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PROFESSOR, QUAIS VALORES ORIENTAM AS SUAS AÇÕES NO DIA-A-DIA ESCOLAR?

A Educação Física Escolar na busca de sua identidade como disciplina passou por vários processos de negociação e disputa de valores / idéias, concepções e perspectivas entre seus profissionais e os valores sociais da escola.

Na cultura Corporal de Movimento acreditamos no princípio da progressividade em termos de complexidade, mas sem depender do etapismo comum nas teorias do desenvolvimento humanas usadas na prática dos processos de ensino-aprendizagem escolar. Acredito, nessa visão que o aprender não ocorre de forma hierárquica e cumulativa em cada estágio de desenvolvimento previamente definido, mas sim de forma dialética e espiralada, ampliando-se à medida que o aluno incorpora novas referências de pensamento e habilidade corporais. Assim, não há momento pré-definido, para o aluno ser ensinado com este ou aquele movimento corporal ou fundamento desportivo. Devemos sim é saber variar a complexidade de sua prática em função das capacidades individuais de cada aluno em qualidade e diversidade de conteúdos

A cultura corporal de movimento está ligada a uma formação estética da imagem corporal e a sensibilidade sentimental/emocional dos alunos, pois por meio dos movimentos eles retratam o mundo em que vivem com seus valores culturais, sentimentais, familiares, sociais, pessoais. Isso pode vir a se tornar um modelo cultural e idéia de juventude que poderá ser vivenciada e experimentada por várias gerações de jovens.

Nós, professores de Educação Física, devemos saber que nossos alunos, não são só uma geração ou um grupo de pessoas com idades semelhantes. Eles possuem marcas sociais de onde viveram e vieram, e constroem suas identidades a partir do pertencer a um gênero, étnia, classe social, religião, etc. Assim, cada jovem enxerga nas práticas corporais da Educação Física a possibilidade de ascensão social, espaço de encontros, local de expressão e troca de afetos, lugar de auto-afirmação pessoal ou lugar de humilhação e tédio por não dominar certas capacidades motoras de movimento ou jogo, tornando as aulas assim um lugar de exclusão social por não ser ou saber fazer algo.

Para os alunos, as práticas da Cultura Corporal de Movimento podem ser um importante meio de comunicação e construção da imagem corporal, mas podem também ser transformar em uma situação ameaçadora, excludente e desfavorável para a construção dessa imagem corporal. Se o ambiente educacional estiver contaminado por valores prontos e externos como beleza, estética corporal e gestual, eficiência e desempenho, não havendo uma visão critica e uma contextualização desses conhecimentos, as aulas de Educação Física se tornarão em purgatório cruel para a maioria dos alunos "fora do padrão" e abrirão espaço para ditadura do corpo e do comportamento perfeitos. Para evitar isso devemos valorizar o estilo pessoal de cada aluno e seu interesse em aperfeiçoar-se em uma ou outra modalidade da Educação Física através de vivências e experiências práticas de movimento e atividades diversificadas transformando assim a cultura corporal de movimento em um instrumento de sociabilidade e convivência saudável, além de incentivadora das práticas corporais livres.

Atualmente no cotidiano escolar percebo que a educação física escolar reduziu-se a uma disciplina esportiva e competitiva por excelência, deixando de fora outros temas e perspectivas próprias da disciplina. Todos os conteúdos das brincadeiras e jogos populares e até mesmo a dança, foram transformadas em práticas de competição e disputas, como regras formais, torneios e premiação para os melhores. Houve uma esportivização negativa das atividades escolares tornando a competição, base das relações educativas e sendo vista atualmente como a única maneira de promover a formação de pessoas.

A esportivização da Educação Física é fruto do discurso de que pelo esporte, teremos um país olímpico, que os heróis das nossas seleções de futebol ou vôlei são modelos para nossos jovens e de que a prática esportiva é a solução para problemas de saúde e as mazelas sociais.

Esse modelo foi inseminado no ambiente escolar e na Educação Física transformando todas as práticas corporais em esportes com regras e pontuações por desempenho. A capoeira,dança, ginásticas, lutas e brincadeira tradicionais receberam símbolos do processo esportivizante como a padronização de meios, técnicas e posturas, inibindo assim, a criatividade, os sentimentos e a subjetividade dos alunos juntamente com o desenvolvimento de sua imagem corporal de forma saudável, onde a certeza e a segurança em suas capacidade de ser, saber e fazer constituiiriam a base de uma personalidade segura e forte ainda em desenvolvimento.

