Integra

2- OS PRESSUPOSTOS DO MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO

Partimos do pressuposto de que o conhecimento científico não é inócuo a uma dada visão da realidade, assim sendo, um método investigativo também não o é. A escolha de um método de análise não se justifica por si só, no campo acadêmico, mantendo estreita relação com a visão de mundo que possuímos, portanto escolher um método, significa optar por uma determinada visão de sociedade, e mais ainda levar em conta os interesses de determinada classe social. Sendo assim, a escolha do Materialismo Histórico Dialético, enquanto método de análise, significa à compreensão, por parte do pesquisador que a realidade não se apresenta finalizada e sim em transformação. Os métodos de pesquisa são determinados por diferentes concepções de realidade e de sujeito e por isso não se explicam por si só, nem são isolados dos contextos cognitivos, nem são abstrações e nem são neutros. (GAMBOA,1998)

No que concerne ao fenômeno da precarização do trabalho do professor de Educação Física, compreendemos que o papel do pesquisador não é apenas constatá-lo, como se este, fosse natural, mas identificar as relações sociais que o originaram, buscando argumentos teóricos que nos permitem constatar, compreender, explicar a realidade e , mais ainda, que nos de subsídios para que através da práxis, possamos transforma - lá.

Seguindo as indicações de Lukács :

"O materialismo histórico dialético não é somente um instrumento de conhecimento. Ele é, também, ao mesmo tempo, um instrumento de ação. O conhecimento burguês é essencialmente contemplativo: O sujeito se acha diante de um universo de objetos sociais, independentes de si próprio e inalteráveis, que ele observa- segundo o método científico e natural. No ponto de vista do proletariado, pelo contrário,visa a transformação revolucionária da realidade social, o instaura uma relação dialética entre o sujeito e o objeto, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto do conhecimento e a história" (p.132)

O Materialismo Histórico-Dialético é um método, cuja característica central é a apreensão radical da realidade. Como nos indica (FRIGOTTO, IN: FAZENDA,1989) é uma práxis, ou seja, síntese teórico-prática na busca da transformação, também radical, da estrutura social historicamente construída.

A precarização do trabalho docente do professor de educação física é apenas um fenômeno e como tal se apresenta na realidade social constituindo o mundo da pseudoconcreticidade. Neste, os fenômenos mostram-se mais na sua aparência que na sua essência. Por uma dupla via o fenômeno liga-se a essência, mas a esconde ao mesmo tempo forjando uma realidade deturpada (KOSIK, 1976). Para atingirmos o concreto pensado é necessário fazer um détour, afim de identificar as múltimas determinações de tal fenômeno. O concreto é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Motivo pelo qual o concreto aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. O método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é se não a maneira de proceder do pensamento" (MARX, 1999, grifos do autor).

3- O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA CENTRAL DE ANÁLISE E AS MEDIAÇÕES COM O TRABALHO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Partimos da compreensão que o trabalho é categoria central de analise, pois é próprio da identidade humana, no qual o homem se apropria da natureza modificando-a para garantia da sua sobrevivência. Apoiados em Marx, na passagem que se segue podemos confirmar tal afirmativa:

"Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se queira. No entanto, eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse salto é condicionado por sua constituição corporal. Ao produzirem seus meios de existência os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material".(MARX, 2005)

Partindo da análise marxiana, a cerca do trabalho, observamos suas duas dimensões: a ontológica e a histórica. O trabalho na dimensão ontológica é o trabalho criativo, próprio da identidade humana que possui uma teleologia. É o que diferencia o homem dos demais animais. "O que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele", o (homem) projeta sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de construção, o trabalho aparece como sendo um resultado que já existia na mente do trabalhador. Ele não transforma apenas o material que trabalha; ele imprime ao material à idéia que tinha conscientemente em mente. (MARX,1995). No entanto o trabalho da forma como vem sendo historicamente construído assume sua outra dimensão, a histórica, porém não extinguindo por completo à primeira: a ontológica.

O trabalho na sua dimensão histórica é o trabalho alienado, no qual o produto aparece para o produtor como algo, estranho, alheio a ele.

