Após a inesquecível festa anual da ACEESP, eu chamei a mim a tarefa de localizar um artigo escrito num 15 de dezembro, há exatamente meio século, no dia seguinte ao falecimento do Dr. Ferreira Santos, então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e membro do Comitê Olímpico Internacional.

Nele eu descrevi toda a minha emoção assim que cheguei à redação, retornando do funeral de um dos dirigentes mais idôneos que o Brasil já teve.

Ao relê-lo, cinqüenta anos depois, eu o achei ainda atual e, ao republicá-lo abaixo, dedico este texto aos leitores jovens e a todos os familiares do grande esportista.

“Bom velhinho!

Descanse em paz bom velhinho! Repouse que você merece, bem merecido, como muito poucos!

Descanse em paz Dr. Ferreira Santos que a sua obra aqui ficou como exemplo a uma juventude, a uma geração!

O seu Esporte sempre começou com “E” grande, muito muito grande, tão grande que muita gente não chegou a enxergá-lo inteiro. O seu Esporte era de anéis entrelaçados, era de elos ligando continentes e pessoas, era de louros, justo e único prêmio do esforço. O seu Esporte era bonito, bonito mesmo, tão bonito que todos se cumprimentavam antes e depois da luta.

Talvez fosse por isso que ontem o céu estava triste. Era uma garoa triste. Era um céu de quem queria chorar. Na Consolação, uma viúva inconsolável imaginava a vida sem o companheiro ao lado e um filho altivo sofria o duro golpe de cabeça erguida. Centenas de esportistas, fulminados pela surpresa não sabiam dizer nada mais do que um reticente:

- Pois é…!”

Havia flores e havia uma bandeira de cinco anéis que foi com ele até a tumba, como um ideal que não se abandona nem na morte. As flores – paradoxo! – não quiseram deixar a bandeira só: as coroas de diferentes cores queriam na coincidência formar também anéis olímpicos em sua forma circular. A mãe natureza prestava uma homenagem ao bom velhinho, o velhinho que, em seu ideal de servir se Esporte bem grande, nunca teve inimigos – somente as preocupações…

Sim, preocupações o esporte lhe dava em penca e em quantidade.  Ainda estamos vendo o bom homem de óculos de aros grossos dizendo:

- Ontem eu assinei uma letra de doze milhões para nossa delegação ir a Melbourne!

E “cochichou”:

- Eu não posso dar nada de garantia, mas assinei… O Brasil não pode deixar de participar.

Parece que foi ontem, em Chicago, com um sorriso nos lábios que ele me dizia:

- És o primeiro jornalista a saber: o Brasil vai ser sede dos IV Jogos Pan-americanos.

E depois, em tom de confiança:

- Sabes que eu estou com um medo danado!

E assim prosseguiu a vida de Ferreira Santos, o bom velhinho de fala pausada, a própria pira olímpica feita gente.

Ainda estamos vendo o nosso homem de avental alvo, deixando os clientes resmungando na sala enquanto nos falava de Coubertin, da estima de Baillet Latour para o Brasil, ou da amizade pessoal que o ligava ao Governador Azuma, de Tóquio, seu colega de Comitê.

Que orgulho ele tinha…! Era o número dois na antiguidade olímpica. Desde 1920 frequentava aquela grande festa da confraternização.

Bom velhinho, como é o destino… Tanta viagem, tanto congresso na casa dos outros. Desta vez você iria ser o anfitrião. Esquecendo as preocupações que a Vila Pan-americana lhe tinham dado, dentro de três meses você iria receber muitos que já haviam lhe hospedado. Era a sua festa, era o dia de ter todos em sua casa. Os Jogos Pan-americanos estão lá.

É uma pena. Em vez de receber seus companheiros da América com abraços bem latinos, estes é que irão deixar uma coroa lá no cemitério da Consolação, não suficientemente distante do local dos Jogos para que alguns acordes do hino olímpico deixem de chegar até sua tumba.

Descanse em paz, bom velhinho, não se preocupe mais como antes. Seu nome, agora, é a bandeira. Os que aqui ficaram não irão desapontá-lo…”  H.N.  

 

Comentários

Por Sebastião Alberto Corrêa de Carvalho
em 21 de Dezembro de 2012 às 01:53.

Henrique Nicolini é o Pai que eu já não tenho: também é o Pai do Panathlon do Brasil, além de oficialmente reconhecido pelo Panathlon International como um de seus três únicos MEMBROS DE HONRA. Tive a oportunidade, há poucas horas, de trocar com ele um abraço amigo, quando me perguntou se eu havia lido seu último texto no blog de "A Gazeta Esportiva" (http://www.gazetaesportiva.net/blogs/henriquenicolini/). É o que acabo de postar para os Amigos Panathletas. Percebam a atualidade do texto por ele escrito há 50 anos! Que exemplar figura a do "bom velhinho" Dr Ferreira Santos!


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