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 Atualmente verificamos discussões relativas a postura do professor em sua intervenção frente aos alunos. Esta discussão ganha corpo na medida em que se recai nas possibilidades existentes a partir do entendimento da Educação Física como prática social. Para compreendermos o que hoje é discutido, contudo, necessitamos mapear os elementos componentes do profissional - professor como um intelectual, e assumi-lo como mantenedor de uma postura que antecede a sua prática profissional nas aulas de Educação Física.

 Isto ocorre em espaços pertinentes, como a Escola. Tal postura reflete uma determinada concepção de mundo que pode ser exemplificada de forma convergente com perspectivas teóricas delineadas, denominadas no presente trabalho como imparcialidade ideológica do intelectual e parcialidade ideológica do intelectual. Neste sentido, tentaremos expor argumentos para verificar em que medida a primeira forma é tão ideológica quanto a segunda, e qual o sentido epistemológico da opção escolhida frente à Educação Física enquanto prática social.


 Mannheim, ou a imparcialidade ideológica do intelectual ...


 Mannheim associa a questão dos intelectuais como um problema da sociologia do conhecimento e da sociologia política, ou seja, o fazer científico dos intelectuais é relacionado a outras questões e passsível de análise por parte de uma disciplina específica. O olhar dirigido ao fazer científico por parte do intelectual define a formulação do problema, a abordagem do problema, a classificação, ordenação e as categorias utilizadas. Mannheim define tal olhar como posição social do observador. (Mannheim, 1986).


 Os intelectuais por possuírem uma posição social, assumem uma determinada decisão política, o que aparentemente inviabilizaria uma ciência política - e que Mannheim tenta comprovar sua viabilidade apesar dos fatos descritos. Já a política, pela ótica do autor, possui uma pedagogia, que transmite valores em forma de uma atitude frente ao mundo e que passa por toda a vida de quem os assimila.


 A situação de época verifica que toda concepção de mundo seja partidária, especialmente uma visão política de mundo. O conhecimento está fragmentado, mas pode ser integrado complementarmente através de diversos pontos de vista. Nesse sentido, as teorias opostas são produtos de fatos sociais determinados e podem se completar possibilitando preliminarmente uma ciência política.

 A ciência política não seria, no entanto, uma ciência partidária, mas geral, do todo. (Mannheim, 1986).


 Ao adotarmos uma síntese absoluta, recaímos num intelectualismo estático, admitindo que o pensamento político tem origem desinteressada e que a síntese só ocorreria através de fontes de dentro do próprio âmbito político. Se o pensamento político vincula-se a uma perspectiva dentro do contexto social, uma síntese total deve tender a estar introjetada em algum grupo social. (Mannheim, 1982, 1986).


 Para Mannheim (1986), a intelligentsia seria o estrato que melhor desempenharia esta função de síntese, pois o estrato ideal para realiza-la deve ser "relativamente sem classe, cuja situação na ordem social não seja demasiado firme". (p. 180).


 Nesta perspectiva, os intelectuais são os mais capazes de produzir sínteses, pairando sobre as questões analisadas e também sobre a sociedade, emitindo seus pareceres desvinculados de uma classe social, é a chamada Freischwebende Intelligenz ou inteligência livremente flutuante.


 Portanto, os intelectuais vinculam-se oportunamente a uma classe ou outra para emitirem seus pareceres com forma de imparcialidade ideológica.


 Gramsci, ou a parcialidade ideológica do intelectual ...


 Gramsci parte da teoria marxista para elaboração de sua proposta, onde evidencia o intelectual como organizador da cultura, vista como dimensão superestrutural da sociedade. De acordo com as publicações de Gramsci, as pessoas se destacam em sociedade por diferentes meios, como a atividade profissional. O destaque profissional é capacidade de todas as pessoas, mas a maioria não consegue desenvolvê-la ou exercê-la, bem como atingir função de líderes. Neste sentido, a priori todos são intelectuais, mas nem todos exercem função intelectual relevante para a sociedade.


