Resumo

A experiência como algo que permite aos indivíduos apropriarem-se de sua própria vida parece estar à margem ou em declínio na contemporaneidade. É nesse contexto maior que se situa a presente pesquisa e com a seguinte "pergunta de partida": que dimensões lúdicas da experiência de infância podem ser evocadas na memória de velhos moradores da Ilha de Santa Catarina e de Açores, tendo por referência os registros de brincadeiras e brinquedos contidos na obra de Franklin Cascaes (1908 - 1983)? Foram traçados os seguintes objetivos: caracterizar as dimensões lúdicas da experiência de infância escavadas na memória de velhos moradores da Ilha de Santa Catarina e dos Açores (PT), a partir dos registros de brinquedos e brincadeiras da obra de Franklin Cascaes; e perceber se os sujeitos investigados conheciam ou compartilhavam da cultura lúdica registrada por Franklin Cascaes, bem como conhecer ainda outros brinquedos e outras brincadeiras presentes na memória dos velhos entrevistados além daqueles assinalados por esse estudioso da cultura açoriana da Ilha de Santa Catarina. Metodologicamente, foi delimitado um campo empírico para a memória lúdica de infância de velhos moradores da Ilha, tendo na história oral o suporte para o registro dessa memória. Os doze distritos administrativos da Ilha constituíram o lócus da pesquisa, ou seja, o lugar onde os velhos ilhéus passaram suas infâncias, num tempo e espaço entre 1930 e 1950. O número de entrevistados compreendeu uma amostra de natureza qualitativa, limitada pela recorrência das informações obtidas nas dezenove entrevistas realizadas. A obra de Franklin Cascaes foi consultada para buscar documentos, imagens e objetos relativos à cultura lúdica daquele tempo histórico da Ilha. Um campo empírico complementar foi realizado com quatro entrevistas com velhos moradores dos Açores (PT). As dimensões lúdicas da experiência de infância, escavadas na memória dos velhos moradores da Ilha de Santa Catarina e de Açores, foram caracterizadas por brinquedos e brincadeiras que imitavam o mundo adulto, mas com espaço para a imaginação das crianças; por uma infância circunscrita ao modo de vida típico da Ilha, entre 1930 e 1950; por um tempo de brincar na rua, em grupo e com possibilidade de interação com a natureza; por um local de infância com uma imensidão de espaço para brincar a "rédeas soltas"; por amplo reconhecimento por parte dos entrevistados, dos registros de brinquedos e brincadeiras feitos pelo artista-folclorista que eternizou, para as gerações futuras, a cultura infantil das gerações passadas; pela experiência dos entrevistados como artífices de seus próprios brinquedos; e por uma crítica à política de cidade que fez Florianópolis trilhar os caminhos da modernização e urbanização sem salvaguardar espaços públicos, livres, extensos e abertos onde as futuras gerações de crianças possam brincar, transformando essas crianças em reféns de lugares fechados e mudando radicalmente a cultura da infância atual.

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