A Aula de Educação Física e a Formação da Imagem Corporal: Um Olhar Junguinano Sobre o Ensino Fundamental de Seropédica
Por Fernanda Oliveira Pires (Autor).
Em XI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
. INTRODUÇÃO
O caminho percorrido pela Educação Física ao longo de sua história faz com que se compreenda todo o seu processo de formação, de concepção de corpo e de corporeidade. A Educação Física foi instrumento de higienização da população através da prática de atividades físicas com intenções eugênicas. Surge no âmbito militar como meio de tornar a juventude mais forte e disciplinada. Serviu como propagadora de ideologias políticas e perdeu-se outras vezes na neutralidade. Hoje, em pleno século XXI, a Educação Física ainda traz consigo os resquícios desse percurso tão sinuoso que deixou marcas profundas no seu discurso e prática, e na forma como a sociedade compreende o seu papel na escola: como prática manipuladora de um corpo-objeto.
Ainda hoje é característica da educação escolar a tentativa de suprimir a fisicalidade, acreditando-se na necessidade de educar os corpos a fim de que sejam dóceis e disciplinados; facilitando, dessa maneira, o pensamento intelectual e a aprendizagem. Tal concepção expressa o dualismo que marca as sociedades ocidentais onde, até o início do século XX, "mente" e "corpo" são coisas distintas e dissociáveis. É nessa visão dualista que a Educação Física surge como um meio de educar corpos e de extravasar as energias. O reflexo dessa concepção de corpo ocidental, que marca a Educação Física no decorrer do século XX, reconhece o movimento do corpo como sinônimo de adestramento. As práticas corporais são repetitivas para domesticar esse corpo-objeto. Carmem Brandl (2002) chama a nossa atenção para os resultados obtidos em pesquisas realizadas no âmbito escolar, onde as práticas pedagógicas da Educação Física utilizam-se de metodologias diretivas no ensino de regras e técnicas para o desenvolvimento de habilidades desportivas.
A relevância exacerbada dada à anatomia, a fisiologia e a biomecânica vem dificultando as tentativas de se considerar o corpo e o movimento no âmbito social e cultural. Para Giovanina Freitas (2004:55), "a motricidade do homem acompanha a sua corporeidade e ambas, na verdade, não se distinguem. São a expressão do ser cultural no mundo social ou, mais amplamente, do ser intencional no mundo fenomenológico". No entanto, a Educação Física ainda insiste na prática de atividades tecnicistas, onde o desempenho de um corpo mecanizado assume o papel principal.
A fim de que se adquiram as destrezas físicas, os alunos executam determinados movimentos que serão corrigidos e repetidos inúmeras vezes, tudo baseado num único padrão de movimento, até que se obtenha um desempenho satisfatório. Assim, o corpo na Educação Física é tratado como instrumento para a obtenção de resultados preestabelecidos; a corporeidade do aluno, em toda a sua individualidade, se vê tolhida pela imposição de padrões de movimento.
O que é incontestável com relação ao movimento psicofísico, que caracteriza qualquer ser humano, é sua função enquanto um meio de interação. Através dele, interagimos com o outro ser e com o meio ambiente, num constante comunicar-se; satisfazemos nossas necessidades, caracterizando outro aspecto relevante do movimento: a intencionalidade. Ademais, o movimento é um canal de expressividade, onde o indivíduo expõe, de maneira consciente ou não, todo o simbolismo que lhe é inerente. É um potencializador do auto-conhecimento e permite que o indivíduo dialogue, de maneira mais íntima, com sua corporeidade. O movimento integra aspectos fisiológicos, cognitivos, culturais e afetivos; por isso, o movimento e a imagem corporal mantêm uma ligação de influência mútua.
A percepção corporal proporcionada pelo movimento irá influenciar sobremaneira a imagem corporal; da mesma forma que a consciência que o indivíduo tem de seu corpo terá um papel extremamente significativo na maneira como ele movimentar-se-á. Logo, fica evidente o caráter dinâmico da imagem corporal, onde qualquer movimento realizado irá modificá-la. Mas, também, esta "irá imprimir características individuais e circunstanciais à realização de qualquer movimento" (Turtelli, 2003:11).
