JC e-mail 4091, de 08 de Setembro de 2010.  

 
Instituições particulares adotam modelo de curso de graduação mais barato. Com um número maior de pessoas por sala de aula, é possível diminuir gastos com infraestrutura e professores

O ingresso de estudantes da classe C no ensino superior brasileiro está levando muitas universidades e faculdades particulares a investir num modelo econômico de curso, que associa mensalidades reduzidas com classes muito grandes, formadas em geral por mais de 100 alunos.

A estratégia permite que as instituições fechem as contas no azul, mesmo cobrando mensalidades entre R$ 300 e R$ 500. Com salas maiores, caem os gastos com infraestrutura e, principalmente, o investimento em corpo docente - quanto maiores são as turmas, menos professores são necessários.

O modelo, porém, é polêmico. Alguns alunos aprovam, pela vantagem da mensalidade mais barata. Outros reclamam da bagunça nas aulas, da dificuldade para ouvir os professores, da pouca atenção para cada aluno e da falta de condições apropriadas em laboratórios.

Ao entrar em Educação Física da Universidade Paulista (Unip) no ano passado, Carolina Paiva, de 21 anos, não imaginava que a quantidade de colegas de sala representaria uma barreira ao aprendizado. No laboratório de anatomia, os mais de 100 alunos tinham de se espremer em volta do professor e do único exemplar de corpo.

"As aulas práticas também não eram produtivas. Para tudo era preciso ficar esperando", conta. Segundo a estudante, a situação melhorou este ano porque a alta evasão reduziu a turma quase pela metade.

Aluno do 3º ano de Ciências da Computação na Universidade Nove de Julho (Uninove), Caio Leandro Alves Madeira, de 20 anos, conta que no início do curso, quando sua turma tinha 80 alunos, faltavam até carteiras na sala e as aulas eram muito tumultuadas. "Não é como nos EUA, onde as salas são cheias, mas todo mundo é interessado", diz. Como resultado, muita gente desistiu do curso, sobrando apenas cerca de 30 alunos. "Está bem melhor, mas ainda hoje, nas aulas práticas, ficamos em dois por computador."

Ademir Fonseca, de 40 anos, no último ano de engenharia elétrica da Uninove acredita que sua sala, com 70 alunos, tem um "tamanho bom". Ao menos para aulas expositivas. "O problema mesmo é nos laboratórios. Tem sempre pouco equipamento. Falta até cadeira para todo mundo."

A turma de contabilidade de Agnon Antônio da Silva Junior, na FMU, começou com quase 100 estudantes. "Fica uma bagunça", diz.

A reclamação é a mesma de Fernanda Zanco, de 21 anos, no 3º ano de administração na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). "Com 80 alunos, se o professor faz uma piada, leva dez minutos até acalmar a classe", diz.

Para o consultor em ensino superior Ryon Braga, o problema não está no tamanho das turmas em si, mas em como a instituição de ensino monta seu projeto pedagógico. "Na aula expositiva, não importa se são 50 ou 500. Mas nas universidades são necessários também momentos de interação e discussão. Nisso as classes devem ser divididas. Não dá para ter debate em uma sala com 80", afirma.

Justificativa

Procuradas pela reportagem, a Unip e a Uninove não quiseram se pronunciar sobre o tema e as condições da sala. Para o presidente da Anhanguera Educacional, Antônio Carbonari Netto, o modelo das salas numerosas é necessário e positivo se for adotado com cuidado.

"Claro que precisa ter estrutura para atender a todos. Mas não se pode ter aula teórica para só 30 ou 40 alunos; é desperdiçar um bom professor", explica. "Muitos ainda não mudaram o paradigma, mas se você tem bons professores, ninguém reclama de estar em uma sala grande."

