Cevnautas, nosso Mestre Henrique Nicolini não para de nos surpreender com as ótimas e bem contadas histórias. Laercio
A primeira medalha de Nelson Prudêncio
26 de novembro de 2012 – 17:17
A notícia do falecimento de Nelson Prudêncio, amplamente divulgada pelos principais veículos do país, deve ter consternado profundamente os esportistas da velha guarda, mas acredito que muito poucos tanto quanto eu. Vejam porque:
No início do segundo semestre de 1949, após um concurso que envolveu toda a rede estadual do ensino profissional, assumi a cadeira de educação física da Escola Industrial Prof. Antenor Soares Gandra, de Jundiaí, estabelecimento em que permaneci até o início dos anos 60, para assumir, como jornalista, a chefia da área de Relações Públicas e Assessoria de Imprensa do Departamento de Educação.
A escola que encontrei era recém-fundada e ultra-precária em termos de instalações. Localizava-se naquela época no final da Rua Barão de Jundiaí, a principal da cidade, local que o povo da Terra da Uva chamava de “escadão”, um morro que conectava a parte alta com a parte baixa da cidade.
Não havia na “Industrial” nenhuma instalação apropriada para que fossem ministradas as aulas de esportes. Antes que, através de campanhas, fosse possível a construção de uma quadra de voleibol e basquete, havia apenas condições para sessões de ginástica e, quanto á parte recreativa, o futebol de salão. Entretanto, dificilmente se encontraria hoje, mais de sessenta anos depois, um entusiasmo tão grande dos alunos, garotada animada que “curtia” com satisfação (e alarido!) a hora de ir para aquele simplório pátio de terra, não pavimentado.
Toda a agitação era canalizada para diversas ações de planejamento, mas principalmente o Campeonato Interno de Futebol de Salão. Nestes, um dos que mais se destacou entre aqueles garotos super animados não era chamado pelo nome de batismo – Nelson Prudêncio – mas por seu apelido, “Pelé”, personagem que naquela decisão estava na ribalta do cenário esportivo nacional, após brilhante atuação no mundial da Suécia.
A habilidade de Nelson “Pelé” foi tão grande que ele e sua turma acabaram sendo campeões daquele torneio que envolvia todos os alunos da escola. Coube a mim, na solenidade de encerramento (prestigiada pelo diretor e pelo corpo docente), entregar a “Pelé” uma medalha pequenina, ofertada por mim para toda a equipe e adquirida na banca modesta do Panelli (depois grande fabricante de troféus), numa portinha da rua do Seminário, bem perto da Av. Casper Líbero, onde A Gazeta Esportiva estava instalada antes de se mudar para a Avenida Paulista.
A estima por aquele grupo de garotos continuou firme em mim, mesmo quando, após a formatura, cada um seguiu o seu destino. Lembro-me do nome de muitos alunos ainda hoje, mais de meio século depois.
Na década de 1960, a municipalidade jundiaiense construiu um estádio. Ele localizava-se ao lado do pavilhão da Festa da Uva, e possuía uma pista ao lado. O objetivo foi dar brilho aos Jogos Abertos do Interior que a cidade iria sediar.
Um dia, passando por lá, vi que Nelson Prudêncio estava treinando no tanque de saltos. Fiquei sabendo com alegria que ele havia se matriculado como aluno na Escola de Educação Física de São Carlos, onde começava a registrar muito bons resultados na prova do salto triplo.
Tendo um currículo para vir a ser mestre diante de um torno mecânico ou uma fundição de metais (profissão que chegou a exercer), ele decidiu seguir o outro destino. O palito de fósforo das aulas de educação física havia acendido a fogueira.
O máximo de sua carreira aconteceu em 1968, na Cidade do México, quando, com um salto de 17,27, bateu o recorde mundial da prova. Ele já havia superado um dos favoritos, o italiano Giuseppe Gentile, que em um salto anterior dentro da mesma prova também tinha batido o recorde mundial, com 17,22. Entretanto, quando a competição estava praticamente encerrada, no último salto, para surpresa geral, o representante da União Soviética, Viktor Saneyev, obteve a performance de 17,37. Ele tirou do brasileiro a medalha de ouro, numa prova em que os três ocupantes do pódio haviam obtido o recorde mundial. Nelson Prudêncio ficou com a medalha de prata. Esta foi uma das provas mais fantásticas da história do atletismo, na qual o recorde mundial havia sido batido por sete vezes.
É verdade que a altitude da Cidade do México contribuiu para boas marcas técnicas obtidas em provas de saltos e velocidade, também contemplados com recordes mundiais.
A primeira experiência internacional de Prudêncio aconteceu um ano antes, em 1967, nos Jogos Pan-americanos de Winnipeg, no Canadá. O autor destas linhas teve uma oportunidade de torcer por seu ex-aluno quando cobriu para A Gazeta Esportiva os Jogos Olímpicos de 1972, em Munique. Lá ele obteve medalha de bronze para o nosso país e saltou 17,05. As condições da altitude da Alemanha não eram as mesmas do México.
No ano anterior, ele havia participado dos Jogos Pan-americanos (1971, Cali, Colômbia) e havia obtido a medalha de prata.
A carreira de atleta de Nelson Prudêncio foi até 1975, quando ele saltou na mesma prova do Pan-americano do México, em que João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, conquistou o ouro e o recorde mundial, com um salto de 17,89. Prudêncio ficou com o quarto lugar, mas o Brasil continuava com o cetro mundial do salto triplo, predomínio que durou mais de dez anos. João do Pulo faleceu em acidente automobilístico.
Mesmo parando de competir, Nelson Prudêncio continuou dando sua contribuição ao esporte. No início do terceiro milênio, quando Nádia Campeão era Secretária Municipal de Esportes, ela lançou uma campanha para São Paulo ser sede dos Jogos Olímpicos de 2012 ou 2016. Foi Nelson Prudêncio que presidiu uma Assembléia com esse objetivo, realizada no SESC Pompéia e com a presença de mais de 500 pessoas selecionadas entre dirigentes de confederações nacionais, federações estaduais, clubes e personalidades do governo e imprensa. Naturalmente, este almejo encontrou a eterna barreira de Carlos Arthur Nuzman, que conseguiu anular toda aquela unanimidade construída por Nádia.
Ele doutorou-se na Universidade Federal de São Carlos e, mais tarde, ocupou o cargo de vice-presidente da Confederação Brasileira de Atletismo. Foi um dos maiores incentivadores para que Maurreen Maggi conquistasse o também ouro olímpico.
O último contato que tivemos com o amigo e ex-aluno foi há dois anos, quando a seu lado o vimos plantar sua árvore no Bosque da Fama, bem perto da de outras que homenageavam Adhemar Ferreira da Silva e João do Pulo. Este bosque de celebridades fica bem atrás de uma pista de atletismo da Secretaria Municipal de Esportes, na Rua Pedro de Toledo.
O esporte é um grande propulsor do prestígio de um país e da amizade entre as pessoas, como foi deste jovem, que partindo de uma escola humilde, atingiu o ápice, não só da performance técnica como do reconhecimento humano.
Descanse em paz Nelson Prudêncio.
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