A interação entre imagem corporal e movimento torna-se evidente quando a corporeidade do sujeito se torna "cristalizada". De acordo com Turtelli (2003:11), para Le Boulch, isso ocorre devido ao "distanciamento entre a esfera intelectual e a esfera afetivo-motora. O vocabulário de movimentos do indivíduo torna-se limitado e mecanizado". No entanto, uma imagem corporal em constante mutação promove movimentos expressivos, repletos de plasticidade e eficazes na sua ação sobre o meio.
A formação da imagem corporal terá relação direta na maneira como o indivíduo compreende o seu "eu", ou seja, na formação da identidade global do indivíduo como um corpo integrado e único, na dimensão bio-psico-social. Dessa forma, a construção da imagem corporal do indivíduo possui relação direta com o "processo de individuação", processo o qual é de fundamental importância no corpo teórico da obra de Carl Gustav Jung. Como ele diz:
"Uso a palavra ‘individuação’ para designar um processo através do qual um ser tornar-se um ‘individuum’ psicológico, isto é, uma unidade autônoma e indivisível, uma totalidade."
"A individuação significa tender a tornar-se um ser realmente individual; na medida em que entendemos por individualidade a forma de nossa unicidade, a mais íntima, nossa unicidade última e irrevogável; trata-se da ‘realização de si-mesmo’, ‘realização do si-mesmo’." (Jung, 1985:355)
A partir dessa concepção junguiana, para o propósito da nossa pesquisa, o movimento assume um papel de suma importância como um agente integrador das diferentes esferas que compõem o ser humano e na construção de uma identidade bio-psico-social, já que é a expressão da individualidade de cada ser.
Para que se ultrapasse esse estigma de corpo-objeto, é necessário que se lance um olhar sobre o corpo-sujeito, corpo de um ser que possui história, emoções e personalidade. Logo, tornar o indivíduo consciente de sua corporeidade está muito além da aquisição de habilidades motoras mecanizadas.
"Consciência Corporal do Homem é a sua compreensão a respeito dos signos tatuados em seu corpo pelos aspectos socioculturais de momentos históricos determinados. É fazê-lo sabedor de que seu corpo sempre estará expressando o discurso hegemônico de uma época e que a compreensão do significado desse ‘discurso’, bem como de seus determinantes, é condição para que ele possa vir a participar do processo de construção do seu tempo e, por conseguinte, da elaboração dos signos a serem gravados em seu corpo" (Castellani Filho apud Freitas, 2004:75)
A compreensão do corpo para além do físico se faz urgente na Educação Física. É necessário conceber o movimento não mais como um único e exclusivo deslocamento de membros num determinado espaço e tempo, mas sim como expressão de um corpo-sujeito integrado e único. Portanto, devemos repensar as práticas motoras oferecidas aos alunos nas aulas de Educação Física, propondo, então, atividades que possibilitem ao aluno experimentar seu corpo e compreender suas peculiaridades enquanto representação de sua individualidade; realizar atividades que longe de impor padrões corporais e de movimento, respeitem a diversidade e reconheçam as potencialidades desses corpos-sujeitos.
A imagem corporal está em constante transformação através desse corpo existencial que interage consigo mesmo e com o mundo. Esta imagem, esta representação, é construída e reconstruída a cada nova descoberta a cerca desse corpo. Portanto, o professor de Educação Física não pode se abster de sua responsabilidade no que tange à descoberta desse corpo e conseqüente formação da imagem corporal dos seus alunos.
O "processo de individuação", de tornar-se si mesmo em toda a sua individualidade e totalidade, pressupõe um caminho árduo de conexões com o verdadeiro Eu. As manifestações de partes da psique como o ego, a persona, a sombra, a anima ou o animus, dentre outros arquétipos, devem se tornar mais harmônicas na formação da identidade bio-psico-social da nossa existência.