Segundo a FMU, "algumas turmas, pontualmente, estão sendo divididas para atender a um melhor aproveitamento pedagógico e acadêmico". A Fecap informou que o tamanho médio das turmas é de menos de 50 alunos. "Acreditamos que o sentimento não representa a opinião da grande maioria de nosso corpo discente", diz a nota.

Criação de novas salas provocou debate na USP

A criação de novas salas para evitar a superlotação fez parte de uma obra maior que provocou polêmica e um intenso debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) no início do ano. A instituição costumava ter 130 alunos por classe nos primeiros anos do curso.

Uma iniciativa do ex-diretor e atual reitor da universidade, João Grandino Rodas, retirou do prédio principal da faculdade uma das bibliotecas. A intenção era criar salas de aula no local, para dividir as turmas dos primeiros anos.

A reforma em um prédio tombado, e sem consulta prévia aos corpos de professores e estudantes, provocou protestos. Mesmo assim, parte da reestruturação do prédio continuou a ser feita - e as classes dos 1º e 2º ano agora têm, em média, 60 alunos.

Exemplos

No entanto, classes com um número muito grande de estudantes continuam a fazer parte do cotidiano de algumas instituições públicas, estaduais e federais. E, em alguns casos, também são motivo de reclamação dos alunos.

Algumas universidades optam por uma turma grande nos primeiros anos de curso, quando todos os estudantes devem cursar as mesmas disciplinas. É o caso dos cursos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). As turmas são grandes e acabam sendo reduzidas pela metade apenas nas aulas de laboratório, o que já gerou muitas manifestações.

O mesmo acontece na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). No curso de Medicina, as aulas expositivas dos primeiros anos são ministradas em classes com 120 alunos.

No entanto, na hora de ir ao laboratório ou nas aulas práticas, a turma é dividida uma ou mais vezes, dependendo da necessidade da matéria. De acordo com os estudantes, uma peça no laboratório de anatomia em geral fica a disposição de 10 alunos.

(Luciana Alvarez)

(O Estado de SP, 7/9)

JC e-mail 4091, de 08 de Setembro de 2010.

Instituições particulares adotam modelo de curso de graduação mais barato. Com um número maior de pessoas por sala de aula, é possível diminuir gastos com infraestrutura e professores

O ingresso de estudantes da classe C no ensino superior brasileiro está levando muitas universidades e faculdades particulares a investir num modelo econômico de curso, que associa mensalidades reduzidas com classes muito grandes, formadas em geral por mais de 100 alunos.

 

A estratégia permite que as instituições fechem as contas no azul, mesmo cobrando mensalidades entre R$ 300 e R$ 500. Com salas maiores, caem os gastos com infraestrutura e, principalmente, o investimento em corpo docente - quanto maiores são as turmas, menos professores são necessários.

 

O modelo, porém, é polêmico. Alguns alunos aprovam, pela vantagem da mensalidade mais barata. Outros reclamam da bagunça nas aulas, da dificuldade para ouvir os professores, da pouca atenção para cada aluno e da falta de condições apropriadas em laboratórios.

 

Ao entrar em Educação Física da Universidade Paulista (Unip) no ano passado, Carolina Paiva, de 21 anos, não imaginava que a quantidade de colegas de sala representaria uma barreira ao aprendizado. No laboratório de anatomia, os mais de 100 alunos tinham de se espremer em volta do professor e do único exemplar de corpo.

 

"As aulas práticas também não eram produtivas. Para tudo era preciso ficar esperando", conta. Segundo a estudante, a situação melhorou este ano porque a alta evasão reduziu a turma quase pela metade.

 

Aluno do 3º ano de Ciências da Computação na Universidade Nove de Julho (Uninove), Caio Leandro Alves Madeira, de 20 anos, conta que no início do curso, quando sua turma tinha 80 alunos, faltavam até carteiras na sala e as aulas eram muito tumultuadas. "Não é como nos EUA, onde as salas são cheias, mas todo mundo é interessado", diz. Como resultado, muita gente desistiu do curso, sobrando apenas cerca de 30 alunos. "Está bem melhor, mas ainda hoje, nas aulas práticas, ficamos em dois por computador."