As forças produtivas sob o solo do desenvolvimento capitalista produzem a divisão social do trabalho. Provocando o estranhamento do trabalhador com o fruto do seu trabalho. Marx, (2004) analisa o ato da alienação do trabalho, sob dois aspectos: O estranhamento do trabalhador frente ao produto que ele criou, não o reconhecendo, como sendo algo concebido por ele próprio. Que é a mesma relação que o trabalhador mantém com o mundo sensível, sendo estranho a ele . E o estranhamento em relação ao processo de produção dentro do trabalho. Esta relação é a relação do trabalhador com a própria atividade sendo concebida como alguma coisa estranha, que não lhe pertence. O ato de trabalhar vira sofrimento se torna uma atividade dirigida contra o trabalhador independente dele, que não lhe pertence. "Esta é a auto-alienação, em contraposição com a acima mencionada alienação da coisa" (MARX,op.cit).

Partimos do pressuposto de que, para que possamos compreender um fenômeno, no caso o que aqui se apresenta, -precarização do trabalho do professor de educação física-, não podemos ignorar assim como os burgueses o fazem, o contexto histórico que o produziu, portanto é imprescindível nos recorremos à crise do capitalismo da década de 1970. Acreditamos ser este o contexto histórico que o produziu por compreender que:

"... na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência".(MARX,op.cit.p. 52).

Os anos de 1970, nos países de capitalismo central foram marcados, pelo início da crise do modelo de produção taylorista/fordista, cujo apogeu deu-se uma década a posteriori. O fracasso do referido padrão de acumulação, bem como do Estado de Bem-Estar Social, são apenas expressões fenomênicas da crise estrutural do capitalismo, cuja essência localiza-se na não realização de mercadorias. (ANTUNES,1999; DEL PINTO, 1999).

Em resposta a essa crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital, o qual no plano político observou-se o advento do neoliberalismo, possuindo como norte, um Estado forte na sua capacidade de romper com os Sindicatos, e no controle do dinheiro, porém parco em todos os gastos sociais e intervenção econômica. No Brasil, a política neoliberal tomou concretude a partir dos anos de 1990, com o governo Collor. O objetivo pautava-se na premissa de recuperar a reprodução interna do capital desgastada nos anos de 1980. As principais características do neoliberalismo no Brasil são: "liberalização comercial e o novo impulso no processo de privatização, reestruturação das políticas sociais, desregulamentação, e flexibilização das relações trabalhistas, austeridade no gasto público, etc".

(ALVES,2005). Com a desobrigação do Estado na gerência das conquistas sociais, e a flexibilização das relações trabalhistas, observamos o reordenamento do trabalho docente do professor de Educação Física, pois no cenário brasileiro , assim como, no norte-americano, proliferaram as academias de ginástica como fenômeno caracterizador do empenho da iniciativa privada em gerir algo que deveria ser função do Estado, ou seja, a manutenção e a promoção da saúde. (NOZAKI e QUELHAS, 2006). As academias de ginástica vão se tornando cada vez mais alternativa para o capital em busca de lucro, por conseguinte, trás a classe trabalhadora maior precarização do seu trabalho em forma de contratos temporário e terceirização.

Podemos observar algumas formas de precarização do trabalho do professor de Educação Física respaldadas pelas brechas deixadas pela CLT- código de leis trabalhistas, que abrem precedentes para o aumento da precarização do trabalho do professor de Educação Física em tempos neoliberais, pois no Artigo 58-A admite contratos por tempo parcial, desde que esses não ultrapassem o limite de 25 horas semanais trabalhadas. Dessa forma os empresários das academias de ginástica contratam professores por tempo parcial e quando assinam a carteira de trabalho , o faz por um valor muito baixos , também amparados pela mesma lei, que permite que empregados contratados por tempo parcial, tenham suas carteiras assinadas com valor inferior ao salário mínimo, respeitando o salário horário da categoria.

No que concerne ao piso salarial dos trabalhadores da educação física que atuam nas academias de ginástica Na cidade do Rio de Janeiro , há um sindicato patronal representante dos empresários das academias de ginástica da cidade, o SINDACAD/RJ que através de uma convenção coletiva nos anos de 2004/2005 elaborou algumas propostas para vigorarem no Rio de Janeiro. Dentre elas, podemos mencionar no mínimo duas que retratam a alta precarização do trabalho do professor de educação física .