Essa tomada de consciência, ou melhor, a união entre consciente e inconsciente, possibilitará ao indivíduo libertar-se do domínio do Ego, colocando-o em relação harmônica com o mundo. Logo, a imagem corporal do indivíduo, que muitas vezes se expressa de maneira simbólica, possui grande relevância no desenvolvimento dessa consciência ampliada e relacionada ao mundo, ao cosmo.
Para Jung:
"os processos inconscientes, sempre e em toda parte, levam à consciência conteúdos que, uma vez reconhecidos, ampliam o campo dessa última. Sob este prisma, o inconsciente se afigura um campo de experiências de extensão indeterminada" (Jung apud Freitas, 2004:73)
Quando o inconsciente lança à consciência, através de sua linguagem simbólica, a representação dessa imagem corporal, o indivíduo torna-se capaz de reconhecer sua corporeidade e a lidar com ela.
O método da "imaginação ativa" desenvolvido por Jung o qual consiste em o indivíduo vivenciar através da imaginação diferentes personificações, interagindo com elas, permite não só a descoberta de conteúdos inconscientes como também a interferência direta nesses mesmos conteúdos. De acordo com Freitas (2004:73), para Jung:
"A contínua conscientização das fantasias (sem o que, permaneceriam inconscientes), com a participação ativa nos acontecimentos que se desenrolam no plano fantástico, tem várias conseqüências (...). Em primeiro lugar, há uma ampliação da consciência, pois inúmeros conteúdos inconscientes são trazidos à consciência. Em segundo lugar, há uma diminuição gradual da influência dominante do inconsciente; em terceiro lugar, verifica-se uma transformação da personalidade."
Essa possibilidade proporcionada pelo método da imaginação ativa pode contribuir bastante no desvelar da relação do indivíduo com seu corpo, representada pela imagem corporal formada e no posterior "processo de individuação". Através da Teoria Junguiana é possível, portanto, lançar um olhar diferenciado sobre a questão da imagem corporal e da corporeidade, onde os signos contidos no corpo do homem e todo simbolismo expresso em sua vivência corporal tornam-se um canal de comunicação do homem consigo mesmo e com o mundo.
OBJETIVOS
3.1. Verificar os efeitos das aulas de Educação Física, considerando a diversidade das metodologias de ensino, na formação da imagem corporal dos alunos da rede pública do Ensino Fundamental;
3.2. Analisar se essas aulas contribuem ou não para a formação de uma imagem corporal positiva;
3.3. Assinalar parâmetros para uma prática pedagógica consciente e comprometida com o processo de formação da imagem corporal, a fim de se obter resultados consistentes e eficientes quanto ao desenvolvimento da corporeidade dos alunos.
JUSTIFICATIVA
Há muito tem se discutido sobre imagem corporal. Entretanto essa concepção de corpo humano como corporeidade, "como permanência que se constrói no emaranhado das relações sócio-históricas e que traz em si a marca da individualidade" (Freitas, 2004:53) vem ganhando espaço no meio acadêmico e transformando-se num tema de suma importância para os estudiosos do homem e da sua corporeidade. A necessidade de aprofundamento do tema é urgente a fim de que as áreas que trabalham com a questão da corporeidade possam guiar-se em solo seguro. A Educação Física, enquanto uma ciência do movimento humano não pode abster-se dessa discussão, devendo, inclusive, dar o testemunho de sua relação íntima com a corporeidade e as imbricações de sua prática no estudo do desenvolvimento da mesma.
O fato de direcionar este trabalho para os alunos da rede pública do Ensino Fundamental deve-se à questão de que esses alunos estão numa faixa etária na qual seus corpos e seus movimentos ainda não se encontram cristalizados pela imposição social de padrões corporais. Dessa forma, será possível observar, de maneira mais clara, a influência das aulas de Educação Física na construção da relação desses indivíduos com a sua própria corporeidade e com o mundo social que os cerca.