 

Ademir Fonseca, de 40 anos, no último ano de engenharia elétrica da Uninove acredita que sua sala, com 70 alunos, tem um "tamanho bom". Ao menos para aulas expositivas. "O problema mesmo é nos laboratórios. Tem sempre pouco equipamento. Falta até cadeira para todo mundo."

 

A turma de contabilidade de Agnon Antônio da Silva Junior, na FMU, começou com quase 100 estudantes. "Fica uma bagunça", diz.

 

A reclamação é a mesma de Fernanda Zanco, de 21 anos, no 3º ano de administração na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). "Com 80 alunos, se o professor faz uma piada, leva dez minutos até acalmar a classe", diz.

 

Para o consultor em ensino superior Ryon Braga, o problema não está no tamanho das turmas em si, mas em como a instituição de ensino monta seu projeto pedagógico. "Na aula expositiva, não importa se são 50 ou 500. Mas nas universidades são necessários também momentos de interação e discussão. Nisso as classes devem ser divididas. Não dá para ter debate em uma sala com 80", afirma.

 

Justificativa

 

Procuradas pela reportagem, a Unip e a Uninove não quiseram se pronunciar sobre o tema e as condições da sala. Para o presidente da Anhanguera Educacional, Antônio Carbonari Netto, o modelo das salas numerosas é necessário e positivo se for adotado com cuidado.

 

"Claro que precisa ter estrutura para atender a todos. Mas não se pode ter aula teórica para só 30 ou 40 alunos; é desperdiçar um bom professor", explica. "Muitos ainda não mudaram o paradigma, mas se você tem bons professores, ninguém reclama de estar em uma sala grande."

 

Segundo a FMU, "algumas turmas, pontualmente, estão sendo divididas para atender a um melhor aproveitamento pedagógico e acadêmico". A Fecap informou que o tamanho médio das turmas é de menos de 50 alunos. "Acreditamos que o sentimento não representa a opinião da grande maioria de nosso corpo discente", diz a nota.

 

Criação de novas salas provocou debate na USP

 

A criação de novas salas para evitar a superlotação fez parte de uma obra maior que provocou polêmica e um intenso debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) no início do ano. A instituição costumava ter 130 alunos por classe nos primeiros anos do curso.

 

Uma iniciativa do ex-diretor e atual reitor da universidade, João Grandino Rodas, retirou do prédio principal da faculdade uma das bibliotecas. A intenção era criar salas de aula no local, para dividir as turmas dos primeiros anos.

 

A reforma em um prédio tombado, e sem consulta prévia aos corpos de professores e estudantes, provocou protestos. Mesmo assim, parte da reestruturação do prédio continuou a ser feita - e as classes dos 1º e 2º ano agora têm, em média, 60 alunos.

 

Exemplos

 

No entanto, classes com um número muito grande de estudantes continuam a fazer parte do cotidiano de algumas instituições públicas, estaduais e federais. E, em alguns casos, também são motivo de reclamação dos alunos.

 

Algumas universidades optam por uma turma grande nos primeiros anos de curso, quando todos os estudantes devem cursar as mesmas disciplinas. É o caso dos cursos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). As turmas são grandes e acabam sendo reduzidas pela metade apenas nas aulas de laboratório, o que já gerou muitas manifestações.

 

O mesmo acontece na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). No curso de Medicina, as aulas expositivas dos primeiros anos são ministradas em classes com 120 alunos.

 

No entanto, na hora de ir ao laboratório ou nas aulas práticas, a turma é dividida uma ou mais vezes, dependendo da necessidade da matéria. De acordo com os estudantes, uma peça no laboratório de anatomia em geral fica a disposição de 10 alunos.

(Luciana Alvarez)

(O Estado de SP, 7/9)

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