19/05/2014
O mundo do futebol tem a sua atenção voltada para a Copa do Mundo. Mas no mês de Maio, tradicionalmente, não têm sido as convocações a chamar a atenção dos amantes do esporte bretão, e sim a Champions League. Mesmo sendo um torneio continental, do qual o Brasil não faz parte diretamente, o interesse nessa competição vem aumentando a cada ano. Podemos tentar entender a repercussão do torneio por sua qualidade técnica, pela presença dos jogadores brasileiros atuando na Europa e pela estratégia adota pelos organizadores da competição para fazer expandir a sua marca – que será o tema do texto que se segue.
Em 1954, depois das já conhecidas vitórias da seleção húngara sobre a Inglaterra, tanto em Wembley quanto em Budapeste, a equipe inglesa Wolverhampton Wanderers venceu o Honved da Hungria por 3 a 2 e foi declarado o “melhor time do mundo”. Por conta dessa disputa, o jornal francês L’Équipe propôs a criação de uma competição continental de clubes de futebol na Europa – e a partir do ano seguinte, ela passou a acontecer.
O torneio que foi batizado de Taça dos Campeões Europeus manteve o seu formato durante quase 40 anos. Até que em 1992, a competição que recebia apenas os vencedores de cada campeonato nacional passou a acolher também outros clubes que não tinham sido campeões, aumentando o seu número de participantes, criando uma nova fórmula de disputa e aumentando o seu número de jogos.
Essas mudanças precisam ser entendidas no contexto da disputa de poder entre os grandes clubes europeus e as instituições organizadoras, como a UEFA. Na época (e vez ou outra isso volta), os clubes mais ricos do continente se organizaram num grupo de pressão para defender os seus interesses, que ficou conhecido como o G:14 (e que depois criou o ECA), e que tinha como uma das possibilidades a criação de uma superliga europeia de clubes, que seria mais atraente e lucrativa. Assim, os clubes forçam para um lado mais lucrativo para eles, e, por outro, a UEFA tenta manter o seu poder como organizadora da competição. Nessa posição a UEFA se baseou em duas estratégias como forma de se manter “dona” da competição: em primeiro lugar se vale da sua história e da sua posição para se manter a legitima organizadora da competição; em segundo lugar, se obriga a organizar uma competição cada vez melhor, esportivamente e comercialmente, e que atenda as demandas dos seus clubes.
Tendo em vista a estrutura triangular que movimento o esporte, na qual, em cada ponta, se encontram o Futebol, Televisão e Patrocinadores, a UEFA tentou se posicionar no centro desse triângulo através das estratégias de marketing. Para alcançar os seus objetivos era preciso transformar a UEFA Champions League (UCL) numa marca global, e esse processo foi liderado por executivos da TEAM e outros que vieram da ISL.
A primeira questão a ser analisada é a mudança na fórmula de disputa. Antes, apenas os campões de cada país participavam e a competição era jogada em forma de mata-mata, com jogos de ida e volta. No seu novo formato, outros clubes que não só os campeões nacionais, dos principais centros, passaram a participar da competição que passou a incluir uma fase de grupos. Com essas alterações foi possível incluir mais times considerados grandes e deixou de ser um mata-mata simples, garantindo um mínimo de jogos, assim agradando aos grandes clubes e a quem transmitia as competições.
Na medida em que a participação na UCL é uma grande fonte de receita, ela acaba por favorecer um ciclo vicioso em que os clubes que entram nela acabam ganhando mais dinheiro, e permitindo que se perpetue a participação de quase sempre os mesmos clubes. Além disso, grande parte dos recursos, que vem da publicidade, remunera mais os times que estão situados nos principais centros e países com melhor economia. Para tentar minimizar a influência financeira, a UEFA estabeleceu um ranking para definir quantos participantes no torneio cada país pode enviar, além de fazer um esforço para incluir clubes de todos os países membros e criar mecanismos esportivos para favorecer os campeões de nações menos tradicionais na fase de play-offs. Apesar de tudo, os resultados (mesmo que Atlético de Madri vença esse ano) ainda mostram que o aspecto econômico ainda é bastante importante.
