A Participação Docente na Elaboração do Projeto Político Pedagógico
Em XI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Neste trabalho busca-se desvendar a real participação do professor de educação física na elaboração do PPP (Projeto Político Pedagógico) da escola. A elaboração do PPP, responsabilidade que a lei 9.394/96 atribuiu à escola, é uma das formas de construção e do exercício da autonomia desta instituição. Isso tem merecido a atenção de professores, de técnicos e das secretarias de educação para pensar como planejar, desenvolver e avaliar tais políticas realizadas dentro da sala de aula.
DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA
Há na LDB uma forte proposta na autonomia docente, inclusive na participação e na elaboração do PPP da escola e na seleção de conteúdos disciplinares. No entanto, para que a proposta ocorra na prática, depende do engajamento do corpo docente da escola, o que nem sempre é facilitado devido às condições de trabalho, desvalorização do profissional de educação, refletida na remuneração, e uma conseqüente falta de tempo hábil para dedicação à escola.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é verificar a efetiva participação do professor de Educação Física na elaboração do PPP, conforme prevê o Art.13, inciso I e Art.14, inciso I da LDB.
METODOLOGIA
Para tal verificação realizaram-se entrevistas na Escola Estadual Visconde de Cairu, no bairro do Méier, no Rio de Janeiro. Visto que é um estudo de cunho qualitativo, foram entrevistados quatro professores de Educação Física que atuam nesta escola no turno da tarde. A questão-chave da entrevista foi como o professor lidava com a proposta da LDB, acerca de uma autonomia docente, inclusive na participação da elaboração do projeto político-pedagógico da escola, e se este de fato participava desta.
DESENVOLVIMENTO
Na LDB de 1996, no artigo 13, inciso I e artigo 14, também inciso I, abordam a participação do docente na elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino, ou seja, uma maior autonomia e envolvimento deste profissional na construção do PPP.
Porém, para que este profissional se envolva com o projeto educacional da instituição que trabalha, é necessário que tenha uma formação adequada "de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características do desenvolvimento do educando" (Lei 9.394 de 1996, TÍTULO VI, Art. 61).É necessário que tenha uma boa e completa formação e uma constante atualização, cursos, além do diálogo com outros professores e tempo para se dedicar à instituição, e é aí que começa toda a problemática deste profissional.
Com a progressiva deterioração do ensino, principalmente público, neste país, que teve início no golpe militar de 1964, que muitas vezes, tratava através da repressão educadores e educandos, percebe-se que:
"Desespero e apatia foram os dois componentes do efeito da repressão nas escolas e nas universidades. O desespero de uns levou ao abandono do magistério e do estudo [...]. A apatia de outros resultou no desleixo para com o ensino [...]. Entre o desespero e a apatia, caminhavam com dificuldade professores e estudantes que buscavam resguardar a dignidade de sua situação, só possível num ambiente de liberdades democráticas".(Cunha, 2002, p.40)
E com a conseqüente desvalorização do professor e do seu salário, muitos destes profissionais tornam-se "máquinas de dar aulas", ou seja, trabalha em várias escolas, para complementar seu salário para que este cubra minimamente suas despesas, numa carga horária que pode chegar a 50 horas-aula semanais, o que faz com que este profissional muitas vezes não tenha tempo para se dedicar à elaboração do PPP das escolas em que trabalha ou não se sinta estimulado para isso. Uma minoria de docentes dos Ensinos Fundamental e Médio se dedica exclusivamente a uma ou duas escolas.
Este é um período de nossa História em que o professor não tem voz ativa, autonomia, o golpe militar instaura uma ordem em que os docentes ao contrário de décadas anteriores, não são estimulados a participar da construção do ensino, há uma apatia na educação que deixa terríveis frutos até hoje: a desqualificação da própria educação e de seus profissionais.
Em contrapartida, três décadas antes, foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, por intelectuais, pensadores, artistas, educadores que trazem uma nova concepção para a educação no país.
"[...]um educador pode bem ser um filósofo e deve ter a sua filosofia de educação; mas, trabalhando cientificamente nesse terreno, ele deve estar tão interessado na determinação dos fins de educação, quanto também dos meios de realizá-los. [...õ educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; [...]Se têm essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; [...]"(Azevedo, 1984)
Para os pensadores do Manifesto, o professor tem papel fundamental no processo educativo, a formação deste profissional, a especialização e a atualização são primordiais para uma efetiva autonomia e participação na elaboração do ensino.
Atualmente, através da LDB 9.394/96 percebe-se uma tentativa de retomada da autonomia e participação professor na elaboração do PPP da escola, conforme já foi citado no artigos 13 e 14 da referida lei.
