Meio milhão de professores da educação básica ensina, nas salas de aulas da rede pública brasileira, disciplinas sobre as quais não aprenderam durante o curso superior. Nos mais variados colégios brasileiros, profissionais formados em matemática dão aulas de física e professores de educação física dão aulas de biologia, por exemplo. Eles representam quase um quarto dos 1.977.978 educadores dessa etapa. Dados do Censo Escolar 2009 tabulados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelam que pouco mais da metade (53,3%) dos professores que atuam no ensino médio na rede pública têm formação compatível com a disciplina que lecionam. O total é de 366.757. Nas séries finais do ensino fundamental, etapa na qual as matérias começam a ser dadas por professores de áreas específicas, a proporção é ainda menor: 46,7% de 617.571 docentes. O levantamento feito pelo Inep considerou apenas a inadequação dos professores que já possuem diploma de curso superior. A quantidade de docentes que atua nos colégios brasileiros sem ter freqüentado uma universidade também é grande: 152 mil, como divulgou o iG. Os números revelam que a maior distorção está na área de exatas, na qual os profissionais formados nos cursos de licenciatura do País são insuficientes para suprir a demanda.
Segundo o censo, nas séries finais do ensino fundamental, apenas 5% dos professores de física têm licenciatura na área. Em química, apenas 10,4% dos docentes têm formação adequada. Em biologia, 16,4%. Mesmo em língua portuguesa, a disciplina dessa fase que mais possui professores com formação adequada para o ensino da matéria, os qualificados não passam de 65% do quadro de profissionais da área. No ensino médio, as áreas que “lideram” as estatísticas da inadequação entre diploma universitário e matéria dada em sala de aula são um pouco diferentes do fundamental. Além da física, em que apenas 25,1% dos docentes que lecionam a disciplina têm formação na área, em química, 28% dos profissionais dão aulas sem qualificação adequada. Faltam também |
professores especialistas de língua estrangeira e de educação artística, por exemplo.
Carlos Eduardo Sanches, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), afirma que a realidade preocupa os gestores. “A formação dos professores tem tudo a ver com a qualidade de ensino. Não há como pensarmos em melhorar a educação sem investirmos nisso”, afirma. Um estudo feito pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com base nos dados do Censo Escolar de 2007, mostra que os Estados com maior número de professores sem formação adequada (incluindo aqui os docentes leigos que atuam nas redes) são os que têm pior desempenho do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O presidente da Undime, que é secretário municipal de Educação na cidade de Castro, no Paraná, diz que os dirigentes são “obrigados” a contratar profissionais sem a qualificação ideal. Ele conta que, quando começou a gerenciar o sistema educacional de Castro, em 2005, 43% dos professores não tinham curso superior. Hoje, o número caiu para 28%.
“Ainda hoje contratamos professores que só possuem ensino médio porque existe uma lacuna muito grande a ser preenchida. Faltam professores nas áreas de biologia, química, física. Mas, junto a isso, investimentos em formação. Os que não têm graduação vão para a universidade e os que têm fazem pós. Temos de fazer um planejamento a longo prazo”, pondera. Para isso, reforça Carlos Eduardo, a União precisa investir mais recursos em estados e municípios. Professora eventual da rede pública de Santos, litoral de São Paulo, Daiane Santos ainda não terminou a faculdade e já enfrenta as dificuldades da profissão. Prestes a se formar em história, ela passa a semana preparando aulas de matemática para os alunos do 7º ano do ensino fundamental. Ao passar no concurso para temporários, Daiane teve de procurar por vagas ociosas de professores efetivos para conseguir dar aulas. Só conseguiu em matemática, na
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qual a escassez de profissionais é grande. “O professor que seria o ‘dono’ dessas aulas está em licença e deu a entender que não deve voltar neste ano. Então eu devo continuar com as aulas dele”, conta.
Para preparar o conteúdo, ela se vale do fato de ter concluído o ensino médio há poucos anos. “Não estou tendo dificuldades para rever as matérias e ensinar. Meu problema, às vezes, é com alunos que rejeitam o fato de eu ser professora substituta e acham que não precisam fazer os exercícios, mas até isso eu consigo contornar”, garante. Jussara Regina Avele Knopik leciona matemática para turmas de 2º e 3º anos do ensino médio há quatro anos. Concursada para trabalhar 40h na rede estadual do Paraná, ela também é escalada para atuar como professora de física. As aulas de física, como conta, sempre “sobram” na escola, por falta de professores. Como gosta do assunto, ela procurou fazer novos cursos para aprender mais do que o estudado na faculdade, onde teve aulas de física por quatro semestres. Ela já fez cinco, incluindo um em astrofísica, oferecido pelo MEC em parceria com o Observatório Nacional. “Quando tiver mais tempo, quero fazer um curso de ensino a distância na área”, afirma.
Veridiana Dias, de Arealva, interior de São Paulo, também é professora temporária. Por causa disso, não escolhe a aula que é capacitada para dar. Quando a escola da rede estadual que a contrata chama, ela tem de lecionar o que vier. “Eu moro perto da escola e, às vezes, eles me ligam no horário da aula porque o professor faltou e não avisou com antecedência. Tenho de ir com a cara e com a coragem, sem ter tempo de me preparar”, conta a docente, formada em letras, com habilitação em português e espanhol, e que já teve de lecionar física, sociologia e inglês. A experiência tem sido tão desagradável que Veridiana, mesmo tendo passado no concurso para efetiva, pensa em deixar a carreira na rede pública em breve. “Estou fazendo pós-graduação em espanhol e pretendo trabalhar com empresas ou na rede particular”, lamenta. (IG)
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