POR UM FUTEBOL ESTRATIFICADO: O PROJETO JOFFRE SILVARES

08/12/2014


Por Nei Jorge dos Santos Junior

Elaborado em agosto de 1915, reflexo das discussões sobre a confecção dos novos estatutos da Liga Metropolitana, o projeto criado pelo Sr. Alberto Silvares tinha como objetivo a formação de uma Liga dividida em três séries: a primeira formada por elementos que comprovassem ter renda superior a 300$000 mensais e não terem meios de subsistência das profissões braçais; a segunda por operários, serventes, caixeiros guardas civis, entre outras tantas profissões por ele ilustradas; a terceira pelos praças e inferiores de qualquer corporação armada. Em outras palavras, a busca por uma estratificação social do velho esporte bretão.

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Torcidas do Vasco da Gama e Andarahy A. C.

Consciente, o autor sabia que suas convicções poderiam sacrificar “sympathias e popularidade” , principalmente entre aqueles “democratas” que fingiam idolatrar a igualdade. Mesmo assim, afirmava ser uma questão de “puridade”, pois a prática do futebol nas condições colocadas até o momento se mostrava uma negação da realidade social. De resto, por que os sócios do Fluminense, Botafogo, etc., frequentariam o mesmo espaço social dos demais clubes que comportam as divisões inferiores? De acordo com o projeto, essas “manifestações da vida social mundana” seriam um desrespeito aos sócios dos grandes clubes da cidade do Rio de Janeiro , além de tirar, do elegante esporte inglês, toda a distinção que ainda nele restava.

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Jovens abastados da equipe do Fluminense, 1908.

Rapidamente, o projeto ganharia suas primeiras oposições. Em 7 de fevereiro, a Gazeta de Notícias publicou uma carta assinada por um “acatado Sportman, Sr. Firmino de Carvalho”, disparando contra as propostas expostas no projeto e o apoio dado pelo jornal O Imparcial . Em seu conteúdo, o sportsman cobrava imparcialidade nas publicações do periódico, narrando a relação generosa mantida com o representante do Villa Isabel F. C., o sr. Alberto Silvares.
No dia seguinte, o redator d’ O Imparcial respondeu a acusação. Declara que sua relação com Alberto Silvares se esgota na cortesia: “nenhuma outra ligação de qualquer natureza nos obriga a dizer ‘amen’ a tudo quanto possa gerar o seu cérebro fecundíssimo” . Para ele, “a seleção existe em todos os ramos da atividade social”, pois “os freqüentadores dos sambas dos cordões carnavalescos não são, positivamente, os mesmos dos salões dos diários”; inclusive nos bondes, “encontramos a primeira e a segunda classe e, para não irmos muito longe, nos próprios campos de football os assistentes são selecionados, ficando uns nas arquibancadas e outros nas gerais” .
Dias depois, outra carta recebia destaque, desta vez publicada pelo Correio da Manhã, assinada por um marinheiro com as inicias L.M. Seu conteúdo mantinha as mesmas críticas dirigidas “ao sr. redactor sportivo do Imparcial e ao sr. Alberto Silvares, representante do Villa Isabel Football Club na Liga Metropolitana” .

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Villa Isabel F. C.

Irritado, sua repulsa se concentrava na comparação estabelecida no projeto, ser “comparado a engraxates” deixaria sua classe “bastante sentida”. Já que nem todas “as praças de pret são frequentadoras de ‘ranchos’ e ‘cordões carnavalescos’, nem viajam nos bondes de segunda classe, e nem assistem aos ‘matches’ do campeonato de Metropolitana nas gerais” . Afirma ainda ter assistido aos tais “matches” nas arquibancadas, “onde os moços bonitos que freqüentam o Club dos Diários e fazem o ‘footing’ costumam mimosear-se entre si com bengaladas e dirigirem impropérios aos ‘referees’ e aos jogadores”, como em 1910, durante a disputa de um “match” entre o Botafogo F. C. e o America F. C., “clubes estes filiados à Metropolitana, compostos não por praças de pret e nem por engraxates”, mas sim por moços da “elite” . Segundo o autor, no decorrer desse jogo “houve bofetadas, sendo necessário o comparecimento da polícia, isto é, de praças de pret, para acalmar os ânimos dos contendores, que eram os tais moços bonitos e de educação”.
É importante salientar que o projeto desencadearia o envio de muitas cartas, algumas apoiando tal proposta, outras questionando a concepção elitista de Silvares . Embora o projeto não tenha sido aprovado, na prática, a nova lei do amadorismo geraria inúmeras polêmicas, ao ponto de se pensar em uma possível suspensão de suas ações. Dessa forma, rodeado de contestações, o projeto do Sr. Alberto Silvares obtinha, assim, uma recepção muito diferente daquela recebida em momentos anteriores. As propostas de restrição à entrada de jogadores de menor nível social no seio da entidade alavancaram discussões que favoreceram politicamente os clubes oriundos das camadas pobres da cidade do Rio de Janeiro , sendo possível apontar que essas ações contribuíram para modificar o cenário que compunha o futebol da época. O primeiro, com a presença de mais um clube composto por trabalhadores e negros para figurar entre as agremiações benquistas da primeira divisão. O segundo, com a força política que tais agremiações ganhariam no decorrer do tempo.

 

Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com

 

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