A esportivização tornou a Educação Física escolar um modelo de aula, que nada mais era que a cópia de tarefas de iniciação esportiva onde só são ensinados gestos determinados pela performance de alguns atletas, fixação de movimentos por repetição, melhoria técnica e tática, seleção para a formação de equipes vencedoras com o objetivo de produzir atletas em qualquer conteúdo esportivo da Educação Física.

Com tudo isso, o Brasil não se tornou uma potência olímpica, não reduziu as diferenças sociais, não melhorou a saúde da população, não diminuiu o acesso dos jovens as drogas e vícios e pior, não aumentou o número de adeptos as práticas corporais livres. Como o tempo, notou-se que a escola não era o lugar ideal para a produção de atletas e as instituições esportivas, criaram seus espaços próprios, mostrando a verdadeira face do esporte como fenômeno social, manter um produto que precisava de mão de obra e assim, seleciona, exige e disciplina o sujeito, por vezes afastando-o da escola em nome de um sonho e uma falsa expectativa de sucesso e ascensão social para todos. Para isso, houve seleção de pessoas de forma impessoal e sem considerar a diversidade corporal gerada pela cultura corporal de movimento de cada um, tal seleção era feita por base no biótipo, aspectos médicos, técnicas de avaliação biométricas, como estruturas musculares e a capacidade de adaptação a um ou outro tipo de treinamento, abrindo espaço para visões e testes excludentes, racistas, sexistas, para a seleção humana.

O que queremos propor é uma Educação Física crítico/desportiva, e não o fim do desporto nas aulas, e sim uma nova forma de desenvolver as potencialidades de cada aluno, respeitando as capacidades individuais e as habilidades da cada um em seu desenvolvimento próprio no tempo. Proponhamos que a inclusão do aluno na prática corporal livre ou esportiva seja prioritária ante a performance ou a formação das equipes vencedoras, acreditamos que mais importante que ensinar o aluno um fundamento ou jogo, é incluí-lo e deixá-lo seguro a desenvolver sua cultura corporal de movimento, em um ambiente socialmente sadio e não exclusivamente competitivo, porque só com a apreensão da certeza e da segurança em suas capacidades de ser, saber, e fazer é que a personalidade do aluno terá uma base forte e segura para desenvolver-se e gerar uma pessoa plena e capaz de usar todo seu potencial intelectual e afetivo na sociedade, além de criar o hábito das práticas corporais livres desvinculando-as do padrão estético e de beleza proposto pelo mercado, mídia e pela ditadura do consumo de produtos esportivos.

A proposta da Educação Física Crítico/desportiva tem como objetivo repensar o esporte como conteúdo da educação física, a que ele serve, assim como a nossa ação pedagógica em "sala de aula". É importante compreender criticamente o esporte dentro da escola e sua exclusividade sobre outros temas e abordagens, sua função, quais valores ensina e constrói para nossos alunos.

Atualmente o esporte de rendimento vem como elemento de inclusão e ascensão social para as camadas populares sem ter encontrado até agora nenhuma resistência ou questionamento em seu percurso escola à dentro, se tornando o único conteúdo das aulas de educação física e até mesmo se confundindo com esta, com seus símbolos e significados clonados do esporte de alto rendimento, disseminados pela mídia. Qual professor de educação física escolar, não adotou uma atidude de arbitragem ou avaliação de algum jogo televisionado do Panamericano para seus alunos sem dar a devida interpretação do mesmo.

Nesse ponto devemos ter cuidado de não nos equivocarmos ao excluir o esporte como conteúdo da educação física escolar, desesportivisá-lo em nome do lúdico ou do cooperativo, o que mataria qualquer ação crítico-pedagógica de mudança.
Valter Bracht nos mostra quatro grandes equívocos principais que devem ser esclarecidos nessa discussão:
Quem faz críticas ao esporte é contra ele, a crítica de acordo com Bracht , não tem o sentido de negar o esporte como conteúdo da educação física escolar, mas sim de trata-lo pedagógicamente.