Essa preocupação com o formato de disputa da UCL é uma das facetas da centralização que a UEFA estabeleceu na gestão da competição. Pensando em manter o seu papel de “dona” do torneio, a confederação europeia sabia que tinha que organizar um evento que fosse lucrativo para os grandes clubes e interessante esportivamente para todos, e como estratégia para alcançar esse objetivo decidiu centralizar as operações comerciais, de marketing e branding.
Antes, cada clube participante era responsável pela venda dos direitos de TV da sua participação, e agora é tudo responsabilidade da UEFA que repassa verbas fixas aos participantes. Os pagamentos são feitos com base no desepenho esportivo e no mercado de mídia no qual estão inseridos. Pela parte dos clubes, eles esperam receber uma quantia igual ou superior do que receberiam ao negociar separadamente, e a UEFA, ao negociar em conjunto e centralizado, consegue valores superiores a soma de todos se negociassem sozinhos.
As principais fontes de renda da UCL são a venda dos direitos de transmissão e os patrocinadores. Ao negociar e vender de maneira centralizada, a UEFA pode oferecer aos patrocinadores um produto mais exclusivo. Num mercado fragmentado e com grande necessidade de diferenciação nos produtos, a UCL se destaca pela sua qualidade e seu alcance, oferecendo aos patrocinadores e emissoras um produto único.
Em sua estratégia de divulgação, a UEFA estabeleceu a importância das televisões abertas na transmissão dos jogos. Por não estar exclusivamente nos canais fechados, foi possível criar uma maior relação com o público em geral, gerando mais atenção à sua marca e contribuindo para criar hábitos nos espectadores. Talvez seja por isso que o acordo com a TV Globo seja tão importante no Brasil, mesmo que a emissora faça tantas demandas.
A centralização exercida pela UEFA é notada em todos os jogos. A cada partida, do ponto de vista prático, os clubes cedem os seus estádios para UEFA. Dessa forma, a organização pode “vestir” os estádios todos de maneira igual, de modo que possa haver um controle maior no padrão de qualidade e os patrocinadores e emissoras de TV recebam um produto confiável. Entretanto, há críticas sobre a perda de autenticidade pois todos os estádios, entrevistas, dentre outros elementos, acabam sempre por serem repetitivos e homogêneos.
Uma das coisas mais interessantes é como a UEFA trabalha a imagem da competição (branding). A mudança do formato antigo para o novo levantou preocupações sobre a influência “maléfica” do poder do dinheiro e da mídia, e perante essa preocupação, a UEFA fez questão de reforçar o aspecto tradicional da competição, ligando às edições anteriores. Isso pode ser visto, dentre outras coisas, pela utilização de emblemas especiais (como o de campeão) nos uniformes dos times participantes. É através da sua marca que a UEFA tenta passar a imagem de prestígio e que consiste em três elementos: o hino, as cores e a bola de estrelas (não a esfera do campo, mas a que faz parte do logo da competição). A isso se pode acrescentar a importância simbólica do troféu.
Esses elementos passam a ideia de prestígio e de ligação histórica necessária para manter a atração do público alta, para que o vínculo emocional com a competição não se perdesse após as mudanças de formato. Para quem quiser aprofundar a questão recomenda-se o texto de Anthony King, The New symbols of European Football, ou então para um próximo post.
Por fim, a verdadeira força da competição está na soma total dos seus elementos formadores. A qualidade dos jogadores, dos clubes, dos fãs, dos parceiros comerciais e da televisão acabam por contribuir para o sucesso da Champions League. Nisso tudo, o papel centralizador da UEFA é fundamental na estruturação da competição, assim como permite que a instituição mantenha grande parte do seu poder, e, alegadamente,permita que os critérios esportivos sejam mantidos como prioridade.
Referências:
Chadwick, Simon e Holt, Matthew (2007) Building global brands: key success factors in marketing UEFA Champions League in Marketing and Football: an international perspective, Desbordes, M. (eds.). Elsevier: Oxford pp.21-50
Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com
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