A prova eloquente da consagração de um grande Mestre.
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A Educação Física na escola
Fernando Dantas/Gazeta Press
No meio de uma atividade febril, numa fase de ampla ocupação e agenda tomada, completei 87 anos (na primeira semana deste mês de abril). Recebi muitos cumprimentos de parentes e amigos na forma de abraços, e-mails e telefonemas, mas nenhum me agradou e comoveu tanto quanto um proveniente do ex aluno C.K., direto de Israel.
Nestas minhas quase nove décadas, colecionei gratas recordações da vida diferenciada que levei como jornalista, professor de filosofia, professor de educação física, escritor e empresário de eventos. Senti bem de perto as emoções das aberturas de quatro Jogos Olímpicos. Creio que fui muito bem sucedido em todos os segmentos a que me dediquei, pois sempre tive muitos reconhecimentos. Uma das maiores emoções de minha vida, entretanto, senti no exercício de minha profissão como professor de educação física.
Na década de 60, o ensino público era infinitamente melhor que o das escolas privadas. Sob o nome de exame de admissão, os alunos egressos do ensino primário lutavam por uma vaga nos principais colégios públicos. Era um verdadeiro vestibular, principalmente para obter uma vaga no Fernão Dias de Pinheiros, no Firmino de Proença da Mooca, no Anhanguera da Lapa ou no Macedo Soares da Barra Funda.
No dia do exame de admissão do Colégio Macedo Soares, onde eu era professor de educação física, apareceu para concorrer ao ingresso o jovem C.K.. Ele sofria de hidrocefalia, tinha uma cabeça enorme, mal podia andar e subiu carregado os vinte degraus que separavam a sala dos exames do pátio da escola. Diziam que ele tinha escolhido aquele estabelecimento de ensino porque era discriminado nas escolas judaicas (ele era israelita) onde fizera o curso primário.
Ele foi aprovado e, logo a seguir, começaram as aulas. Os alunos naquela época passavam por exames biométricos e alguns conseguiam dispensa das aulas de Educação Física por intermédio de atestados médicos oficiais.
Quando eu media peso e altura da classe de C.K., a expectativa óbvia dos demais alunos era uma dispensa.
Na hora de examinar C.K. eu disse:
- O que? Você não será dispensado e fará educação física! – (Logo ele que mal parava em pé). Os colegas, atônitos, eram testemunha daquele ato inusitado.
Logo na primeira sessão, C.K., uniformizado, entrou em forma, num símbolo de igualdade com os demais alunos e até fez movimentos ginásticos de braços, acompanhando o conjunto. Ele estava feliz por ter sido considerado normal e igual aos outros, apesar da flagrante diversidade de sua figura. Dois meses depois, ele já marchava com o passo certo junto com toda a classe, outro importante símbolo de integração.
Depois de dois anos, embora desajeitado, na qualidade de levantador, participava até do campeonato interno de voleibol, do qual nenhum aluno era dispensado. Defendia as bolas que vinham da equipe adversária.
Sua cabeça grande guardava os conhecimentos das matérias teóricas. Foi bom aluno e completou o curso com boas notas. Passou no vestibular da Faculdade de Medicina de Sorocaba, onde também diplomou-se brilhantemente.
Eu recebi provas de gratidão de C.K. e sua família que entre todas as vivências de minha existência talvez sejam as maiores emoções que já senti. Na solenidade de sua formatura como médico, entre os pouquíssimos convites que C.K. tinha à sua disposição para familiares e amigos, dois estavam separados, para mim e para minha esposa.
Naquela festa destinada à entrega dos diplomas, C.K. estava caminhando com desenvoltura, sorrindo alegremente e plenamente integrado e feliz. Ele estava até sendo paquerado por algumas garotas que viam nele um futuro brilhante.
De fato, ele tornou-se um nefrologista e, logo depois, atendendo aos clamores do judaísmo, foi para Israel, levando consigo como esposa uma bela enfermeira brasileira.
Tempos depois, mais ou menos há uma década, encontrei-me com outro aluno do Macedo daquela época, também israelita, que me disse:
- Minha mãe é amiga da mãe de C.K.. Ela nos contou que até hoje, todas as noites, ela reza pelo senhor em agradecimento à transformação de seu filho!
Nenhum momento de minha vida foi tão impactante como esse. Nenhuma visão dos quatro Jogos Olímpicos que eu cobri ou das 30 São Silvestres que eu ajudei a organizar me emocionaram tanto.
Quando recebi, neste começo de abril, um telefonema de Israel cumprimentando-me pelo aniversário eu compreendi o que representam aquele ato e a significação da educação física e os esportes para a vida humana.
Desculpe leitor por, neste texto, falar de mim na primeira pessoa. Com certeza não sou eu o objeto desta crônica. Na realidade, o tema central e básico é a importância da educação física quando levada a sério nas escolas do Brasil.
Comentários
Por
Luiz Henrique Nunes Alcantara
em 16 de Abril de 2013 às 11:47.
Muito Bonita a história! Essa é a verdadeira identidade da Ed. Física escolar! Ajudar a formar pessoas transformadoras deste mundo. Infelizmente a Ed. Física escolar nos dias de hoje não passa de um simples objeto mau tratado pelo poder público e nossas escolas estão sucateadas decorrência do descaso. Acho que todos nós temos um pouco de culpa nisso, mas a parcela maior desta culpa são dos nossos governantes interessados apenas em se promover através da política!
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