Verificou-se, na escola visitada, um impedimento físico na integração dos docentes de Educação Física com os demais: a quadra se situa num local distante das outras salas, sendo esta quase um anexo do colégio. Além disso, o seu acesso é dificultado para pessoas que não tem facilidade de subir escadas longas. Devido a sua inacessibilidade, há uma sala de professores em separado, somente para os professores de Educação Física, ao lado da quadra - o que facilita seu trabalho individual, pois este não precisa atravessar a escola para a sala dos professores, mas em contrapartida dificulta deu trabalho em coletivo, visto que o segrega ainda mais do resto da escola.
Segundo um dos entrevistados, há profissionais bastante envolvidos com a causa, porém há aqueles que consideram desnecessária esta participação, outros que devido ao trabalho intenso em mais de uma escola, encontram dificuldades em participar. Porém, outro entrevistado afirma que nesta escola "é bem maior o número de professores comprometidos do que não".
Foi observado um real entrosamento entre os professores de Educação Física, na elaboração de um projeto político-pedagógico, mas em relação às outras disciplinas, apenas um dos entrevistados demonstrou ter conhecimento dos projetos interdisciplinares da escola. Todos acreditam na importância de um PPP, mas afirmam dificuldade de dedicação, devido ao fato de todos terem que trabalhar em mais de uma escola, alguns até em três. De forma geral, os entrevistados demonstraram consciência no trabalho em relação à educação física, no porquê da escolha de determinados conteúdos, e foi unânime uma preocupação com o trabalho na perspectiva da cultura-corporal do movimento.
Eles afirmaram que a Educação Física nesta escola sofreu uma grande transformação depois que um professor chegou nesta. Este que, infelizmente já saiu da escola, foi o responsável por trazer o enfoque da cultura corporal do movimento, e havia acabado de fazer a pós-graduação em Educação Física Escolar na UFF. No início ele foi ironizado por seus colegas, pois a Educação Física lá era extremamente voltada ao desporto e ao rendimento. Os alunos eram obrigados a ter habilidade com o desporto escolhido pelo professor, caso contrário era reprovado. O mais agravante era que os alunos menos habilidosos eram excluídos. Após certo tempo os professores começaram a aceitar mais essa "nova" proposta. Hoje em dia apenas um dos entrevistados não fez essa pós-graduação em Educação Física Escolar. É interessante notar que essa questão foi o impulso promotor da integração entre os professores, que a partir de então passaram a se reunir para elaborar planejamento, conteúdos, e o enfoque principal da disciplina, pois antes disso, os professores exigiam dos alunos aquele desporto com o qual o mesmo mais se identificava. E nestas reuniões é que se produz algo que podemos chamar de projeto político-pedagógico - não no âmbito da escola com um todo, mas somente na questão da Educação Física.
CONCLUSÃO
Ao iniciar a pesquisa esperava-se encontrar escolas onde o PPP seria quase inexistente, devido à desvalorização do profissional de educação e um salário que não permite sua dedicação a escola. Mas, a partir da análise das entrevistas, conclui-se alguns professores ainda encontram motivação para se engajar na construção de projetos educacionais. Professores estes da rede pública, onde, diferentemente da rede particular de ensino, não sofrem pressões com a possibilidade de demissões. Mas o projeto encontrado foi particular à Educação Física, demonstrando uma presente segregação desta disciplina das demais. E o motivo para tal pode ser explicado por diversos fatores: falta de incentivo da escola, do estado, desvalorização do professor e até as dimensões do espaço físico na escola - esta última sendo uma problemática real no caso da E.E. Visconde de Cairu.
É importante destacar que os entrevistados compõem uma pequena parcela dos profissionais de educação das escolas do Rio de Janeiro, não servindo, portanto, para um parâmetro da atual da configuração dos projetos realizados por professores. Porém elucida o fato de que, de certa forma, algumas realizações ocorrem em algumas escolas públicas.
Obs. A autora, acadêmica Fernanda Bartoly Gonçalves de Lima (nandabartoly@yahoo.com.br) é da UFRJ
REFERÊNCIAS
- Azevedo, Fernando et al. O manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. RBEP. Brasília, 1984.
- Brasil, Ministério da Educação e dos Desportos. Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional. n° 9394/96.
- Carneiro, M. A. LDB Fácil: Leitura crítico-compreensiva artigo a artigo. 11ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
- Coletivo de autores. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo, Cortez, 1992.
- Cunha, L. A. Roda Viva. In: Góes, M. de, Cunha, L. A. O golpe na Educação. 11ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.