O Ensino Fundamental observado será o do Município de Seropédica, localizado no Estado do Rio de Janeiro. De acordo com as possibilidades, no futuro, outros municípios serão observados para que os dados encontrados, avaliados e descritos sobre o Município de Seropédica possam ser comparados com os dados de outros municípios. Dessa forma, um "banco de dados" poderá ganhar forma e ampla utilização para os alunos e profissionais da Educação Física do Estado do Rio de Janeiro.
Sob o enfoque da Psicologia Junguiana, então, será possível fazer uma descrição sobre as implicações das aulas de Educação Física na formação da imagem corporal dos alunos da rede pública do Ensino Fundamental do Município de Seropédica.
Um olhar junguiano sobre o tema certamente trará resultados relevantes para, a posteriori, desenvolvermos, de maneira mais aprofundada e consistente, estudos sobre a corporeidade da juventude em Seropédica. Daí a relevância deste presente estudo, a fim de se lançar um alerta aos profissionais da Educação Física quanto à urgência de se refletir a respeito do seu papel na construção dessa identidade corporal.
Através das considerações obtidas, será possível oferecer um caminho rumo a uma prática pedagógica consciente de seus objetivos e eficaz quanto ao alcance dos alunos e dos profissionais mais interessados.
METODOLOGIA
O estudo reunirá abordagens qualitativas para descrever as concepções de corpo e da corporeidade trabalhadas pelos professores de educação física no ensino fundamental do município de Seropédica. Uma análise comparativa será efetuada para apresentar as implicações epistemológicas das abordagens teóricas, utilizadas pelos professores para trabalhar a formação da imagem corporal dos alunos.
A rede pública do Ensino Fundamental do Município de Seropédica tem 37 (trinta e sete) escolas e a nossa intenção é avaliar as aulas de educação física em todas as escolas. Contudo, vamos priorizar as escolas que trabalham com os alunos das últimas classes do ensino fundamental. São 12 (doze) escolas: E. E. M. Olavo Bilac; E. E. M. Santa Sofia; E. M. Atílio Grégio; E. M. Eulália Cardoso de Figueiredo; E. M. João Leôncio; C. E. M. José Albertino dos Santos; E. M. José de Abreu; E. M. José Maria de Brito; E. M. Manoel de Araújo Dantas; E. M. Panaro Figueira; E. M. Pastor Gerson Ferreira da Costa e, E. M. Prom. De Justiça Dr. André Luiz M. M. Peres.
As aulas de Educação Física serão observadas diretamente, sendo possível colher dados empíricos a respeito de tópicos previamente estabelecidos. Para a realização desta investigação utilizaremos questionários com perguntas fechadas e abertas, entrevistas com os professores e realização de oficinas com os alunos.
Os questionários com perguntas fechadas e abertas permitirão, a partir da observação das aulas dos professores de educação física, assinalar os fatos que aparecerem. Por exemplo: a relação professor-turma, a interação da turma-turma, o espaço físico reservado para a aula de Educação Física, os equipamentos utilizados na aula de educação física e, outros fatos que poderão compor o questionário.
As entrevistas com os professores permitirão observar e descrever o envolvimento do mesmo com a sua prática profissional, nas dimensões teórica e prática e, principalmente, captar a sua visão sócio-histórica da imagem corporal e a formação da mesma na atualidade do ensino fundamental em Seropédica.
As oficinas serão utilizadas para aferir a interação dos dados coletados na primeira e na segunda questão, acima mencionadas. Não temos a intenção de realizar as oficinas com todos os alunos das escolas e, sim, somente com alguns alunos dos respectivos professores entrevistados, mediante uma autorização do professor e da escola.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A presente pesquisa está em fase de iniciação. Posteriormente, estaremos divulgando em âmbito acadêmico os resultados obtidos a fim de fomentar uma discussão mais aprofundada sobre o objeto desta pesquisa.
Obs. Os autores Fernanda Oliveira Pires (fernanda2704@gmail.com) é Bolsista de Iniciação Científica PROIC/CNPq e Discente do Curso de Licenciatura em Educação Física e o prof. Dr.Nilton Sousa da Silva (niltonsousa@gmail.com) leciona no Instituto de Psicologia, ambos da UFRuralRJ
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