Cláusula 3°

A partir de 1° de maio de 2004, serão fixados os seguintes salários de admissão (pisos salariais) para as funções:
"b) Instrutores de atividades físicas: instrutor de Ginástica Localizada , de step de alongamento, de RPG, de musculação, de Hidroginástica de Fisioterapia, de Bicicleta In Door, de Spinning,de RPM, de Jump Fit, de Fitball: Instrutores Desportivos: Instrutor de Natação, de Futebol,de Basquet, etc; Instrutores de Artes Marciais: Intrutoir de Katatê, de boxe, de Jiu-Jitsu, de Capoeira, de Tae-Kwen-Do, de Kung-Fú de Box Tailandês, de Judô, de luta Greco-Romana, de Krav-Magá; Instrutores de Dança; Instrutor de Dança de Salão, de Jazz, de Balet, de Lambaeróbica, de Forró, de Tango, de Dança Flamenca ;Instrutores de Yoga; Instrutor de Power Yoga de Ashtnga Yoga, de Hatha Yoga;... fica estabelecido o piso salarial de R$ 289,00 (duzentos e oitenta e nove reais)"(ACAD,2004,p.7 )
Cláusula 4°: Contrato em tempo parcial

"Parágrafo Primeiro: Quando o empregado contratado estiver inserido nas funções do item "b", possuir graduação em instituição de ensino superior , estiver devidamente registrado em seu respectivo conselho de profissão, e for contratado sob regime de tempo parcial, fica estabelecido o piso de hora/aula de R$ 2,31 (dois reais e trinta e um centavos)". (Ibid.;p.7)

Localizamos nossas análises no mundo do trabalho por se voltarem ao mundo do trabalho capitalista, cujas crises se dão ás custas de precarização do trabalho na sua forma abstrata, compreendemos o "mundo do trabalho , como um lugar essencialmente de relações de forças entre capitalistas e trabalhadores, as duas classes fundamentais para efetivação do trabalho na sociedade capitalista." (NOZAKI,2005)

3.1- A Problemática dos Estudos Centrados no Mercado de Trabalho da Educação Física Tendo Como Matriz Metodológica o Positivismo

O positivismo, idéia que floresceu no século XVIII, intimamente ligada a critica à ideologia dominante da época, a ideologia clerical, feudal, absolutista. Num primeiro momento possuía um caráter utópico, critico e até certo ponto revolucionário. (LÖWY,1996) . Nasceu vinculada à crítica do controle do conhecimento social pelas classes dominantes da época, a Igreja , o Estado Monárquico e o poder Feudal. Alguns autores clássicos são representantes das idéias positivistas, dentre os quais podemos mencionar Condocert, Saint-Simon, Augusto Comte, Durkheim e Max Weber. Os referidos autores possuem suas próprias formulações em relação ao que vem a ser o positivismo, mas todos convergem em um ponto fulcral. O princípio positivista: A neutralidade axiológica da ciência e que a sociedade é regida por leis naturais que regulam o funcionamento da vida social, econômica e política, e portanto, o que reina na sociedade é uma harmonia semelhante a que há na natureza, uma espécie de harmonia social. (Ibid.: p.36) São considerados subversivos a ordem os que possuem a utopia de transformar a realidade. O positivismo altera o seu sentido no século XIX, para se tornar, uma justificação científica da ordem social estabelecida. (LÖWY, 1994), ou seja, a ordem burguesa.

Ainda hoje, no século XXI, diversas pesquisas científicas aplicadas às diferentes áreas do conhecimento possuem como referencial teórico metodológico o Positivismo, cuja idéia mestra é a manutenção da ordem social vigente. No campo da Educação Física não é diferente. Diversos estudos ao analisarem o reordenamento do trabalho docente do professor de Educação Física mostram-se otimistas em relação ao mercado de trabalho da área, no entanto análises de um campo de atuação profissional centradas no mercado de trabalho, são imediatistas e apologéticas, em torno da demonstração de onde é mais fácil, para nós trabalhadores , vendermos nossa única mercadoria, a força de trabalho (NOZAKI,op.cit). No atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, marcado pela crise do trabalho abstrato, o termo mercado de trabalho torna-se uma noção ideológica que visa adaptar o trabalhador as condições de mais alta precariedade, servindo exclusivamente aos interesses do capital, que depende da intensificação da exploração da força de trabalho para continuar se reproduzindo. (NOZAKI,2003)

