. Nas primeiras etapas os times jogavam contra outros de suas províncias e, na fase final, os vencedores se enfrentavam na capital federal. Os jogos finais eram disputados em estádios de times profissionais, como os do River Plate, do Boca Juniors ou do San Lorenzo, e contavam com a presença de Perón e Evita, além de outros políticos da alta esfera do governo.
Estes campeonatos receberam grande atenção da mídia peronista, especialmente do semanário Mundo Deportivo, uma vez que, além de associarem o regime à pratica esportiva infantil, auxiliavam na criação de um sentimento de identificação e integração nacional, ao promover a disputa direta entre crianças de todas as províncias em um “campeonato argentino”. Tal sentimento pode ser observado em um dos primeiros números do semanário infantil do grupo Haynes, Mundo Infantil, que se referia aos Campeonatos Evita dizendo:
O Campeonato Evita irá realizar o sonho de professores e líderes: ele irá unir a juventude argentina através de um laço que transcenderá divisões locais, e mesmo provinciais, porque a voz do esporte é gritante, poderosa, envigorante e eletrificante. Neste quadro, todos se sentirão como iguais, todos pensarão da mesma maneira.
O mesmo sentimento de unidade nacional foi apontado por Carlos Aloé, em seu editorial em Mundo Deportivo (de 27 out. 1949), ao escrever que “crianças de todas as latitudes da Pátria participaram, cotejando suas forças para estabelecer qual de suas equipes era a melhor”.
A popularidade das competições foi assombrosa. A primeira edição do campeonato, em 1948, contou com mais de 15 mil participantes, e o número crescia à medida que o campeonato englobava mais províncias e se tornava mais popular. No ano seguinte, a imprensa peronista já alardeava que o número de inscritos ultrapassara os 150 mil. Em 1953, foram instituídos os Jogos Esportivos Juvenis Juan Perón e o número total de participantes oficialmente divulgado dessas competições passou dos 200 mil inscritos.
É também importante notar que além do sentimento nacional gerado pelas competições, estas carregavam a imagem dos governantes consigo. Tal era a ligação do regime, e em especial de Eva Perón, com o campeonato que, entre as várias equipes envolvidas, diversas possuíam nomes referentes ao peronismo e a seu ideário nacionalista, como “17 de Outubro” e “San Martín”. No Campeonato Evita de 1952, o time campeão, de Santa Fé, era chamado “Evita, Estrela da Manhã”. Antes dos jogos, os participantes cantavam as marchas “Evita Capitana” e “Los Muchachos Peronistas”, além da canção oficial do campeonato, na qual diziam: “A Evita devemos nosso clube, por isso lhe guardamos nossa gratidão. Nós cumprimos os ideais, nós cumprimos a Missão, da Nova Argentina de Evita e Perón”.
Mas os Campeonatos Infantis Evita não se resumiam ao futebol. Logo outras modalidades esportivas passaram a ser disputadas nestas competições, como basquete, atletismo e polo aquático. E, em cada um desses, Perón e sua esposa eram presenças garantidas no jogo final, seja dando o pontapé inicial nas partidas de futebol, distribuindo medalhas ou saindo em diversas fotos que seriam publicadas em vários jornais argentinos no dia seguinte. Mas isso fica para outra postagem.
Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com
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