A angústia do guarda-redes perante a Jabulani
Físicos australianos revelam ao CH estudo que desvenda a ciência por detrás do futebol
2010-07-27
Por Bárbara Gouveia

A polémica instalou-se assim que a bola mais redonda de sempre apareceu nos relvados dos campos de futebol. A Jabulani, criada por Andy Harland da Loughborough University Sport Technology e distribuída pela Adidas, foi a escolhida para rebolar no palco do Campeonato do Mundo de Futebol de 2010. Com onze cores, a simbolizar os onze dialectos da África do Sul, a bola prometia ser a mais perfeita de toda a história deste desporto.

Ainda fora das quatro linhas começou o primeiro ataque. Júlio César, guardião da selecção canarinha, disse que a bola era horrorosa e que parecia de supermercado. Cláudio Bravo, guarda-redes chileno, comparou-a a uma bola de voleibol de praia. Também os avançados teceram o seu juízo: Luís Fabiano, avançado brasileiro, chamou-a de "sobrenatural".

A FIFA não alterou a táctica e foi mesmo a Jabulani que, após um remate cruzado de Iniesta, entrou na baliza do holandês Stekelenburg e sagrou a Espanha pela primeira vez campeã do mundo de futebol.

Mas afinal, qual a razão de tantas críticas a uma bola que apenas é muito redonda? Ciência Hoje "juntou" físicos e jogadores e tentou perceber a forma como a ciência está por detrás do desporto.

Beto afirma que “a bola é pior porque sofre alterações. Há muitas diferenças nomeadamente na textura”. O guardião explica ainda que “há vantagem para quem remata. Não é necessário haver tanta técnica, basta chutar bem e meter bem a bola”.

Depois do jogo de apresentação dos dragões contra o Sampdoria, a Imprensa desportiva enalteceu a boa relação de Hulk com a Jabulani. Léo Oliveira, antigo jogador do Flamengo e amigo do avançado do FCP, chegou mesmo a avisar os guarda-redes para terem cuidado com a bola rápida e leve que, segundo o brasileiro, beneficia os remates de Hulk.

As forças por detrás do futebol


Do outro lado do mundo, onde o surf é desporto-rei, os físicos australianos Derek Leinweber e Adrian Kiratidis, da Universidade de Adelaide, combinaram “o conhecimento da física aerodinâmica com décadas de estudos de bolas desportivas em túneis de vento para perceber e simular numericamente a aerodinâmica da Jabulani”.

Leinweber, com o estudo ainda por publicar, explica ao Ciência Hoje o segredo por detrás da pertinácia da Jabulani: “A microtextura, as ranhuras e a proximidade da perfeição esférica da bola mantêm a pressão do ar próximo da bola onde a rotação da mesma pode ter um efeito significante”.

Oriana Geada, autora do artigo «A Física e o Futebol», assegura que devido às propriedades da força de arrasto, isto é, “a resistência que o ar oferece à passagem da bola e que depende da velocidade com que ela se move em relação ao ar”, uma rugosa oferece menos resistência ao ar do que uma lisa.

Leinweber avisa que "algumas pessoas dizem que a Jabulani é demasiado redonda para ter uma trajectória correcta."

“A rugosidade da bola diminui a resistência ao ar a altas velocidades”, afirma Oriana Geada no mesmo texto. Conceitos físicos à parte, é fácil percebermos o conceito quando pensamos noutros relvados. Geada confirma que as bolas de golfe possuem orifícios maiores para atingirem distâncias maiores.

Já sabemos que a textura lisa e a perfeição esférica com poucas rugosidades podem trazer novidades a um jogo de futebol, porém a rotação da bola sobre si mesma também contribui para efeitos surpreendentes.

“Se a elevação e a força de arrasto forem proporcionais à densidade, os jogadores podem jogar mais rápida e directamente. A maior diferença é a quantidade de rotação”, afirma Leinweber.

O investigador australiano relembra ainda que “grande parte do trabalho do guarda-redes é antecipar-se ao movimento da bola, baseado no primeiro instante da trajectória. A Jabulani toma uma linha mais curva e o movimento lateral ocorre no último instante. É muitas vezes muito surpreendente”.

A bola no ar

Às críticas dos jogadores, Andy Harland saiu em defesa da “sua” bola, ao declarar que o problema não residia nas características avançadas da Jabulani mas sim na altitude a que se iam disputar os jogos no país sul-africano.

Na Universidade de Adelaide, Leinweber dá razão ao britânico: “A altitude na África do Sul diminui a densidade do ar para 80 por cento a densidade ao nível do mar”.

Oriana Geada decifra que “devido à elevada altitude de algumas cidades da África do Sul (Joanesburgo, por exemplo, está localizada a 1700 m acima do nível do mar e Pretória a 1300 m), a densidade do ar diminui por se encontrar mais rarefeito. Isto conduz a uma diminuição da força de arrasto”.

Foi também esta condicionante que levou a equipa das quinas a estagiar na Covilhã. Ao Ciência Hoje, Beto confessa que a equipa técnica aconselhou os jogadores a “jogar o mais rápido possível para não deixar a bola ganhar trajectórias”.

Segundo o jornal desportivo «O Jogo», Daniel Gaspar, o técnico luso-americano, "deu a Eduardo, Beto e Daniel Fernandes bolas que estavam presas a elásticos. Os guarda-redes tentavam chutá-las para longe, mas logo tinham de as agarrar novamente, tal a velocidade com que regressavam, o que os obrigava a reagir rapidamente e num curto espaço de tempo".

O guarda-redes dos dragões conta ainda que foram realizadas algumas experiências na Covilhã e que “basta bater a bola no chão para perceber que sobe mais alto e perdura no ar”.

Laranja nacional

Com o fim do mundial, poderia imaginar ouvir-se um apito final na história da Jabulani. No entanto, a tinta continua a correr e espera-se pelo prolongamento da história. A bola caprichosa, que já rola nos relvados nacionais nos jogos da pré-época, largou as onze cores africanas e vestiu-se de laranja para disputar o campeonato nacional.

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional seguiu a aprovação da FIFA e da UEFA, mas as queixas não tardaram. Inicialmente, os daltónicos afirmaram ter dificuldades em acompanhar os jogos com a bola laranja. O director da Sportv, Bessa Tavares, afirmou à Lusa que a cor não seria a mais adequada para as transmissões televisivas.

Durante a conversa com Ciência Hoje, Beto explica que “com os jogos à noite e com os holofotes, a nível visual acaba por ser complicado”.

É provável que a disputa ainda vá a meio, mas a Adidas já se pode considerar vencedora: os 13 milhões de bolas vendidas bateram o recorde de vendas, contra os 9,750 milhões da Teamgeist, a bola oficial do Campeonato do Mundo de 2006.

Que volta dar a esta bola? “É pensar que a amamos. É esta que temos para jogar”, conclui o guarda-redes azul e branco.

http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=44239&op=all

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