Reconhecemos que alguns estudos, como o de Jorge Steinhilber e Sérgio Sartori, relacionados ao mercado de trabalho da Educação Física, possuem como matriz teórica o Positivismo, pois ao iniciarmos uma discussão epistemológica a cerca das abordagens de pesquisa levantamos questões nesses trabalhos que mantém estreita ligação com o referencial do Positivismo, dentre as quais podemos mencionar a questão da neutralidade axiológica contida em ambos. Evidenciamos a relação sujeito e objeto, no qual o "Sujeito- o pesquisador- distancia-se do objeto, para preservar a objetividade, através de instrumentos testados ou aprovados por juízes onde o consenso é entendido como grau de objetividade." (GAMBOA, op.cit). Nestes trabalhos a realidade aparece como cenário, ambiente, e não como sendo construída pelos próprios sujeitos históricos.

Ambos os estudos, partiram da hipótese de que o melhor campo de atuação profissional da Educação Física é a área não escolar, para validação desta hipótese, isolaram este fenômeno, das relações que o produziu e buscaram através de dados estatísticos comprovarem em qual campo de atuação há um maior número de professores atuando, e em qual dos campos à remuneração é superior.

Jorge Steinhilber (op.cit) realizou uma pesquisa empírico-analítica , sem representatividade amostral, chegando à conclusão que os professores de Educação Física trabalham um maior número de horas no meio não escolar, bem como recebem salário superior, neste local de trabalho. A referida pesquisa intitulada de: "A inserção mercadológica dos profissionais de educação física no estado do Rio de janeiro" foi realizada com 306 egressos, entre os anos de 1986 a 1997, no entanto, como mencionamos anteriormente os dados estatísticos não são relevantes, pois em apenas um ano, o número de professores formados somente na cidade do Rio de Janeiro é superior a 306. Tal estudo não leva em consideração importantes questões que servem para nortear um campo de atuação profissional, por exemplo, o maior número de horas mensais de trabalho em determinado campo não implica, necessariamente uma maior ocupação deste campo por parte dos trabalhadores, pelo contrário, pode estar revelando o seu caráter de aumento de mais-valia. (NOZAKI, 2007).

O trabalho não busca identificar se os direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora, como férias, décimo terceiro salário, carteira assinada, licença saúde e/ou maternidade são garantidos, em tempos de, franco ataque aos direitos trabalhistas.

Outro trabalho vai na mesma linha do já aqui citado. É a dissertação de mestrado de Sérgio Sartori (op.cit,) intitulada de "Perspectivas e limites da Profissão de Educação Física", se referiu ao fenômeno, da explosão das academias, como sendo uma esperança real de trabalho para o professor de educação física A única dificuldade que segundo ele, o professor encontraria era a presença do leigo neste mercado emergente. No entanto, o referido autor, aponta como alternativa para superação de tal problema, a saída corporativista da regulamentação da profissão de educação física.

A conclusão que o autor chegou é que dos 119 entrevistados, 35,26 % atuam como técnicos desportivos e professores de academia 26,44% atuam no meio escolar, 25,21% trabalhavam em atividades de recreação e lazer 7,56% trabalham em atividade de natureza técnico-pedagógica e/ ou administrativa e 5,46% no ensino superior. No entanto o autor não analisou as condições de trabalho encontradas no mercado emergente. E não fez as devidas mediações entre o reordenamento do trabalho docente do professor de educação física e a crise do capital da década de 1970.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do exposto, observamos a precarização do trabalho do professor de Educação Física no meio não escolar que só pode ser compreendido na sua totalidade levando-se em conta o contexto histórico que o originou. Reafirmamos nossa análise centrada no mundo do trabalho, em detrimento às análises centradas no mercado de trabalho, pelo reconhecimento de que as relações sociais se dão entre as duas classes fundamentais da sociedade capitalista, a burguesia e o proletariado. Por fim, reafirmamos o Materialismo Histórico Dialético enquanto método de análise sobretudo por considerá-lo enquanto instrumento de ação na transformação radical da sociedade.

Obs. A autora, professora Tatiane Carneiro Coimbra (tc_coimbra@yahoo.com.br) é mestranda na UFF, bolsista da CAPES e membro do GETNHI ..

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