A idéia de que a abordagem pedagógica crítica em educação física escolar é contrária ao ensino das técnicas esportivas, e que quem não adota a perspectiva crítica, justamente por ensinar as técnicas ou ser um técnico desportivo é um tecnicista. Bracht esclarece que tal idéia não faz sentido, porque não se pode afirmar que o ensino de técnicas esportivas e de fundamentação esteja pautado na pedagogia tecnicista. É preciso não confundir tecnicismo esportivo com tecnicismo pedagógico, pois a crítica esta centrada na subordinação inconsciente não a técnica enquanto tal, mas a finalidade a qual tal técnica esta a serviço.

A oposição entre o esporte de rendimento, tido como acrítico, e o lúdico , visto como crítico, fazendo com que ambos sejam vistos como se fossem exclusividade das abordagens pedagógicas. Há uma tendência de mitificar o lúdico como sendo um elemento virtuoso para se chegar a humanização, enquanto que o esporte de rendimento carregaria em si o elemento não desejável da competição, por conseqüência criando a idéia de que a perspectiva crítica, nega a aptidão física, negando assim um dos principais objetos da educação física.

Por último, a idéia errada de que as aulas de educação física dentro da perspectiva crítica, priorizam a reflexão sob a forma de aulas teóricas em prejuízo dos movimentos, que seriam as aulas práticas. Nesse caso não se trata de trocar o movimento pela reflexão, mas sim, fazer este acompanhar aquele.

Se quisermos avançar na construção de uma perspectiva crítica para o esporte como conteúdo da educação física escolar, teremos de saber seus usos e significados na escola, para só então podermos refazer a nossa ação pedagógica objetivando superar o atual significado do esporte na escola.

Precisamos encurtar a distância entre o discurso e a pratica das aulas de E.F. escolar, para que as críticas construídas tenham algum poder de ação nas escolas não ficando só no discurso. Pois a concepção de esporte que combato, está mais forte a cada dia através da mídia, temos de saber que isso não vem do esporte em si, mas sim das relações sociais atuais na qual o esporte se insere.

Na educação física somos bons de discursos, mas não avançamos muito nas práticas e ações pedagógicas do dia-a-dia. Precisamos re-significar o esporte na escola e esta tende a resistir a isso, pois o esporte que ela quer é o que ela conhece pela mídia.
Os professores que trabalham na perspectiva crítica enfrentam grande resistência por parte dos alunos, diretores e comunidades escolares como um todo.

Precisamos criar um fórum permanente de idéias para irmos além das perspectivas do discurso que pode desconhecer as condições da escola ao pensar o trato pedagógico crítico do esporte, lidando com os conflitos, resistências e contradições, tornando a escola assim, o que Luckesi definiria como: "O mais eficiente aparelho de estado para inculcar a ideologia dominante e preservar o Estatus Quo social", um espaço de luta e resistência contra-ideológica. Mas isso dependerá de sermos competentes e eficientes em nossas ações, propostas e de termos a capacidade de construir uma intervenção consciente e articulada da mesma forma que foram as propostas da pedagogia liberal, infelizmente vivas e incutidas até hoje em nossos planejamentos e procedimentos de ensino, pois sua força conservadora é mais forte que nossos discursos, força que não reside em si mesma e sim na trama de relações sociais que a envolvem, daí a importância de re-significar e re-inventar criticamente os usos do esporte na educação física escolar.

Por fim, posso concluir que manter a Educação Física esportiva competitiva como base única do trabalho pedagógico na escola de forma acrítica é estar em contradição com a rejeição social ao trabalho infantil precoce, a exposição dos jovens a situações humilhantes e desumanas. Precisamos como professores acabar com o aspecto "natural" da competição como base das relações humanas. Precisamos pensar outros valores e formas para o esporte ser mais inclusivo e menos sectarista e seletivo, dando as práticas esportivas um novo significado através de novas ações.

Devemos ficar atentos nas aulas de Educação Física para identificar as práticas e modelos antigos que ainda contaminam os planejamentos didático-pedagógicos da Educação Física escolar como disciplina. Este para mim é o maior desafio do cotidiano da escola, porque precisamos tratar o conhecimento de forma diferente da que o mercado trata um produto, pois caso contrário, a escola perderá sua função social e a Educação Física o sentido das praticas corporais.

Assim, fica o convite aos futuros professor da Educação Física e ampliar criticamente sua visão sobre a cultura das práticas corporais livres, prazerosas inclusivas e críticas, acima da mera esportivização seletiva e estética de mercado, que é pobremente rotineira da Educação Física no seio da escola hoje.