 Todos os grupos sociais que tem origem em funções estratégicas para a economia geram paralelamente um ou mais grupos de intelectuais, dando consistência e consciência de sua função para diferentes campos de atuação, como o social e o político, além do econômico. (Gramsci, 1978, 1995). Pode ser denominado intelectual orgânico o intelectual produzido dentro das fileiras de um grupo social, que se torna organizador e dirigente da sociedade. Estas lideranças são fundamentais na busca por uma nova ordem vigente para a sociedade a partir de um grupo social progressista. Por outro lado, estes mesmos intelectuais orgânicos podem se alinhar com a classe dominante, auxiliando-a na manutenção da hegemonia, através da difusão das idéias dominantes.


 Nesta perspectiva, são chamados intelectuais atuantes os que desempenham uma função de destaque ou crucial numa sociedade, e de intelectuais não atuantes os que não desempenham.


 Para Gramsci (1966, 1978, 1995), os intelectuais são detentores e produtores de um discurso que influencia a organização da sociedade e da cultura, pois as pessoas só se tornam independentes ao organizarem-se, e não há organização sem intelectuais, "sem organizadores e dirigentes, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas "especializadas" na elaboração conceitual e filosófica." (Gramsci, 1966, p. 41).


Sintetizando ...


 Mannheim define o intelectual como o estrato mais capaz de produzir sínteses relativas a sociedade, posicionando-se acima das classes mas vinculando-se por entre elas oportunamente, conforme a síntese produzida. Tal vinculação imparcial pode ser entendida como um avanço em relação ao ponto de vista neutro, mas não mais ou menos ideológica do que à neutralidade. Ao admitirmos o intelectual como o mais capaz de aproximar-se da verdade e da objetividade do conhecimento, o colocamos superior ao restante da sociedade. Ao emitirmos as sínteses dinâmicas dentro das classes sociais, assumimos uma postura que é ideológica e, devido a identificação com a classe social ser oportuna, determinamos uma mobilidade de tal postura.


 Já Gramsci define o intelectual através das circunstâncias históricas e profissionais que propiciam o seu desempenho, não importando o seu grau de estudo, mas a função desempenhada socialmente.


 O intelectual é, neste sentido, organizador da cultura, promotor de um consenso em torno de idéias geradas por uma classe social. Na medida da vinculação do intelectual com a classe dominante ou dominada, as suas idéias difundidas auxiliam na construção da hegemonia ou na luta contra-hegemônica. Esta luta ocorre por exemplo na sociedade civil, em seus aparelhos, como a Escola. Nestes termos, dialeticamente toda relação de construção de hegemonia é pedagógica, e toda relação pedagógica (como a do professor de Educação Física com os seus alunos) auxilia à hegemonia ou à contra-hegemonia. Portanto, neste caso a posição do intelectual também é ideológica, mas não móvel.

Uma conclusão ...

No presente trabalho, em que pese o refinamento da análise de Mannheim, optamos pela coadunação ideológica com a proposta gramsciana da categoria intelectual, visto que esta abarca os pressupostos epistemológicos assumidos frente a área.


 Desta forma, compreendemos a EF como prática social e, ao mesmo tempo, compreendemos também o homem como ser social. A partir desta assertiva podemos verificar o professor de Educação Física intervindo pedagogicamete stricto sensu, pois a prática da Educação Física por si é aleatória, ganhando qualidade quando há intervenção do professor. Este professor sistematiza a atividade proposta, com conteúdo selecionado e objetivos. Nestes termos, consideramos a categoria dos valores fundamental no processo ensino-aprendizagem. Por outro lado, ao assumirmos a importância do papel do professor-intelectual como interventor pedagógico dentro de uma prática social como a Educação Física, necessitamos também assumirmos posicionamentos frente a que educação e, ao mesmo tempo, que sociedade queremos ao enfatizar os valores selecionados para a docência, numa atitude essencialmente política.


 Obs.


 O autor, Prof. Ms André Malina é membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação Física e do Esporte (GEPHEFE), e o orientador, Prof. Dr. Vítor Marinho de Oliveira é o Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação Física e do Esporte (GEPHEFE) da U.G.F.


 Referências bibliográficas


 Gramsci, Antônio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
___________. Obras Escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
___________. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
Mannheim Karl. Sociologia da Cultura. In: FORACCHI, Marialice Mencarini (Org.). Karl Mannheim: Sociologia - Coleção Grandes Cientistas Sociais - vol. 25, p. 101 - 106. São Paulo: Ática, 1982.
___________. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.