Integra

Tenho ouvido muitas pessoas ligadas à educação dizerem que na pós-pandemia haverá grande aumento de interesse pelo Ensino a Distância por parte de crianças e jovens, que a escola é chata, que aprender nas telas digitais é mais motivante e eficiente etc. etc. Decerto que a educação escolar não é o único tempo/espaço de aprendizagem (nunca foi...), e está em descompasso com nossos tempos: globalização, redes sociais, explosão do tempo e do espaço etc.

Temos hoje milhões de crianças e jovens forçados ao confinamento domiciliar,  e parte deles (a grande maioria das classes socioeconômicas media e alta) tiveram a escola presencial substituído por EaD, "ensino remoto", aulas on-line, ou qualquer outra denominação que se queira adotar.

Dessa situação já começam a surgir aqui e ali manifestações de "saudades da escola" (por parte dos pais ou outros adultos) e por parte das crianças em especial. Aqui em casa minha caçula (9 anos) enjoou rapidinho das "tarefas on-line", e até mesmo das conversas on-line com colegas da escola, realizadas a partir de iniciativa das próprias crianças. 
Como expressaram (supostamente) duas crianças  num áudio e imagem que recebi pelo whatsapp: "É muito difícil ser aluno da mamãe", "Professora, sem você eu não consigo aprender... a mãe não é igual a você, você tem as manias [manhas?] de pro... minha mãe não tem, ela trabalha num restaurante, ela só tem a mania de fazer comida!". Se não foram autenticamente produzidos por crianças, bem que poderiam ser...

De outro lado, vejo na minha rede social professor*s de Educação Física pedindo ajuda, angustiad*s diante dessa nova demanda, para a qual não estavam preparad*s. E não se trata apenas de uma questão técnica, mas de uma problematização mais ampla e profunda: faz sentido haver aulas de Educação Física a distância? Penso que ainda não temos maturidade acadêmica para responder com argúcia a esta pergunta, muita pesquisa ainda terá que ser feita. Mas quando se trata de crianças, tenho certeza: criança é corpo e movimento, é aqui-agora, há uma "cultura de pares" rica e dinâmica, criança tem que estar junto com outras crianças. E para isso o EaD ainda não conseguiu dar uma reposta.

A experiência que resultará dessa situação inédita na história humana será oportunidade única para *s pesquisador*s do tema. Poderemos abandonar a perspectiva "adultocêntrica" (como se diz na sociologia da infância) , e perguntar às crianças e jovens o que pensam sobre o EaD e sobre Escola (no sentido da escola "física"), como avaliam o que viveram. Na minha expectativa, perceber-se-á que professor*s, aulas presenciais, aprendizagens em grupo e socialização com os pares são insubstituíveis Mas também se perceberá que uma avalanche diária de aulas expositivas com aprendentes de glúteos grudados nas carteiras durante 4,5, 8 horas por dia será cada vez mais insustentável.
Já no ensino superior, a EaD pode ser algo muito bom, mas uma coisa é Harvard, outra coisa é o que acontece aqui no "Bananão" (como diria o Laércio). Provavelmente, na media, o EaD no ensino superior brasileiro será tão ruim quanto o ensino presencial, mas dará muito mais lucro... Lembro neste momento que o ensino superior em nosso país é amplamente dominado pela iniciativa privada.

Para os jovens, na minha opinião (para não dizer especulação, já que não sou especialista), o EaD poderá ser muito produtivo em um sistema híbrido, com destaque para a "aula invertida" como estratégia. Todavia, não canso de repetir: as tais "metodologias ativas" não são fim em si mesmo, devem estar subordinadas ao "Projeto político-pedagógico da escola", às finalidades gerais da educação (por isso há projetos diferentes).  

De minha parte, entendo que  o "projeto" (do latim lat. projectus: "ação de lançar para a frente") precisa estar conectado à vida concreta, aos aprendentes concretos. Para tal , *s educador*s precisam se livrar dos seus pré-conceitos (inclusive em relação ao EaD), e deixar que o fenômeno se mostre. Depois, decidir que rumos tomar, mas duvido que poderá ser o mesmo, com ou sem EaD.

Bauru, 18/04/2020  -   45 casos confirmados, 144 casos suspeitos, 6 óbitos suspeitos, 4 óbitos confirmados por COVID-19