" Toda pedagogia cínica, isto é, consciente de si mesma,como manipulação, mentira ou passatempo fútil, destruiria a si mesma, pois ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina algo que seja verdadeiro ou válido a seus próprios olhos" "Forquim 1993"
EM UM PLANO DE CURSO DENTRO DA NOVA EDUCAÇÃO FÍSICA CRÍTICO/DESPORTIVA DEVE:

Estar em sintonia com os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN’s envolvendo as diferentes possibilidades da Educação Física na escola, como a saúde, lazer, reflexões críticas dos problemas envolvidos com a cultura corporal de movimento em toda a sua amplitude holística de forma transdisciplinar, observando as dimensões atitudinais e conceituais, para além do fazer, através de intervenções planejadas do professor quanto ao conhecimento ensinado, seus valores e atitudes.

Essa nova visão não significou um abandono ao modelo esportivo, biológico ou recreacionista na verdade os PCN’s ampliaram o campo visual do profissional de Educação Física Escolar ao repensar as duas últimas tendências acima citadas que dominavam a escola, abrindo espaço para as tendências psicológicas e as sociológico-políticas, mesmo assim , ainda termos um longo caminho a percorrer na construção de Educação Física que queremos para nossos alunos e futuros cidadãos.

• Ser flexível é fruto de uma visão dialética sobre as práticas corporais individuais de cada grupo social em sua cultura corporal de movimento.

• Considerando as realidades, orientações e idéias da comunidade escolar na qual será aplicado.

• Garantir a todos os alunos sem discriminação o acesso aos conhecimentos culturais de varias práticas corporais, e a compreensão de seus objetivos e natureza.

• Questionar os valores e padrões vinculados às práticas corporais.

• Fazer com os alunos vivencie e aproprie-se das práticas corporais tanto em forma como em sentido e valores, tendo por base seus próprios interesses e habilidades.

• Gerar condições para que o aluno compreenda brincadeira e jogo de forma não competitivas e se sinta seguro a participar dos mesmos independente de sua qualificação ou desenvolvimento da capacidade físicas ou desportivas.

•Incorporar a idéia de igualdade entre sexos quanto às capacidades e habilidades físicas quanto vivências de prática corporal os sexos nas aulas.

• Dar compreensão ao aluno que as diferenças entre homens e mulheres são apenas biológicas e que qualquer outra visão é apenas construção histórico-cultural.

• Desmistificar a visão da ascensão social rápida pelo desporto competitivo e profissional divulgado pela mídia esportiva.

• Desmistificar a idéia de que o esporte combate a marginalização social através de projetos de Educação Física e que as práticas corporais sozinhas e sem uma justiça social e distribuição de renda mais igualitária é a solução para as mazelas sociais nas comunidades pobres (gravidez precoce, drogas, criminalidade, degeneração familiar).

• Fazer o aluno compreender que as práticas corporais são direito de todos independente de padrões estéticos corporais e que devem ser vivenciadas de forma livre dentro de sua cultura corporal de movimento e não como prêmio ou punição, ou solução para os jovens das comunidades escolares.

Obs. Os autores, Rogério Pinheiro dos Santos Andrade (r.pinheiroand@gmail.com), Gracielle de Andrade Ferreira (gracielle-f@ig.com.br)(pós graduanda m psicomotricidade),Priscila Ferreira Gomes Crespo (racielle-f@ig.com.br ) (pós graduanda em psicomotricidade) e Tereza Cristina Barbosa Furtado (terezafurtado@ig.com.br) são da Universidade Salgado de Oliveira


 BIBLIOGRAFIA

  •  Bracht, Valter; A educação física escolar como campo de vivência social.
  • Luckesi, Cipriano Carlos; Filosofia da educação, Cortez Editora, São Paulo, 2005.
  • Coletivo de Autores: Metodologia do ensino da educação física, SP , Cortez, 1992.
  • Forquim, Jean Claude. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais.
  • Ghiraldelli Júnior, Paulo. Educação Física Progressista: A Pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação brasileira.
  • Caparroz, F. Eduardo. O esporte como conteúdo da Educação Física.
  • Magill, Richard.A. Aprendizagem Motora, Conceitos e aplicações.
  • Demo, Pedro. Conhecer e Aprender. Sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre, Artmed. 2000.
  • Morin, Edgard. Os sete saberes necessários a educação do futuro. SP. Cortez, 2002.